segunda-feira, 22 de outubro de 2012

"Este comboio de corda..."

 Mais dois poemas me chegaram hoje. Obrigada, amiga.
Disse que queria um poema sobre o tempo e ele chegou até mim.
São também estas "pequenas coisas" que nos fazem ganhar o(s) dia(s).

Não são apenas os relógios

Também se pode
regressar sem partir. Não são apenas
os relógios que se atrasam, às vezes
é o próprio tempo. E todos
os cuidados são
então necessários. Há sempre
um comboio que rola
a nosso lado sem luzes
e sem freios. E pode
faltar-nos o estribo ou já
não haver lugar
na carruagem da frente.


Albano Martins

Escrito a vermelho
Campo das Letras, 1999


Pequenas coisas


Falar do trigo e não dizer
o joio. Percorrer
em voo raso os campos
sem pousar
os pés no chão. Abrir
um fruto e sentir
no ar o cheiro
a alfazema. Pequenas coisas,
dirás, que nada
significam perante
esta outra, maior: dizer
o indizível. Ou esta:
entrar sem bússola
na floresta e não perder
o rumo. Ou essa outra, maior
que todas e cujo
nome por precaução
omites. Que é preciso,
às vezes,
não acordar o silêncio.



Albano Martins 
Escrito a vermelho
Campos das Letras, 1999

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