Campanhã. Tarde do dia 18. O comboio parte dentro de 13 minutos. Linha 8. Entro no comboio. Para trás, ficam as reuniões de avaliação, a resolução de dois casos de indisciplina. Que bom, uns dias com mais tempo livre. Para visitar outros espaços. Para não andar sempre a olhar para o relógio.
Daí a nada, abre-se a vista sobre o rio Douro. Sempre redescoberta. O telefone treme no meu bolso. É uma amiga que me lê um poema com Penélope e Ulisses "à espera de um outro amanhecer".
O comboio, com poucos passageiros, prossegue a marcha. Fecho o livro. Guardo as fotocópias. A cabeça escorrega e quase adormeço. A paisagem passa rápida. Húmida, cinzenta, enigmática.
Chegada a Entre-Campos. Saio. Apanho um táxi. Chego ao pequeno hotel. À minha espera, está uma sorridente parte de mim. Abraços. Beijos. Minha querida filha. Há quanto tempo. O Skype? Oh, não é a mesma coisa. A noite chega e a poupada iluminação do Natal azulece algumas árvores.
Manhã do dia 19. Lisboa vai-se povoando. Os vendedores das castanhas abanam as fogueiras onde, tostadinhas, fumegam. Há nevoeiro. Parece o Porto em muitos dias. Mas é Lisboa. Que também tem nevoeiro. Ou era o fumo denso e intenso das castanhas?
Café Nicola, com vista sobre o Rossio. Um café servido por um Paulista já quase sem sotaque. Bom Natal. Votos acompanhados de sorrisos.
Subida da rua do Carmo. Ouve-se fado, vindo de uma loja de música. Uma outra loja muito pequena chama a atenção. Luvaria Ulisses. Onde só cabem duas pessoas e o vendedor, atrás de um balcão onde estão duas pequenas almofadas para dar forma às luvas. Na parede, uma foto elegante de final dos anos 20.
Mais acima, o Centro Comercial do Chiado. Filas para o pronto-a-comer. Muitos tabuleiros. Cheiros importados do mundo global. Saída e subida para a Brasileira. Entrada na Casa Pereira, com lotes de chá e de café das Arábias. Servidos por dois homens entroncados e baixinhos, apertados e apressados fatos cinzentos. E a memória aviva-se nos cartuchinhos com o nome da casa que perfuma o espaço há mais de oitenta anos.
São horas do regresso ao Porto. Com partida de Sta Apolónia. Várias imagens vão passando diante dos olhos: um taxista nervoso, um homem e um cão indiferentes ao bulício, dois amantes abraçados num banco de jardim, o abrigo de um sem-abrigo estendido antes que a noite venha, um velho de olhar parado apoiado na bengala, um elétrico vermelho a interromper, de forma intermitente, a vista do rio cinzento...
Na estação, um vendedor asmático veste-se de Pai Natal e mostra a revista Cais, um executivo puxa o trólei também ele preto como o seu fato, um homem conhecido acena ao filho como faz qualquer desconhecido que sabe que é pai.
Comboio em marcha. Aumento de velocidade. 200 e tal quilómetros à hora. Alverca. Apitar rápido, frenético. Ruído sob a locomotiva. Uma pedra? Um animal? Uma pessoa? O comboio para. E lá fica durante um par de horas. Alguém vê o maquinista fora do comboio. Transpirando e nervoso. Duas pessoas tinham sido trucidadas. Mãe e filha. Não, não era mãe e filha. Sabiam-se as novidades pela internet. Alguns polícias passam no corredor. Um menino indiferente a tudo dorme no colo da mãe.
É noite à chegada ao Porto. Chove muito. Os passageiros que vão para Braga terão de mudar de comboio. As duas horas de paragem deram para algumas pessoas falarem da vida, da morte, e, como acontece em momentos contrários, acabou por se desejar bom Natal, depois de se falar de tudo e mais alguma coisa como da publicidade com o Brad Pitt ao Chanel nº 5.
Noite escura. Todos saem do comboio à espera de "um novo amanhecer". Todos? Os mortos, não. E tantas cores fica(ra)m por ver!
Café Nicola, com vista sobre o Rossio. Um café servido por um Paulista já quase sem sotaque. Bom Natal. Votos acompanhados de sorrisos.
Subida da rua do Carmo. Ouve-se fado, vindo de uma loja de música. Uma outra loja muito pequena chama a atenção. Luvaria Ulisses. Onde só cabem duas pessoas e o vendedor, atrás de um balcão onde estão duas pequenas almofadas para dar forma às luvas. Na parede, uma foto elegante de final dos anos 20.
Mais acima, o Centro Comercial do Chiado. Filas para o pronto-a-comer. Muitos tabuleiros. Cheiros importados do mundo global. Saída e subida para a Brasileira. Entrada na Casa Pereira, com lotes de chá e de café das Arábias. Servidos por dois homens entroncados e baixinhos, apertados e apressados fatos cinzentos. E a memória aviva-se nos cartuchinhos com o nome da casa que perfuma o espaço há mais de oitenta anos.
São horas do regresso ao Porto. Com partida de Sta Apolónia. Várias imagens vão passando diante dos olhos: um taxista nervoso, um homem e um cão indiferentes ao bulício, dois amantes abraçados num banco de jardim, o abrigo de um sem-abrigo estendido antes que a noite venha, um velho de olhar parado apoiado na bengala, um elétrico vermelho a interromper, de forma intermitente, a vista do rio cinzento...
Na estação, um vendedor asmático veste-se de Pai Natal e mostra a revista Cais, um executivo puxa o trólei também ele preto como o seu fato, um homem conhecido acena ao filho como faz qualquer desconhecido que sabe que é pai.
Comboio em marcha. Aumento de velocidade. 200 e tal quilómetros à hora. Alverca. Apitar rápido, frenético. Ruído sob a locomotiva. Uma pedra? Um animal? Uma pessoa? O comboio para. E lá fica durante um par de horas. Alguém vê o maquinista fora do comboio. Transpirando e nervoso. Duas pessoas tinham sido trucidadas. Mãe e filha. Não, não era mãe e filha. Sabiam-se as novidades pela internet. Alguns polícias passam no corredor. Um menino indiferente a tudo dorme no colo da mãe.
É noite à chegada ao Porto. Chove muito. Os passageiros que vão para Braga terão de mudar de comboio. As duas horas de paragem deram para algumas pessoas falarem da vida, da morte, e, como acontece em momentos contrários, acabou por se desejar bom Natal, depois de se falar de tudo e mais alguma coisa como da publicidade com o Brad Pitt ao Chanel nº 5.
Noite escura. Todos saem do comboio à espera de "um novo amanhecer". Todos? Os mortos, não. E tantas cores fica(ra)m por ver!
Tu à espera de "um novo amanhecer"; eu, no meio do dilúvio, a lembrar-me de "uma cara de aurora lavada na nascente".
ResponderEliminarTu a sentires duas pedras, mas que eram seres no caminho da morte; eu a ver o "voo de pássaros negros".
Tu na realidade; eu na ficção do palco da vida, com passado, com presente, com presente que é passado.
E o dia seguinte veio menos tempestuoso, mas com uma noite cheia do absurdo de todos os dias.
(http://carruagem23.blogspot.pt/2012/12/a-noite-do-absurdo-de-todos-os-dias.html)
Bonito texto o teu!
"E tantas cores fica(ra)m por ver!"
ResponderEliminarMas vêmo-las e (pres)sentimo-las e cheiramo-las aqui! Porque as cores também têm cheiro.
E todas estas cores amanhecem, afungentando todos os males.
A morte não, que essa não é mal. É dor-dor, principalmente quando chega brutalmente e nos leva, por instantes (para os que a ela assistem de fora), a esperança a ilusão da nossa eternidade.
Para os que a vivem com os seus, a morte deixa um vazio angustiado, a sensação de roubo e leva um pouco de nós. Todos já a experimentámos.
Mas o teu texto traz a VIDA e as suas cores e as cores dos filhos, dos pais e de todos os afetos. Mesmo os dos sem abrigo, os dos desconhecidos, os dos amantes que se confundem com um banco de jardim...
É só preciso lê-lo devagarinho e com os olhos amanhecidos de ternura.
Um beijinho muito grande e "degusta" a presença da tua filhota neste Natal que será certamente Natal.
IA, também prima Zá
Amigos, o que dizer dos vossos belos comentários?
ResponderEliminarDirei apenas: para mim, são belas cores da (minha) Vida.
Um abraço
M.