terça-feira, 5 de maio de 2020

Como noutra rua qualquer

Não sei quantas são, mas são bastantes as avós daquela rua. Durante o dia, varrem, arranjam as plantas da varanda, fazem a comida...
Mas não conversam com as vizinhas como conversavam. Não recebem os netos em casa como acontecia antes da pandemia. Não vão tomar o cafezinho à hora certa como dantes faziam. Não vão às compras como iam, sabendo sempre novidades sobre aquilo que viam e sobre as pessoas que encontravam. Não vão ao Centro de Saúde onde podiam contar coisas à médica, enquanto ela fazia o relatório...
Mas o que lhes custa mais é não estarem com os netos. Só os veem a acenar do carro e só de vez em quando.
Há pouco, uma dessas avós disse, da sua varanda para a vizinha que estava na outra varanda próxima, que chora todos os dias com saudades dos netos. 
Ela ouviu-a por uns segundos, mas logo  fechou a porta da varanda e quase sem se despedir.
A vizinha não estava com máscara e parecia que ia dar um espirro.
Ficou na varanda a olhar a rua à espera de ver passar alguém.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Diálogo em boa quarentena - ou talvez não.

Tinha prometido a mim própria  que o    
tempo livre seria para continuar a  ler  Berta Isla ,
um livro fantástico de  Javier Marías.
Porém ,  promessas, muitas vezes, não pagam escritas
quando se para, escuta, olha...



- Nunca pensei que a quarentena fosse tão boa pra mim.
- Como assim?
- Faço teletrabalho e assim estou longe da minha colega do lado.
- Não gosta dela?
- Como posso gostar? Ela é horrível.
- Não deve ser fácil trabalhar lado a lado com alguém de quem não se gosta.
- A quarentena veio mesmo a calhar. Já não a suportava mais.
- Então, boa quarentena.
- Por amor de Deus, deseje-me outra coisa. Estou farta de estar em casa.
- !!

domingo, 3 de maio de 2020

A casa de minha mãe


A casa de minha mãe tem muitas rosas, violetas e muitas mais flores a que me habituei, embora não  conheça todos os nomes.
Os vasos de hortelã e de manjericão cheiram a canja de festas de antigamente Ou à terra perfumada depois da chuva. Os goivos têm cores de domingo de Ramos.
A velha capoeira alberga galinhas a cacarejar e a querer escapar-se para se espolinharem na terra e petiscarem insetos e ervas. E muitas vezes de lá irrompe um vigoroso cantar de galo a acordar as manhãs.
As coisas velhas amontoam-se aqui e ali à espera de nova utilidade porque 'guarda o que não presta e terás o que te é preciso'.
E multiplicam-se as sacas com novelos de linhas e lãs, perto da velha máquina Singer que continua a coser bem, mas onde o bicho da madeira vai deixando picadas marcas.
Alguns versos fervorosos de minha mãe estão pendurados em paredes. Os pequenos e devotos jornais são guardados em cestos e gavetas porque as mensagens devem ser duradoiras de tão belas.
A aletria da casa de minha mãe é doce e única, em travessas ou pratinhos enfeitados com canela. Incomparável é também o guisado de carne com batatas de sabor apurado a cominhos. Os rolinhos de batata recheados de bacalhau não se comem em mais lado nenhum. E o arroz de polvo faz crescer água na boca pela lenta e refogada cozedura.
Os livros de Camilo, tão amados pelo meu pai, estão sempre presentes, ainda que lá já não estejam.
Na casa, está uma boa parte da vida dos meus pais, minha e dos meus irmãos. Não só pelas fotos mas pelo tempo que lá vivemos todos.
A casa de minha mãe tem flores cujo nome desconheço.
Mas basta-me dizer que são as flores da  casa da minha mãe.

sábado, 2 de maio de 2020

Um belo filme


Vi este filme no cinema, quando passou no Porto, e vou revê-lo agora em casa. A Medeia filmes quarentena cinéfila disponibiliza-o das 12 h de hoje às 12 h da próxima quinta-feira.
Alguns dos temas abordados são muito atuais e tratados com muita delicadeza e ternura. Para além da doçura, é claro.
Vejam, se puderem.

Poderá não ser o filme da nossa vida, mas poderá ser um bom filme na nossa vida.

Pode ler-se na apresenração deste filme de 2016:
'Sentaro gere uma pequena pastelaria de dorayakis – uma especialidade japonesa que consiste em duas panquecas recheadas com doce de feijão (“an”, no original). Quando Tokue, uma senhora com cerca de 70 anos, se oferece para trabalhar na pastelaria de Sentaro, ele aceita com relutância. No entanto, Tokue rapidamente prova que a sua receita de “an” é mágica. Graças à sua receita secreta, o negócio de Sentaro floresce rapidamente… Com o tempo, Sentaro e Tokue abrem os seus corações, e desenvolvem uma relação de amizade que vai revelando também algumas feridas do passado.'

Saquinhos de quarentena



sexta-feira, 1 de maio de 2020

Vi e gostei



'Pamela é uma jovem portuguesa da segunda geração, nascida em França. No emaranhado das suas contradições, dos seus insucessos e do amor absoluto pela sua família, sente-se perdida e parece estar incapacitada de imaginar como poderia viver a sua vida... Sobretudo porque só gosta de tocar piano e patinar no gelo. Vai, contudo, desbravar o seu próprio caminho entre França e Portugal.'


Gostei deste filme de 2017, dirigido por Laurence Ferreira Barbosa, e que a Medeia Filmes Quarentena Cinéfila, disponibiliza até às 12 h de amanhã, sábado.
É uma história com contornos muito reais vividos por diferentes gerações de emigrantes portugueses.
A protagonista, uma jovem nascida em França, fez-me lembrar os versos de Álvaro de Campos:

'Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso,
Tenho em mim todos os sonhos do mundo.'

Mas talvez a jovem concretize alguns desses sonhos, pela determinação revelada em muitas situações.
Venham mais filmes como este.
Bons filmes!

No Primeiro de Maio

Foto do Expresso publicada em 2019



Éramos muito jovens e julgo que felizes.  O 25 de Abril de 1974 tinha acabado de acontecer.
No primeiro 1 de Maio em Liberdade, fomos festejá-lo na avenida dos Aliados, no Porto.
Nessa tarde e nessa praça, para mim a mais bonita da cidade, juntava-se uma multidão que, em poucos dias, tinha aprendido a sorrir mais porque se tinha libertado de muito medo. 
E havia canções revolucionárias que, até então, eram silenciadas e clandestinas; havia muitos cravos,  havia muitas bandeiras, muitas delas até esse dia escondidas; muitas manifestações de alegria, como se a multidão saísse de uma prisão coletiva na qual a maioria tinha vivido durante quase cinco décadas, sem quase nada se poder questionar.
Éramos muito jovens, tudo era novo e belo e festivo.
Hoje, o Porto  como tantas outras cidades, estará quase deserto,  por imposição da pandemia.
Hoje, 1 de maio de 2020, cada um pode mais facilmente gerir a sua liberdade, sem nunca se esquecer de si nem da saúde e bem-estar dos que o rodeiam.
Será um modo feliz de a festejarmos. Mesmo sem bandeiras. Mesmo sem flores frescas dentro de casa. Mas com sorrisos sinceros.
 Se se puderem vencer os entraves do momento.

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Elida Almeida - Nhu Santiagu (live)



A sugestão vem hoje no Expresso Curto.
Como diz o jornalista, 'sabe bem ouvir'.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

'Mãe' - Matilde Rosa Araújo

Luzia Lage

Mãe!
Que verdade linda
O nascer encerra:
Eu nasci de ti,
Como a flor da terra

Matilde Rosa Araújo




Postei este pequeno poema há muito tempo.
Hoje, volto a partilhá-lo porque tem tido várias visualizações.
Que os dias tenham também Poesia!

Como o poema é muito fácil de decorar, disse-o hoje à minha mãe. 
Ouviu com atenção e sorriu de contentamento.


terça-feira, 28 de abril de 2020

O detergente e o sabão

Não, não vou falar da proposta patética do sr Trump de se resolver o problema do coronavírus com a injeção de desinfetante. Já se tem falado muito desse disparate que originou muitas piadas, mas o pior é que já houve quem pusesse em prática a sugestão, pondo em risco a sua vida.
Não, o meu assunto é menos bizarro e tem outra limpeza.
Em minha casa, sempre houve detergentes qb. Conheço pessoas que compram logo o novo detergente que aparece  no mercado ou é ruidosamente publicitado. Mas também conheço quem sempre tenha usado o antigo sabão, o velho Tide, o poeirento Vim e pouco mais, como a minha mãe.
Ora, numa das últimas vezes que fui ao supermercado - ainda sem filas à entrada e sem máscara - percorri o corredor dos detergentes e toca a comprar para a casa de banho, para a cozinha, para o chão, lixívia  com cheiro a isto ou àquilo, cápsulas para a máquina de lavar... O meu carrinho de compras era bem diferente do carrinho de compras habitual.
Pois bem, o que é certo é que a maior parte desses detergentes já se foi porque nunca fiz tanto uso dos ditos. Lavo aqui, desinfeto acolá, tiro e lavo tapetes, as toalhas nunca param depois de usadas...
E, pelos vistos, não é só comigo que tal acontece. Os produtores de detergentes devem esfregar os bolsos de contentes porque a crise geral não é a sua crise. 
Mas, apesar deste uso mais abundante de detergentes, cá em casa o sabão azul está sempre nas nossas mãos.
Mãe, tinha razão, mesmo quando a moda do sabão deixou de ser moda.
Um dia destes, vou comprar Tide, para recordar a minha avó focada no folhetim que passava na rádio todas as tardes. Nessa altura, havia sabão amarelo que deixava a mesma cor nas mãos. Se o sr Trump o descobrisse, recomendava-o para o banho. Assim, ficavam todos da sua cor.

sábado, 25 de abril de 2020

Liberdade

Hoje, 25 de Abril de 2020,  Liberdade também seria poder passear na rua. Se possível, ao sol e junto ao mar.
Ou numa praça qualquer, por pequenina que fosse, e poder sorrir e abraçar e tomar um café com o rosto próximo de amados rostos.
Liberdade seria percorrer as ruas e tocar nas coisas que podem ser acarinhadas. Sem medo dos vírus que podem vaguear nas superfícies e que os humanos podem transportar na pele, nas mãos, na boca, no nariz...
Liberdade seria passear de mãos dadas por cidades abertas a sorrir.
Liberdade seria não ter medo. Não o medo antigo da ditadura, mas o medo atual  que também traz proibições e forte vigilância, e que, desta vez, são justificadas e compreendidas.
Liberdade seria poder fazer parte, ou não, de ajuntamentos, conforme a vontade ou livre decisão de cada um. Não por provável conspiração, mas por improvável infeção.
Liberdade seria poder ter um diálogo próximo no intervalo do teatro e do cinema. Ou noutro qualquer sítio de arte. Ou em qualquer lugar com um banco e espaços floridos.

Mas, apesar de todas as necessárias limitações impostas pela pandemia, Liberdade é também o poder ilimitado e criativo de a celebrar. Nem que seja na varanda ou à janela ou dentro de casa.
E dentro de nós.




quinta-feira, 23 de abril de 2020

Sobre o último livro de Manuel Maria e sugestão de viagem

Publiquei o pequeno texto, que abaixo transcrevo, no dia 9 de março deste ano, a propósito da apresentação do último livro de Manuel Maria: Cinco Palavras de Antonio Vieira.
Apesar de termos trocado algumas mensagens, antes e depois da publicação do romance, ontem recebi um comentário do autor que logo publiquei. Como depois desse texto já postei bastantes, volto a publicá-lo agora para a sua visibilidade e do comentário.
Faço-o não pelo facto de ser para mim elogioso, mas por duas razões fundamentais:
- Quando Manuel Maria comunica, fá-lo de forma inteira e com convicção, tal como vive a amizade e pratica valores como o reconhecimento, etc., o que é de realçar.
- O romance agradará aos mais variados leitores que apreciam uma bela história e belíssima escrita.

Mais uma vez, Manuel Maria, o meu trabalho foi simples pelo prazer que a leitura me deu e por tudo que pude rever e aprender com a obra. E por todas as viagens que a leitura da obra proporciona.

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Sábado passado foi apresentado - por Dulce Raquel Neves, na Escola Secundária de Gondomar, onde o escritor trabalhou durante duas décadas - o novo romance de Manuel Maria: CINCO PALAVRAS de António Vieira, da Editora Lugar da Palavra.
Curiosamente, o título é formado por cinco palavras, tal como aconteceu na maioria das obras anteriores do autor.
Tive o privilégio de ler o livro antes de ser publicado e logo me apercebi do longo e aturado trabalho de investigação que foi necessário realizar para que a ficção funcionasse de forma séria e rigorosa. 
Para além da sedução das histórias que são contadas, situadas no século XVII, em contexto de missões, descobertas, viagens, intercâmbios..., o exercício de escrita é também uma homenagem ao grande orador português. 
Vale a pena ler e dar a ler a obra aos alunos que estudam o Sermão de Santo António aos Peixes e a todos que querem saber mais sobre o pregador, a sua época e que gostam também de boas histórias com a nossa História dentro. E de cruzarem problemas e sentimentos que continuam a fazer parte da nossa vida e da nossa atualidade.

Sobre o encontro de sábado passado e sobre o livro, sugiro a entrada na Carruagem 23 de Vítor Oliveira http://carruagem23.blogspot.com/
Vão gostar da viagem. Melhor era impossível.


Rosas, que vos quero bem!






quarta-feira, 22 de abril de 2020

Um livro na quarentena


Já tinha começado a ler este romance (obrigada, Zá, pelo empréstimo) antes da quarentena, mas só agora o acabei. Tem mais de 500 páginas e é constituído por cartas de mulheres ligadas a Camões por diferentes laços, incluindo os maternais, expressos por Ana de Sá.
Quase todas as cartas revelam amor,  paixão, ciúme, saudade, desejo, admiração ...
Os textos são escritos por sete mulheres: Ana de Sá, Violante de Andrade, Catarina de Ataíde, Francisca de Aragão e também por aquelas que o Poeta vai conhecendo em terras aonde o levavam as navegações marítimas (Inês de Sousa (que, como é referido no epílogo, existiu apenas na imaginação da autora), Dinamene e Luísa Bárbara.
Assim, através das cartas, acompanhamos Camões nas suas viagens além-mar, a sua estada em terras distantes e o seu regresso a Lisboa. Tal como constam das cartas elementos da Lírica do Poeta e da sua Épica.
A autora, como ela refere no prefácio, viajou, durante dois meses, pelos lugares longínquos onde o Poeta viveu, escreveu, brigou, enfrentou perigos e despertou fortes paixões.
É interessante este romance histórico, de escrita viva e fluente, porque, apesar da ficção, permite conhecer melhor o autor de Os Lusíadas e muitos dos ambientes ligados à época dos Descobrimentos, assim como relevantes figuras históricas do século XVI.
No entanto, na minha opinião, o elevado número de cartas, quase noventa, causa um pouco de dispersão no leitor, ainda que seja notória a expressividade e beleza de muitas.

Tenho ainda na estante um monte de livros que queria ler durante a quarentena. Provavelmente, não terei tempo, mas, como o confinamento veio para durar, pode ser que, pelo menos, o volume diminua. Até que o vírus não mate!

terça-feira, 21 de abril de 2020

Medeia Filmes Quarentena Cinéfila

'Aquela loura' é o filme, francês, disponível das 12 h de 5a f às 12 h de sábado.
Este filme, restaurado, data de 1952,  é do género drama, tem a duração de 96 m e é classificado para 12 anos.

Sobre este filme, pode ler-se na página da Medeia Filmes:

'Becker consegue algo raro, neste filme que é, talvez, a sua obra-prima: uma “reconstituição” de época (a Belle Époque) perfeita, no espírito do tempo. Casque d’Or (Simone Signoret) é a bela amante de um bandido, Manda (Serge Reggiani, na sua melhor interpretação de sempre), nesta história de amor, morte, amizade e ciúme.'



segunda-feira, 20 de abril de 2020

0k?

Hoje, vi o início do estudo em casa na RTP Memória. Tive curiosidade. A primeira aula foi dada por uma professora, bastante jovem, com boa voz e boa presença, que disse chamar-se Isa.
Como a aula se destinava ao primeiro ciclo, começou com uma história engraçada que morava num livro de ilustrações bem vistosas.
A partir do texto lido, construiu a sua aula sobre rimas, divisão silábica, etc.
E fê-lo muito bem, apesar de, com certeza, não estar habituada às câmaras da televisão e, por isso, estar um pouco nervosa, como disse no início da aula.
Pois bem, ao longo da sessão, e ao pretender estabelecer um diálogo com os miúdos, ainda que à distância, repetia vezes sem conta: ok?
Ora bem, pronto, ok, todos temos os nossos bordões, aquelas palavrinhas que, quase sem nos darmos conta, repetimos até à exaustão, e que só os outros ouvem.
Tive uma professora de História que dizia sempre 'os nossos amigos' a propósito de povos, de reis, de presidentes, etc. Muitos conteúdos eram perdidos para se tomar nota das vezes em que se ouvia  'os nossos amigos'.
Eu também tenho os meus apoios, é claro, e só deles me dei conta quando me disseram. A partir daí, passei a ouvi-los e a tentar evitá-los. Um deles era, e, se calhar, continua a ser, o 'ora bem'. E usarei outros bordões de linguagem, uns mais conscientes, outros menos.
Voltando à professora Isa, gostei também do modo como leu uma história de Luisa Ducla Soares, na aula a seguir e que era de Leitura. Claro que as histórias de Luisa Ducla Soares são tão boas que facilitam qualquer leitura.
Quando puder, vou continuar a ver. Ok?

domingo, 19 de abril de 2020

Mulher à janela

Salvador Dali

Há duas semanas que ela, todos os dias, passava algum tempo à janela. Como a janela era virada para sul, aproveitava para apanhar um bocadinho de sol nas horas mais quentes ou amenas. Quando chovia ou estava frio, ficava a olhar por dentro dos vidros. Afastava a velha cortina para os lados e olhava as árvores que ajudara a plantar há muitos anos, como uma tangerineira que continuava com uns frutos apetitosos lá bem no alto.
Era da janela que falava com as vizinhas e com as pessoas da família. Ficava a saber as novidades, fazia perguntas e dava respostas. O tempo assim passava mais depressa e ouvia vozes a sério, sem serem interrompidas por publicidade, como acontecia na televisão.
Gostava bem mais desses momentos do que das novelas que costumava ver todos os dias. As notícias ou histórias tristes já a cansavam e para os filmes faltava-lhe paciência. Se começava a dar algum ao mesmo tempo que pressentia alguém da aldeia a passar, logo preferia ir à janela para conversar um pouco.
Esta semana vai ser crucial. Vai fazer novo teste covid 19. Se der negativo, já pode sair do quarto. 
E uma das primeiras coisas que quer fazer são umas cortinas novas para a janela do quarto,  donde quase não saiu durante a quarentena, mas que a punha em contacto direto com o seu mundo, ainda que à distância.
Nunca tinha reparado como a janela era bonita. Merecia mesmo umas cortinas novas. Tinham de ser transparentes como as antigas. Para que a luz continuasse a entrar.

sábado, 18 de abril de 2020

Por este quintal acima!





Medeia Filmes Quarentena Cinéfila

O que pode ler-se na apresentação deste filme classificado para doze anos:


'Último filme da tetralogia sobre o poder realizada por Aleksandr Sokurov, “Fausto” é baseado na primeira parte da tragédia homónima de Goethe: um homem de ciência deixa-se manipular por um sujeito traiçoeiro, que lhe promete dinheiro e a mulher que deseja, numa época marcada pela fome e pela corrupção.'



Este filme está disponível das 12 h de hoje, sábado, até às 12 h da próxima 3a f.
Bom filme (assim espero)!

sexta-feira, 17 de abril de 2020

A ouvir também se 'lê'


Há anos que o audio-livro estava na minha estante de CDs, à espera de ser lido, ou melhor, ouvido.
Fui buscá-lo hoje, em tempo de quarentena por Covid 19 e um par de dias após a morte de Luís Sepúlveda, autor do texto, vitimado por essa doença.
A leitura do livro é expressiva e ajuda na viagem até à aldeia na floresta, onde vivia O Velho que lia Romances de Amor.
Vou continuar a viagem aqui do meu sofá. Posso até apagar a luz que os ambientes não se esbatem nem as personagens desaparecem nem a ação esmorece.
Pelo sim, pelo não, mantenho a janela aberta. Também ajuda a olhar mais longe.
E Luis Sepúlveda foi uma verdadeira janela para a necessidade crescente de humanização. E de boas histórias.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Medeia Filmes Quarentena Cinéfila - Nostalgia


Este filme está disponível das 12 h de hoje, 5a f,
às 12 h do próximo sábado.

No anúncio do filme (para 16 anos), pode ler-se:
'Um poeta russo, sentindo-se aprisionado pela fama e por um casamento infeliz, parte à procura do seu passado cultural em Itália. Viaja pela Toscana com Eugenia, a sua intérprete italiana. Um encontro com Domenico, um velho aparentemente lunático, acaba por permitir ao escritor compreender o segredo da sua própria nostalgia.'

Bom filme (espero que sim)!

Familias em quarentena, bonecas na tenda!

A Clarinha estava orgulhosa e nem a almofadinha faltou

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Elas devem estar a gostar da liberdade!

Quando vou ao meu quintal, vejo como tantas rosas já desabrocharam, tantos lírios já abriram, tantas proteias já se pintaram, tantas camélias já ofereceram tantas cores...
Parecem estar a gostar de mais silêncios, de menos olhares curiosos, de menos cortes.
E das ervas daninhas nem se fala. Ele é ervas de toda a espécie. Por toda a parte. Também parecem contentes por poderem ocupar espaços onde habitualmente não as deixam estar
Imagino que haja muitos quintais e jardins assim em tempo de quarentena.
Para nós, humanos, o tempo é de mais cuidados; para as plantas, é tempo de mais liberdade. Mas, cá pra mim, uns e outras continuam a não dispensar aproximações.






terça-feira, 14 de abril de 2020

Cruzes!

Vi, com estupefacção, que, no passado domingo de Páscoa, foi dada uma cruz a beijar a muitos idosos. E não só.
Numa das instituições, a pessoa que segurava a cruz zelava, cuidadosamente, para que chegasse bem à boca do idoso ou da idosa para que o beijo não se desviasse nem se afastasse do centro.
Terrivel. Inconsciente. Ignorante.
Assim, a mesma cruz passou de boca em boca em toda a fila de idosos. Na passagem de um para outro, a pessoa, que parecia jovem, limpava a cruz com o mesmo paninho que, para ela, devia ser mágico e não contaminado, como possivelmente estava.
Sou católica, já recebi o compasso em minha casa inúmeras vezes, mas sempre me fez confusão que a mesma a cruz fosse beijada por todos. E nem sequer se falava desta pandemia.
Nesta Páscoa, vi padres que, criativamente, estiveram próximos dos paroquianos, mas com o devido afastamento social.
E o que é certo é que os tais idosos, a quem a cruz era dada a beijar, nem mostravam um júbilo particular pelo gesto.
E os responsáveis pela iniciativa deviam saber o que estavam a fazer porque a informação e os alertas chegam a todos e a toda a hora.
Se não sabiam o que estavam a fazer, mais uma razão para não serem perdoados.

O sofá - antes e depois da pandemia

Antes da pandemia, passava pouquíssimo tempo no sofá. Apesar de já o ter há largos anos, achava que não tinha sido boa compra, apesar de não ser desconfortável.
A mesa da sala ou da cozinha eram alguns dos meus espaços preferidos, também para usar o computador. Mas, coitado, como engasguei o teclado com desinfetante, ali jaz, muito sossegadinho, até a quarentena o permitir.
Pois bem, depois que o meu computador ficou impróprio para uso, uso muito mais o meu sofá. E, curioso, até lhe encontro outras valências. 
Cobri-o com uma manta antiga, ainda tecida em tear, e lá está o livro que ando a ler, uma revista, o telemóvel, o meu tablet - que até à pandemia pouco era usado - e até um termómetro, não vá o covid tecê-las!
Realmente, nós, os humanos, temos uma capacidade enorme de adaptação. O que fazemos numa semana pode ser alterado na seguinte e, regra geral, seguimos as regras definidas, quando as entendemos e para elas estamos disponíveis.
Mas tudo seria mais fácil se fosse possível ver camélias de todos os sofás.

Medeia Filmes Quarentena Cinéfila

Filme disponível das 12 h de hoje, 3a f ,
até  às 12 h da próxima 5a f.

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Senhor Presidente, por favor!

Senhor Presidente, queria fazer-lhe um pedido: não mande já fazer uma medalha para o Enfermeiro Luís, que tratou do Senhor Primeiro Ministro Boris Johnson, num hospital de Londres.
O Senhor Presidente deve estar a pensar que muitos portugueses falam dele e que fica bem chamá-lo ao palco, com pompa e fitas coloridas ao pescoço como mandam essas circunstâncias, para o medalhar, mas peço-lhe que não o faça.
Senhor Presidente, sou uma anónima cidadã, mas tenho algumas razões para lhe fazer este pedido e a convicção de que não sou só eu a pensar assim.
Se o Senhor Presidente me permite, aqui vão algumas:
O Senhor Presidente não pode cumprimentar, nem abraçar, nem tirar selfies com ele, porque o tempo é, e deve continuar a ser, de distanciamento social. Assim sendo, a cerimônia perde logo bastante piada e, na posteridade, será difícil demonstrar aos filhos que a medalha era mesmo merecida. A menos que a era de abraços que o Senhor Presidente tanto abraçava fique eternamente de quarentena ou entre em cuidados depressivos.
Por outro lado, Senhor Presidente, reconheço que o Enfermeiro Luís merece elogios, porque há evidências que tratou de forma exemplar uma pessoa, neste caso, o chefe do governo do Reino Unido, um país que já foi mais unido, mas isso merece outro tratamento.
Senhor Presidente, se medalhar o Enfermeiro Luís, terá de fazer o mesmo a todos os outros que, de forma igualmente competente e incansável, ajudaram e continuam a ajudar a salvar tanta gente em Portugal e não só. Mesmo sabendo que o seu nome nunca será anunciado nem o nome dos doentes conhecido.
Senhor Presidente, seria injusto premiar apenas um Enfermeiro, cujo nome aparece a toda a hora nas redes sociais e não só, mas sei que dar medalhas a todos os Enfermeiros seria impensável e muito dispendioso porque o país vai ficar economicamente mais fraco, depois desta pandemia.
Por isso, Senhor Presidente, sossegue, lembre-se que a sua idade é de risco. Por favor, não corra riscos desnecessários, porque, para além de se precipitar e de ser injusto,  mais dificilmente fica imune.
Todos sabemos que o Senhor Presidente quer o bem estar e a felicidade de todos os portugueses, mas não se deixe influenciar por figuras mediáticas poderosas, sejam elas penteadas ou despenteadas, estejam elas à frente ou na retaguarda dos países.
Se o Senhor Presidente já mandou fazer a medalha, guarde-a, por favor, porque o Enfermeiro Luís já teve uma grande recompensa. Muitos outros também já foram reconhecidos, felizmente, mas ninguém soube porque não deu na televisão.
Muita saúde, Senhor Presidente, e, pela sua saúde, pense também na nossa saúde mental.
Saudações cordiais.


Conversas em tempo de quarentena

Conversa 1

- Mãe, levantei-me cedo e fui correr.
- Fizeste bem, filha.
- E havia flores tão bonitas: magnólias, narcisos, cerejeiras...
- Imagino. As flores parecem indiferentes à pandemia e ainda bem.
- Não fotografei nenhuma porque não tenho levado telemóvel.
- Fazes bem, filha, quanto mais coisas levarmos lá pra fora, mais bicharada trazemos cá pra dentro.

Conversa 2

- Então, tens escrito histórias?
- Não tantas como gostaria.
- Agora tens mais tempo.
- Mas não tenho computador.
- Como assim?
- Com as desinfeções, estraguei o teclado.
- Escreve à mão.
- Não é a mesma coisa.
- Agora, nada é a mesma coisa!

domingo, 12 de abril de 2020

Andrea Bocelli: Music For Hope - Live From Duomo di Milano

Ruas amigas e solidárias




Obrigada, F., pelas fotos.

Caça à criatividade dos pais em tempo de quarentena

Caça aos ovos de Páscoa


sábado, 11 de abril de 2020

As pérolas da Clarinha


Sobre uma frase que ouvi hoje

Hoje ouvi uma frase que me fez parar um pouco a lavagem da loiça do pequeno almoço:
'Éramos felizes sem o sabermos'.
De facto, andávamos na rua à vontade, falávamos com quem queríamos, abraçávamos e éramos abraçados, trocávamos objetos sem pensar nos perigos que a eles podiam vir agarrados, fazíamos compras sem nos lembrarmos dos vírus dos que estavam próximos, podíamos ir passear até onde o tempo e os dinheiros permitissem...
E, mesmo assim, tantas vezes nos queixávamos, tantas vezes andávamos tristes porque chovia, porque havia trânsito, porque o vizinho tinha posto o carro uns centímetros à frente do que devia ser, porque havia uma criança a chorar no restaurante, porque não dava nada de jeito na televisão...
Agora, necessariamente confinados ao espaço da casa (tantas vezes pequena, tantas vezes pouco pacífica), vemos que algumas das coisas que nos punham tristes até teriam alguma piada, se as pudéssemos viver agora.
De facto, até em coisas pequeninas 'éramos felizes sem o sabermos'.

Quarentena cinéfila - Medeia Filmes


Filme disponível das 12 h de hoje, sábado, até às 12 h da próxima 3a f.
Ainda não sei do que se trata, mas o título é sugestivo.
Quem é que nunca se deliciou com canções de amor?


sexta-feira, 10 de abril de 2020

O solitário da rua - 6a f

Ontem, recebi um telefonema de uma vizinha. Atendi, mas não conhecia o número. Nunca tínhamos falado, apesar de morarmos perto há longos anos. Um pouco nervosamente, identificou-se:
- Boa tarde, sr António, sou a Otília, a vizinha, desculpe ligar-lhe. Nem sei como tinha o seu número. O papelinho já é antigo e ainda bem que não o deitei fora. Posso falar um bocadinho?
- Claro, dona Otília.
- Às vezes, gosto de ficar a olhar pela janela, vejo-o na sua horta ou no seu jardim e sinto vontade de falar consigo. Hoje, resolvi mesmo tomar a iniciativa.
- Precisa de alguma coisa, dona Otília? Quer que lhe traga algumas coisas do supermercado?
- Não, sr António, quanto a isso, tenho tudo. Os meus filhos deixam ficar à porta, embora não entrem. Eu compreendo, porque a minha idade é de risco e eles têm filhos pra criar. Para além disso, não têm a vida fácil porque têm o teletrabalho e os miúdos sempre em casa. E eles não param. Só se for com os jogos de computador.
- E da farmácia, precisa de alguma coisa?
- Tambem já me trouxeram os medicamentos que tomo sempre. Por acaso nesse dia também vieram os meninos, mas ficaram no carro. Espreitei-os pela janela para lhes atirar beijinhos, mas nem me viram porque estavam muito entretidos com os jogos do tablet.
- Mas precisa doutras coisas, dona Otília?
- No fundo, Sr António, peço-lhe muita desculpa de o incomodar, mas eu precisava era mesmo de falar e de alguém que me ouvisse. Eu sou um bocadinho como o Sr António, não paro muito a falar na rua, mas também estar sempre aqui fechada e sozinha até me faz chorar e lembrar-me de coisas tristes.
- Pois, compreendo, dona Otília, mas temos de confiar que este pesadelo vai passar.
- Eu também acho que sim, mas depois tudo vai ser diferente. Sinto muita vontade de abraçar os meus netos, mas sabe que me vou conter nessas ocasiões? Se algum aparecer com tosse, vou logo sentir culpa.
- Mas, dona Otília, há tosse e tosse e isto vai passar.
- Sr António, já falámos um bocadinho e fiquei mais aliviada. Peço-lhe desculpa, mais uma vez.
- Também lhe agradeço, dona Otília, por ter telefonado. Gostei muito de falar consigo e sabe que também aliviou um pouco o meu dia? Boa Páscoa.
- Ainda fico mais feliz. Boa Páscoa.

Boa Páscoa!

Os trabalhos da Clarinha, em confinamento/apartamento londrino

quarta-feira, 8 de abril de 2020

O filme de 5a a sábado na Quarentena Cinéfila da Medeia filmes


A boa moda do pão caseiro

O pão redondo é de espelta; o mais comprido é de trigo e espelta.
Fiquei com vontade de continuar a fazer o pão em casa. Mesmo depois da quarentena.

O solitário da rua - 4a f.

Ontem de manhã, veio uma única utente na repartição. À chegada, perguntou-me com alguma agressividade se tinha de tirar a senha. Eu disse-lhe que não, porque não havia mais ninguém. Olhou à volta como que amedrontada. Perguntei-lhe qual era o assunto e ela começou a tossir. Instintivamente, afastei- me ainda mais do que é exigido. Ela pôs o cotovelo à frente do rosto e começou a chorar.
Fiquei sem saber o que fazer, enquanto a minha colega, sem dizer nada, espalhava spray desinfetante no balcão.
A utente, mulher de uns 40 anos maltratados, disse, com crescente agressividade, que não estava infetada, que tinha feito teste e deu negativo. E quem se julgava a funcionária para vir logo desinfetar vírus que não tinha.
- Se calhar, é você que os tem na sua cabeça.
Vi-me na necessidade de intervir.
- Vamos, então, tratar do seu assunto.
A utente continuava voltada para a minha colega.
- Queria ver se fosse uma pessoa chique, se você vinha logo limpar. E sem uma palavrinha nem um olhar. Como se eu fosse um monte de vírus.  Estou farta de ser humilhada dentro e fora de casa. Venho aqui, desinfetam; vou à polícia queixar-me, dizem-me que desinfete por enquanto!!!
De repente, a utente saiu, batendo com a porta e sem dizer o assunto que a tinha trazido ali.
À noite, ouvi notícias sobre o aumento da violência doméstica em tempo de confinamento social e senti vontade de falar com a utente. Se ela voltar.

terça-feira, 7 de abril de 2020

O solitário da rua - 3a f.

Durante muito tempo, fui o solitário da rua. Os dias da semana eram passados casa-trabalho/trabalho-casa. Dizia bom dia ou boa tarde aos vizinhos e poucas palavras trocávamos porque andava cada um na sua vida.
Um grupo de vizinhas passava longo tempo à porta a conversar, depois da casa limpa, roupa lavada e passada... Isto imaginava eu, porque, apesar de ser o solitário da rua, também dava comigo a recriar  algumas vidas.
Quando eu passava, sorriam-me, boa tarde, sr António, como vai, Sr António, e, após uns momentos de parado silêncio, retomavam o falar alheio, repetindo os gestos e as palavras interrompidos à minha passagem.
Sou uma espécie de ave rara que vive na rua. Vivo sozinho, trato da casa, do jardim e do quintal e não recebo muitas visitas. Agora nem visito ninguém nem ninguém cá vem, porque o tempo é de pandemia e todos os tornámos solitários da nossa rua.
Tenho cumprido o meu horário na repartição, mas, quando regresso a casa, não tenho visto as vizinhas, o que me faz sentir saudades. Talvez tenham criado um grupo doWhatsapp. Mesmo assim, a quarentena deve estar a custar-lhes bastante.
Os fins de tarde eram sagrados para mim, depois de ter respondido a tantas perguntas, ajudado a preencher papéis, ouvido a máquina a chamar pelo número da senha dos utentes, tentado acalmar os mais infelizes e exaltados...
 Agora faz-me impressão ver a repartição vazia, a rua vazia. E não ouvir boa tarde, Sr António; como vai, Sr António...
Quando passar, vou olhar para a janela. Se alguma delas lá estiver, vou acenar-lhe.

segunda-feira, 6 de abril de 2020

O filme disponível amanhã em Medeia filmes - quarentena cinéfila


A janela aberta

Eu tinha pensado em continuar a minha rotina durante a quarentena. Levantar-me às 8 h, tomar o pequeno almoço - agora com mais calma - tratar da casa, e depois fazer coisas de que gosto, como ler, escrever um pouco, etc.
Ora, uma prática que sempre tive foi a de abrir as janelas quando me levanto.
Em dias mais frios, ou de um pouco mais de preguiça, às vezes, o meu propósito adormece e as janelas ficam fechadas também até mais tarde.
Como o tempo é de grande crise pandémica, os vizinhos estão mais atentos uns aos outros, sobretudo em ruas e lugares em que todas as pessoas se conhecem.
Por isso, quando demoro a abrir as janelas, recebo um telefonema pra ver se está tudo bem.
Noutra altura, seria incómodo; nestes dias, sabe bem.
E ficamos todos ainda mais iguais e mais humanos. E mais fortes na nossa fragilidade.

domingo, 5 de abril de 2020

'Afinal, gosta de mim!'

Viviam juntos há dezenas de anos. Comiam à mesma mesa. Dormiam na mesma cama. Viviam as mesmas preocupações familiares.
Porém, sempre sentiram ambos bastante solidão. Cada um à sua maneira.
Ela, em voz alta; ele, em silêncio. Ela, tentando preencher vazios; ele, parecendo indiferente.
Ela, exteriorizando a falta que lhe fazia ouvir palavras de amor e partilhando-o com pessoas em quem confiava; ele, guardando as coisas mais íntimas para si porque havia certas confianças que nunca se habituou a trocar com ninguém.
Veio a quarentena e passaram a sair muito menos.
A ele, sobrou mais tempo para ruminar tristezas. Ela ficou com mais tempo para sentir ainda mais a falta de um mimo, de uma palavra amorosa, de um olhar mais terno, de um sorriso mais cúmplice, de um gesto de valorização.
Ele nunca tinha gostado dela - concluía.
Ela começou a ter tosse. Muita tosse. Teve de ser internada.
Ele ligava-lhe várias vezes ao dia. E chorava mais do que falava.
Ela dizia-lhe que estava melhor e que em breve ia ter alta.
Ele respondia que era o que mais desejava.
E ela começou a dizer para si própria:
- Afinal, ele gosta de mim!

Quarentena cinéfila - Medeia filmes

A Medeia filmes está a disponibilizar, gratuitamente, 3 filmes por semana que podem ser vistos no seu site.
De hoje até à próxima 3a f, está disponível Rouge, da trilogia das cores Bleu, Blanc, Rouge, de Kieslowski.
Vale a pena ver ou rever este filme de 1994. Um tema presente é a fraternidade, um dos emblemas da bandeira francesa, simbolizada nas três cores.
E hoje, pelo menos aqui no grande Porto, o tempo chuvoso está propício a umas duas horinhas cinéfilas. Para além disso, a quarentena passa melhor também com um pouco de boa ficção.

sábado, 4 de abril de 2020

Eu medito, tu me ditas...

Sim, como estou de quarentena e os contactos sociais têm de ser evitados, procurei, então, um vídeo  que ensinasse a fazer meditação. Felizmente não me falta que fazer, mas parar um bocadinho mal não faz. Pelo contrário.
É curioso que, há bastantes anos, falar de meditação era sinónimo de oração, geralmente, numa igreja.
Porém, mudam-se os tempos e mudam-se as palavras, havendo mudanças sociais rápidas e muitas vezes imprevisíveis. Há um mês, ainda não excluía a hipótese de ir a Londres visitar a família e agora essa ideia seria logo rejeitada.
Mas voltemos à meditação, uma prática tão atual de bem-estar.
Abri o vídeo, sentei-me no sofã de costas bem direitas e toca a seguir as instruções pela voz e pelos gestos melodiosos de uma brasileira bastante zen, a começar logo pela camisola de malha branca que usava.
Começou por dizer que era domingo, um dia propício à meditação. Hoje é sábado, mas, claro, pouca diferença faz do domingo ou de qualquer outro dia de semana.
Mas o que pude aprender?
Sobretudo que importa saber respirar: inspirar, expirar, inspirar, expirar...
Durante algum tempo, pratiquei yoga e os exercícios de respiração eram também prática regular.
Seja como for, vou repetir, logo que possa e tenha vontade, os movimentos que vi e ouvi.
E quem não precisa de relaxamento nesta altura da quarentena?

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Não sei se terei paciência!

Quando eu era miúda, parece que era muito sossegada e ficava longo tempo a fazer roupinha para as bonecas. O tempo de uma criança na aldeia era muito pouco volumoso em termos de variedade de solicitações e brincadeiras.
Com a passagem do tempo, deixei de gostar de fazer costura e a paciência passou a ser mais limitada. Havia  sempre tanta coisa a fazer ou à espera de ser feita!
Agora, com este interregno que ninguém tinha vivido, há mais tempo disponível, ainda que tenha de ser preenchido de modo mais racional e menos livre.
E, em muitos casos, voltamos a ter mais paciência ou, então, a sentir a necessidade de a ter. Talvez por isso, hoje de manhã procurei e estive a ver vídeos de meditação. Defini logo um critério: não poderiam ser demorados e teriam de se destinar a principiantes.
Gostei de dois que vi: simples e claros, mas ainda não os pus em prática. Agora vou ler um bocadinho. Talvez amanhã faça a primeira tentativa. Procurarei ter paciência para ter cada vez mais paciência.


quarta-feira, 1 de abril de 2020

Dia 1 de abril: mentiras mil?

Raramente me recordo das anedotas que oiço. Só me lembro delas quando as volto a ouvir, sobretudo se têm piada.
Passa-se o mesmo com os enganos do dia 1 de abril: desde ser convidada a ir à janela para ver alguma coisa improvável no céu ou na rua,  já devo ter caído muitas vezes que nem patinho, mas de poucas coisas me lembro.
Uma das patranhas que ainda tenho presentes foi ouvir que a Apple ia mudar o símbolo para uma pera, alterando também o logotipo. E houve quem acreditasse!!!
Um dia, ligaram-me logo de manhã cedo, dizendo que tinha caído um nevão durante a noite e que estava tudo coberto de neve.
Como no dia anterior tinha estado bom tempo, lembrei-me que era 1 de abril, não acreditei e nem sequer fui verificar.
Uns minutos mais tarde, abri a porta e lá estava ela, a tal neve abundante que tinha caído. Com a verdade me enganas - concluí eu.
E se o mesmo se passasse se alguém  dissesse que já estamos em maio ??!!
Seria bom seria, mas o vírus não engana!
Mas será que se engana?!

segunda-feira, 30 de março de 2020

Arcos-íris e ursinhos

Em diferentes países, estão a aparecer arcos-íris, mostrados em muitas janelas. São pintados por crianças que também escrevem mensagens bonitas e positivas.
Enquanto os fazem, passam melhor o tempo, divertem-se e estimulam as pessoas para que fiquem em casa. Ao mesmo tempo, transmitem uma mensagem de esperança de que vale a pena a quarentena e que há sempre coisas boas que podem ser feitas.
Em Londres, a Clarinha também já os desenhou.
Também em Londres, em diferentes janelas, há ursinhos de peluche para que os meninos os possam ver das suas próprias janelas ou em passeios curtinhos dados com os pais.
São inúmeros os gestos simples e eficazes em tempos tão complexos.
É que, no fundo, somos sensíveis âs coisas simples e essenciais que estamos a aprender a valorizar mais.
Necessariamente.

Há vento e vento em março a acabar

Logo de manhãzinha, comecei a ouvir o vento. Forte e invernoso. Março marçagão de manhã inverno à tarde verão.
É que ainda é março, final de março. Quem dera que já fosse abril. Para não dizer maio.
Mas voltemos ao vento.
Quando eu era miúda, apesar de viver numa aldeia com árvores, havia uma muito alta que nos indicava o sentido do vento e, logo, o tempo que iria fazer.
Quando havia muito vento, soprasse ele do Norte ou do Sul, o pátio da casa enchia-se de folhas das árvores que ajudávamos a minha mãe a varrer, logo que a fúria do vento amainava.
Julgo que acontecia muitas vezes em março, em que o vento soprava tal como hoje.
Só que naquela altura ninguém queria que já fosse maio.

domingo, 29 de março de 2020

Desculpa, querido computador

Querido computador,
Estou necessariamente em casa porque o tempo é de coronavírus que impede aproximações físicas. Mas de ti podia aproximar-me à vontade. Para além de muitas coisas que diariamente via através da tua janela, guardavas as pequenas histórias que gosto de escrever, reescrever, modificar, acrescentar... Assim, a quarentena era bem mais leve.
Mas, sabes, com tantos apelos à desinfeção das superficies que utilizamos, ontem deixei cair sobre ti demasiadas gotas de produto de limpeza. E não gostaste mesmo nada do excesso, ficaste amuado e bloqueaste. Como que a dizer-me que devia ser mais gentil e cuidadosa. E que lá por se ter de desinfetar as superfícies, maçanetas, mãos, etc., os olhos têm de ser preservados.
E as teclas são os teus olhos, eu sei, e devia ter-lhes prestado mais atenção. Se calhar, esqueci o que sempre ouvi: com os olhos não se brinca. Acredita que não quis brincar, mas apenas manter-te limpo para podermos comunicar ainda melhor.
Vou deixar-te em paz por uns dias a ver se os teus olhos secam e se me olhas de novo, com alegria e saúde, para guardares as minhas palavras e eu poder ver muitas imagens através da tua janela.
Se, mesmo com o descanso, não recuperares, tenho mesmo que tratar de ti, mas terá de ficar para mais tarde, porque, neste momento, qualquer urgência é problemática. 
Agora, não é para te substituir, mas estou a utilizar o tablet. Sabes perfeitamente o que significas para mim e que 'isto' não é a mesma coisa.
Aceita o meu pedido de desculpas e compreende que os tempos vão difíceis, por isso de ti, querido computador, espero e desejo amiga compreensão. E que em breve possamos comunicar. Se possível, durante a quarentena, para que o bom calendário apareça em todas as janelas.

sábado, 28 de março de 2020

Sem sombra de dúvida!


Ontem, neste mesmo espaço, voltei a pôr um texto que já tinha partilhado há muito tempo.
Lembrei-me dele, talvez à espera de um pouco de imaginação para o continuar, embora as minhas 'habilidades' de escrita se estendam mais para textos de conteúdo mais simples. 
Hoje, porém, uma amiga ligou-me a estranhar logo o título do texto.
- 'Casa assombrada'? Perguntava ela, nesta altura do campeonato? Estava à espera de coisas mais leves!!
Sim, realmente, pôr um post com o título de 'Casa assombrada', em tempo de Covid 19, não foi a melhor ideia.
Por isso, já o eliminei. Pra pior já basta assim!!! 
Talvez um dia o continue. À minha maneira.

Notas felizes de pessoas (e não só) que querem também ser felizes: 

1 - Um dos jornais de hoje dá conta de uma professora de Educação Física que, durante a tarde, vai para o jardim do seu bairro fazer exercícios para os vizinhos. O marido põe música e as pessoas, de todas as idades, vêm para as suas varandas e seguem os exercícios da professora.

2 - Há uma rua, onde as pessoas pouco se encontravam, apesar de serem vizinhas. Agora, de vez em quando, vêm à janela, acenam, atiram beijinhos, sorriem e desejam saúde.

3 - A Castanha, a minha cadela, continua a sentar-se junto do portão. Se está frio, procura o sol; se está calor, senta-se à sombra. Parece-me que anda um bocadinho mais triste porque há muito pouca gente na rua. 
Hoje pareceu-me ver nos olhos dela um sinalzito de esperança que melhores dias virão.

quinta-feira, 26 de março de 2020

Era uma vez uma menina e algumas perguntas que fazia

Era uma vez uma menina que todos os dias saía. 
Durante a semana, logo de manhã, ia para a escolinha, gostava das aulas, porque estava com a professora, com os coleguinhas e podia aprender e partilhar muitas coisas. E também gostava, se calhar ainda mais, dos intervalos porque brincava, corria, saltava... com os outros meninos que também brincavam, corriam, saltavam...
Ao fim da tarde, ainda ia muitas vezes com o pai ou com a mãe, ao parque infantil perto de casa. E andava no escorrega e no baloiço e jogava à macaca, à bola...
E, quando a tarde já estava quase a dizer adeus, ainda queria ficar mais um bocadinho, sobretudo se chegavam ao parque outros meninos ou meninas que ela conhecia.
Ao fim de semana, saía quase sempre com os pais para irem a um parque muito bonito e muito grande, onde podia correr, brincar, comer um gelado, ver as flores e os pássaros e as árvores e muita gente feliz com piqueniques sobre a relva...
E ia muitas vezes em grupo: amigos dos pais que tinham filhos que também eram seus  amigos.
E, sem haver soldados na rua, começou a ouvir falar de uma guerra com armas que ninguém via mas que obrigavan as pessoas a ficarem em casa.
Sem compreender muito bem o que se passava, embora os pais tentassem explicar-lhe, a menina deixou de sair todos os dias e passou a ficar em casa.
E os dias ficaram estranhos e muito fechados. Para os pais, mas sobretudo para a menina.
E a menina perguntava muitas vezes por que não podiam ir ao parque, por que não podiam convidar as amigas para brincarem com ela em casa e, como lhe custava compreender as respostas, começava a chorar. E a fazer birras.
E dizia que não queria fazer mais desenhos, nem escrever mais vogais e consoantes, nem fazer mais números, nem construir mais legos, nem ouvir mais histórias.
E que queria mirtilos mas já não havia em casa. E yogurtes que tinham acabado. E cookies diferentes dos do pacote...
E a menina, através da janela, via os pássaros a voar. E a mãe ou o pai aproveitavam para cantar uma canção, ou para inventar uma história, mas a menina pouco ouvia.
De repente, a menina pegou numa folha, nos lápis de cor e desenhou uma gaiola. 
Sem ninguém nem pássaro dentro. 
Ficou a olhar a gaiola e perguntou à mãe:
- Quantos dias faltam para irmos ao parque?


quarta-feira, 25 de março de 2020

Em abril, esperanças mil!

Gostei sempre de poder estar mais tempo em casa. Ter tempo para estender roupa ao sol, tirar ervas dos vasos ou dos canteiros, ir ao quintal, ver as camélias floridas...

Fazer isto, sem pensar no passar das horas e nas saídas urgentes para coisas às vezes urgentes mas nem sempre, embora nos parecessem sempre urgentes.

E poder ler mais páginas seguidas de um livro. E escrever algumas histórias que ponho em pastas à espera que alguma luz as ilumine. E arrumar livros e papeladas que se vão amontoando à espera de dias de mais organização.

Agora, estou o mais possível em casa e, felizmente, posso fazer algumas destas coisas, mas não é a mesma coisa, apesar de achar cada vez mais que temos de nos adaptar sempre a novas situações.

Muitos de nós podem e devem fazê-lo. Por nós e pelos outros.
Ainda que os dias, que habitualmente chegam ao fim tão depressa, agora demorem a passar.

Quantos dias faltam até meados de abril, o mês das águas mil? É a questão recorrente.
Pode continuar o provérbio, mas, como tanta coisa mudou nas últimas semanas, quero pensar noutra possibilidade:
Em abril, esperanças mil!



terça-feira, 24 de março de 2020

Li no Expresso Curto e gostei muito. Quem não gosta(ria)?

Hoje o Expresso Curto é escrito por Germano Oliveira - editor online.

Do que li, destaco o seguinte que quero partilhar. 
Assim, podemos proteger-nos ainda mais deste pesadelo, 
pensando  na maravilha que será o pós-pesadelo.

'...pedi ao meus amigos que me dissessem o que mais querem fazer no pós-quarentena, reivindiquei-lhes uma frase, “uma coisa curta mas forte”, e o que eu ando a ler e aqui exponho são os meus amigos, a melhor literatura da minha vida, e isto é o que eles vão cumprir imediatamente depois de vencermos seja lá o que for que está em curso:

Quero abraçar pais e irmãos, quero uma cerveja gelada na praia, quero voltar a respirar maresia e perder o medo do abismo;

Abraçar a minha mãe, o meu pai e a minha irmã. Com a força com que nunca os abracei;

Abraçar pessoas. Família, amigos, colegas, talvez até pessoas random;

Abraçar alguém;

Quero que a minha casa seja assaltada pelos meus, beijá-los e abraçá-los infinitamente;

Demorar-me lá fora. Viver como se todo os dias fossem uma manhã de sábado;

Quero ir para a praia e ficar a olhar para o mar;

Voltar a abraçar a minha neta;

Ir de Lisboa ao Porto a pé;

O que eu mais quero fazer no pós-apocalipse é chegar à conclusão de que não aprendemos nada com isto;

Abraçar e beijar o Miguel;

Abraçar e beijar, rir-me sem pôr a mão à frente da boca num jantar cheio dos meus;

Quero voltar a olhar para o mundo sem ter medo. Que é o que sinto neste momento quando me cruzo seja lá com quem for. E é um sentimento horrível, descontrolado, estúpido;

quero voltar a beijar as lágrimas da miúda e dizer-lhe que está tudo bem: já não caem por medo, é alegria. quero abraçar os meus pais e fingir que não perdemos tempo. quero ser inconsciente com os amigos de sempre e com os amigos que chegaram há dois dias. quero beber e cantar na rua. seguir sem retrovisor, ser sem me apertarem o pescoço;

Beber. O meu vinho acabou de acabar;

Abraçar e olhar todos nos olhos. Tê-los comigo por inteiro;

Levar a minha filha ao parque, ao maior de Lisboa. O do Alvito;

Abraçar-te, minha joia, meu amor, meu calor de quarentena;

A primeira coisa que faria seria um jantar com as minhas pessoas, mesmo que num sítio barulhento, com vinho de pressão servido num jarro mal amanhado e um prato de comida sensaborona e provavelmente oleosa. Lá no fundo, e porque a insatisfação com o presente está na natureza do ser humano, sei que iria reclamar com a falta de cuidado do serviço, irritar-me-ia com os tiques daquele amigo mais maniento e juraria que não mais tornaria àquele lugar. Mas não ia estar a pensar em tudo o que se passou, comigo e com o país, entre o momento em que escrevo e esse jantar. Creio que é isso que quero ter: um pretexto para ter a certeza de que tudo já passou;

Sentir um beijo na cara da minha mãe e apertá-la num abraço;

Dar abraços;

Ir a um concerto com amigos, abraçá-los, sentir-me pequeno no meio da multidão e encontrar conforto na minha pequenez, porque ninguém é sozinho;

Render-me (ao contacto e não à distância);

Depois de o caos acabar, e pensando que provavelmente já vamos estar no verão, quero sentar-me a beber vinho branco gelado com os meus melhores amigos numa noite em que até a brisa seja quente;

Abraçar a minha mãe com muita força, cheirar o ar do verão à noite, ir a Fátima, beber às gargalhadas com os meus amigos à volta da mesma mesa.


Este país vai acabar todo abraçado, alcoolizado e aos beijos depois disto, é uma emergência ficarmos nesse estado triunfante: tenho uma amiga, na verdade não é uma amiga mas um planeta, que está a escrever um diário do seu isolamento, eu li partes e um dos dias acaba assim: “Estamos a ganhar em amor”.

Tenha um bom dia'.



Mais palavras para quê?
 Felizmente, também tenho bons grupos de Whatsapp. 
 Depois do pesadelo, quero dar-vos a todos abraços. 
Celebrar ainda mais a família, a amizade 
e tantas coisas boas que nos rodeiam e que pareciam invisíveis!
 

segunda-feira, 23 de março de 2020

Li hoje no Expresso Curto

"Que a quarentena não seja só um violento recurso forçado, do qual vemos apenas os aspetos negativos. Este pode ser o momento para irmos ao encontro daquilo que perdemos; daquilo que deixamos sistematicamente por dizer; daquele amor para o qual nunca encontramos nem voz nem vez; daquela gratuidade reprimida que podemos agora saborear e exercer",

José Tolentino Mendonça, no ensaio "Redescobrir o poder da esperança", publicado no passado sábado na revista do Expresso.


domingo, 22 de março de 2020

No tempo em que se saía ao domingo...

... o mar ficava mais próximo, havia mais sol nas esplanadas, os jornais traziam notícias mais diversas, as crianças brincavam à vontade com os mesmos objetos, os livros eram lidos e partilhados, os telemóveis utilizados por diferentes mãos, as pessoas abraçavam-se quando se encontravam, os restaurantes estavam abertos e cá fora cheirava a comida quente, as famílias visitavam-se e às vezes até se esqueciam de lavar as mãos, ofereciam-se presentes sem receio do vírus que lhes podia vir agarrado e logo transmitido...

No tempo em que se saía ao domingo, o domingo era diferente dos outros dias e não como outro dia qualquer.
No tempo em que se saía ao domingo, apetecia vestir uma roupa diferente, mas nunca um roupão.
No tempo em que se saía ao domingo, havia cinemas abertos. E centros comerciais de casais tristes ou de jovens ruidosos que ainda não sabiam o que era um domingo sem poder sair nem o que era a vida dos casais tristes à mesa triste de um centro comercial.
No tempo em que se saía ao domingo, havia a marginal de todas as cidades com a maravilha do mar ou do rio cheia de gente a caminhar ou a correr para vencer todas as torrentes diárias.

E como será o tempo em que se vai poder sair de novo ao domingo?
Não sei e julgo que ninguém sabe. Apesar de hoje ser domingo.