domingo, 19 de abril de 2020

Mulher à janela

Salvador Dali

Há duas semanas que ela, todos os dias, passava algum tempo à janela. Como a janela era virada para sul, aproveitava para apanhar um bocadinho de sol nas horas mais quentes ou amenas. Quando chovia ou estava frio, ficava a olhar por dentro dos vidros. Afastava a velha cortina para os lados e olhava as árvores que ajudara a plantar há muitos anos, como uma tangerineira que continuava com uns frutos apetitosos lá bem no alto.
Era da janela que falava com as vizinhas e com as pessoas da família. Ficava a saber as novidades, fazia perguntas e dava respostas. O tempo assim passava mais depressa e ouvia vozes a sério, sem serem interrompidas por publicidade, como acontecia na televisão.
Gostava bem mais desses momentos do que das novelas que costumava ver todos os dias. As notícias ou histórias tristes já a cansavam e para os filmes faltava-lhe paciência. Se começava a dar algum ao mesmo tempo que pressentia alguém da aldeia a passar, logo preferia ir à janela para conversar um pouco.
Esta semana vai ser crucial. Vai fazer novo teste covid 19. Se der negativo, já pode sair do quarto. 
E uma das primeiras coisas que quer fazer são umas cortinas novas para a janela do quarto,  donde quase não saiu durante a quarentena, mas que a punha em contacto direto com o seu mundo, ainda que à distância.
Nunca tinha reparado como a janela era bonita. Merecia mesmo umas cortinas novas. Tinham de ser transparentes como as antigas. Para que a luz continuasse a entrar.

2 comentários:

  1. Visitando: Para uma pessoa infectada é um problema sem dúvida. Ficar doente, confinada a quatro paredes, sem poder sair mesmo desse local, sem visitas, sem um abraço, um beijo, uma palavra amiga... e a ouvir que acontecem mortes atrás de mortes. Muito complicado mesmo

    Gostei muito do seu blogue, Vou linkar no pensamentos a fim de fiocar informado in-locco dos temas que vão saindo. Posso?

    Cumprimentos

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  2. Obrigada. Boa maneira de começar o meu dia.
    Claro que pode. Quando se escreve, mesmo pouco e sobre coisas do quotidiano, é um prazer muito grande ver as palavras partilhadas.
    Obrigada, mais uma vez.
    M

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