segunda-feira, 31 de agosto de 2015

A Senhora da ilha de Jersey



        No aeroporto de Gatwick, entrei no comboio para Londres. Como não devo ter seguido bem as instruções da minha filha, tive de mudar de comboio em St Pancreas até chegar ao meu destino.
Na carruagem, seguia uma senhora de meia idade, que lia um jornal inglês, num lugar perto do meu. Depois de o comboio ter percorrido uma longa distância, e como não eram anunciadas as paragens seguintes, perguntei-lhe se St Pancreas ficava ainda longe. Disse-me que não sabia, porque era da ilha de Jersey e também conhecia mal a linha.
A carruagem ia quase vazia e prestava-se, portanto, a algum diálogo. Daí a nada, a senhora de Jersey contava, em voz suave e discreta, que vinha visitar a filha que trabalhava em Londres. Tal como eu, acrescentei. Talvez já não volte a Jersey, disse ela. Tal como a minha não voltará facilmente a Portugal, disse eu.
Numa das paragens seguintes, entrou outro passageiro. Fiz-lhe a mesma pergunta.  Atento, disse-me que faltavam ainda três paragens. Acrescentou que eu logo a veria porque era uma estação muito grande.
Quando saí do comboio, a minha filha estava à minha espera. Muitos abraços, beijos, palavras doces...
A senhora de Jersey tinha seguido viagem e estaria pouco depois, por certo, com a filha e com os netos.
Eu ainda não era avó, mas tinha vindo a Londres para receber a primeira neta. Sê bem-vinda. Welcome. Ainda tive de esperar uns dias.

domingo, 30 de agosto de 2015

Natas e café expresso


Quando chegámos a Camdem Market, em Londres, depois de termos subido a rua mais trendy e gótica que os meus olhos tinham alcançado, fomos ter a uma pequena rampa e logo vimos uma barraquinha que anunciava natas e café expresso.
Demos uma volta pelo mercado, onde se concentram cheiros de comida de todos os continentes - muita dela a fervilhar na cor picante de grandes frigideiras. Comemos um gelado, servido por mãos calmas e delicadas, apesar da fila que se estendia porta fora e voltámos às natas.
 Três, se faz favor. Para levar. Pode ser? Sim, claro. São feitas cá e todos os dias (Tudo dito em português de Portugal. O vendedor tinha a barraquinha há três anos).
De uma pequena prateleira, puxou o saquinho de cartão, onde se lia: Have a break with portuguese taste. Com as mãos sem qualquer resguardo, pegou nas natas e colocou-as na embalagem (trouxemos quatro, porque ficava mais barato - 5 libras. A vida em Londres é muito cara).
A seguir,  humedeceu o dedo na boca e descolou um saquinho de plástico onde colocou a caixinha com as natas.
Realmente, mesmo numa tarde tranquila e cheia de sol em Camdem Market, a perfeição não existe!

sábado, 29 de agosto de 2015

Em Oxford Street


O blusão preto de couro terminava abaixo do peito, as calças justas começavam abaixo da cintura. A longa pele visível era avermelhada. Imaginavam-se mãos longas e insistentes a massajá-la para que nenhum poro destoasse por falta de creme.
À volta do travesti, o perfume era acre e intenso. Os saltos altíssimos faziam-no crescer e notar. Olhava em redor como quem busca algo desejado ou prometido.
Perto dele, havia uma barraquinha com frutos naturais, espremidos na hora. Juicebox. Muita gente com ar trendy fazia fila à espera do sumo, que era entregue com mãos sorridentes. A fruta, à frente da barraquinha, estava exposta com gosto e para todos os gostos.
Talvez  ao fim da tarde o travesti por lá passasse para um fresco detox. Antes de o turista procurado lhe oferecer um  copo quente e intenso. E depois de o turista procurado ir a Bond Street levantar o presente caro que a mulher lhe havia pedido.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

As raposas da noite

Quando a noite sossega, as raposas aproximam-se das casas e atacam os sacos de lixo.
Em West Hampstead, é como em qualquer outro lugar perto de parques. As raposas vêm à procura de alimento. Apesar do lixo ser colocado em contentores à entrada de cada casa, as raposas atiram-se aos sacos mal fechados. É um-ver-se-te-avias. Se o silêncio noturno é perturbado por qualquer ruído, ou passos de algum retardatário ou notívago, elas fogem, regressando à madrugada vazia dos parques.
Quando, em casa,  falamos delas, vêm-me à memória os livrinhos que o meu pai nos comprava, na feira do livro do Porto. Eram estórias quase sempre com lobos à mistura.
Há noites em que as raposas parecem lutar pelos restos de comida. Os seus gritos assemelham-se a gatos assanhados a arranhar os descansados silêncios. 
Mais satisfeitas, regressam aos parques, dando, durante o dia, o lugar a quem procura a luz. 
Talvez seja um modo de se fazer natural justiça.