sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Já estamos em fevereiro, mas...

 

A coleção 'Mimos de...', de Mimos e Livros Edições, aborda o mês de janeiro, neste seu quinto volume. A apresentação será hoje online. 

Partilho um texto que enviei e que foi inserido na p. 30.

Que o mês de fevereiro traga bons mimos para todos.



 

As mãos e as árvores

 

 

Há mãos que lembram árvores

sob o frio de janeiro

todas  contam  uma vida

às vezes acarinhada

outras mais desamparada

e tantas vezes ferida

 

As histórias que elas contam

lá se foram construindo

no tempo que foi fluindo

ao longo das estações

de modo silencioso

tendo dentro emoções

mas nem sempre bonançoso

 

A pele de muitas árvores

também se vai engrossando

sem cuidados  de ninguém

que ajudem a ser alguém

e a árvore assim o é

aprendendo com a vida

a viver sempre de pé

 

São árvores que eu vejo

em tantas mãos que observo

e todas sendo rugosas

vivem pra tudo mimar

ajudando a respirar

sempre sempre generosas.

 

 

 

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

A esperança corre mas não morre

 
Ele tinha a esperança de ainda ser feliz, embora guardasse só para si esta convicção ou desejo.
O que não escondia dos mais próximos, com uma gargalhada a pedir aprovação, é que ainda ia ganhar a maratona. Quem o conhecia bem sabia o que ele queria dizer: continuaria a fazer caminhadas, a andar de bicicleta, a comer regradamente, para manter a saúde.
Quanto ao amor, quando pensava nele, surgiam recordações da felicidade passada e imagens da infelicidade presente.
Ainda que remota e triste, mantinha a ilusão de que o amor dela voltasse a manifestar-se e pudessem viver juntos. Ou pelo menos sorrir um para o outro e trocar palavras bonitas.
Sentia que a sua vida já ia longa, mas tinha passado demasiado depressa, sem deixar tempo para ser vivida e repensada.
Não podia perder a esperança de voltar a ser feliz. E de viver o que não tinha vivido. De completar tantas lacunas. Não teria direito como ser humano?
A felicidade desejada, quem sabe, poderia acontecer em 2022.
Ah, e também ganhar a maratona. 
No ano em que completava 80 anos.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Sestinha


Enquanto ele fechava os olhinhos - as janelinhas, como lhe costumo dizer - eu entregava-me à suavidade do momento.
Observava-lhe os olhos que se iam brandamente fechando e eu abria a memória de momentos afins já passados.
Eu ia a dizer igualmente suaves, mas a suavidade antiga aparece embrulhada em mais agitada sofreguidão do tempo. Tantos afazeres. Tantas canseiras. Tantas cargas e descargas.
Oiço-o a respirar, a suspirar, a sugar a chupeta, no quarto com a luz do sol atenuada pela cortina clara.
Olho os objetos para aqui trazidos para que nada falte, incluindo sorrisos.
E a suavidade do momento vai-se prolongando na tarde. Suavizando também muitos dias do passado.
 

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Magnólias

 
Se bem me lembro, todos os anos, por esta altura, falo das magnólias que vejo, com imenso prazer, a aparecer, pelo menos na minha região.
Gosto particularmente de as ver em botão e logo depois bem abertas à luz esbranquiçada de janeiro.
Aparecem no inverno - apesar de por estes dias apenas o frio lembrar essa estação - e anunciam os dias floridos de primavera que em breve estarão por aí.
Olhar as magnólias na árvore, no veludo dos seus tons branco ou róseo, é abrir uma janela em tarde de calma, arrumação e sol.
São flores efémeras as magnólias. Talvez por isso a sua beleza seja mais notada.

 

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Antecipadamente

 

Já me inscrevi para o voto antecipado, no próximo domingo.

Não sou muito de fazer as coisas por antecipação. Até devia ser mais. Talvez seja mais de sofrer por antecipação, embora também disso me tente libertar.

Votando antecipadamente, já fica o meu voto, porque não devo mudar de ideias ao longo de uma semana, uma vez que não tenho mudado há bastantes anos.

Vi muitos dos debates entre os candidatos. Alguns irritavam-me profundamente, noutros, apreciava o poder de argumentação e a velocidade do discurso.

Em quase todos esses momentos, pensava como é bem melhor viver sem semelhante exposição mediática, embora saiba como os políticos são necessários numa democracia. Gostava era de olhar para todos eles e ver pessoas mais verdadeiras e mais confiáveis.

Vou votar porque acho que é necessário que o façamos, no dia 30 de janeiro ou antecipadamente.   

Confiemos.


sábado, 15 de janeiro de 2022

Como um puzzle

 

Hoje, voltei a pôr os retratos no sítio que habitualmente ocupam. Nesse lugar, estiveram presépios que ela, com as suas mãozinhas pequeninas e olhinhos de alegre espanto, me ajudou a colocar, a seu gosto. A ele, por enquanto, apenas atrai a alegria das cores.

Os dias passaram - acho que felizes para eles, o que também me põe feliz - e ela voltou para Londres, onde outros lugares e outras peças a esperavam.

Cá em casa, os objetos natalícios  voltaram quase todos às caixas, embrulhados no papel de seda que lá vai ficando de uns anos para os outros. Ainda há uma estrela, que fiz há anos, pendurada à espera que seja retirada. Ou não, quem sabe. 

Como um puzzle que ganha vida com novos desenhos e novas peças. 


quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Bye, Mr Félix

 

Havia uma mulher de meia idade, muito magra, de cabelo desalinhado e grisalho e com longa saia preta. Tinha uma mochila na cadeira ao lado e bastantes papéis em cima da mesa onde ia escrevendo, como que acrescentando notas. Reparei nas mãos finas e compridas.

Um homem e uma mulher, ocupando uma mesa no meio da cafetaria, com um computador aberto, pareciam discutir negócios e, bem perto de mim, surpreendentemente, estava o mesmo homem que há umas horas eu tinha visto, de costas, e  a sair para atender o telefone.

Nem tinha dado conta que regressara e se sentara de novo. A estatura era alta, as costas largas e portentosas, o cabelo grisalho e farto. Sobre a mesa, havia um livro aberto e uma folha branca ao lado, com um desenho já esboçado. E, curioso, Félix, a personagem que me andava na mente e que eu parecia por vezes encontrar em figuras masculinas que comigo se cruzavam, também gostava de ler e de desenhar, fazendo-o muitas vezes em cafés. Tinha igualmente umas mãos largas e possantes.

Sorri para mim e, depois de beber o copo de água, voltei à leitura e a esquecer-me do que se passava à minha volta, não sem dizer de mim para mim, como habitualmente fazia nestes casos: Bye, Mr Félix.

Não sei muito bem quanto, mas algum tempo depois, ouvi o mesmo toque surdo do telemóvel que me fez despertar da leitura. Era do homem que estava sentado perto de mim e em quem, com certeza por fantasia literária, eu encontrava traços do “meu” Félix.

Desta vez, logo que o telefone tocou, como se estivesse à espera de uma chamada necessária ou urgente, o homem fechou de repente o livro,  guardou o desenho que  esboçara, pôs o saco a tiracolo e saiu, aparentemente para não voltar, falando com discrição ao telemóvel.

Enquanto se afastava, com o telefone no ouvido, sorriu e acenou à jovem que estava a servir as refeições ao balcão.

Foi então que a ouvi responder num tom sorridente e familiar:

- Bye, Mr Félix!

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Bye, Mr Félix

         (...)

Quando entrei no museu, tudo me pareceu simpático, porque as pessoas que lá encontrei também eram amáveis. Apercebi-me de que há sempre uma exposição temporária bem documentada e reparei na cafetaria, grande e luminosa, espaço que habitualmente também procuro quando vou a um museu. Dando para um vasto jardim, consolava o olhar, porque, apesar de pouco tratado, nele cresciam árvores e flores espontâneas com as cores naturais da estação, neste caso, do outono.

Muitos dos visitantes do Centro deviam ser pessoas locais que lá convergiam para workshops ou outras atividades; na cafetaria, havia muito espaço mas pouca gente: um sítio cheio de luz natural, bom para ler, para usar o computador, para além de saborear boas saladas, a sopa do dia, fatias de quiche, tartes...

Tudo isto vi eu, depois de entrar no museu que eu não conhecia, mas que, ao descobri-lo no mapa, me despertara logo curiosidade. Como uma casa na qual apetece entrar, prevendo que, ao sair dela, a alma volta enriquecida com o encontro de alguma coisa ou alguém.

Vagarosamente, visitei a exposição do primeiro andar e depois aproveitei para almoçar na cafetaria, desfrutando da luminosidade aberta e do largo jardim. E da calma que parecia estar ali naturalmente plantada, à disposição de cada um.

Tirei o casaco, sentei-me, abri a carteira e peguei no livro que andava a ler. Foi quando ouvi um ruído surdo de um telemóvel que pertencia a um homem de meia idade, de porte alto, de mãos fortes, mas cujo rosto não cheguei a ver porque saiu da cafetaria, assim que atendeu o telefone, falando em voz baixa. Mesmo assim, apercebi-me de que tinha traços da construção de Félix, a minha personagem, mas não reparei muito bem em todas as semelhanças e diferenças, porque o homem se afastou da cafetaria e, no meu  habitual e divertido jogo, disse para mim mais uma vez: bye, Mr Félix, e voltei à leitura.

Por esses dias, eu andava a ler o livro de contos de Lucia Berlin, Manual para mulheres de limpeza. Fascinavam-me aquelas histórias, de cariz autobiográfico, tão cruas e tão humanas, passadas nos Estados Unidos, e contadas com tal vivacidade de linguagem que me prendiam e me levavam até à Califórnia onde a autora e narradora lutara pela vida, agarrando-a com toda a força para vencer a doença, a penúria de dinheiro, a falta de afeto na infância e juventude, etc. Interessava-me perscrutar também tantas outras pessoas que a rodeavam e que, tal como ela, tanto subiam escadas para chegar a algum patamar de sucesso como logo as desciam aos tropeções. Para além de tudo, lendo aqueles contos, fascinava-me o gosto pela escrita, pela arte, pela livre natureza, pela verdade da essência humana que aquelas personagens me transmitiam.

Logo que eu começava a ler uma narrativa, tinha vontade de levar a sua leitura até ao fim. Esse deslumbramento criava em mim um estádio de franca felicidade, acrescida da possibilidade de, na altura, poder viajar e permanecer mais longamente nos sítios escolhidos, dando-me ao luxo de os mapear e definir a distribuição do meu próprio tempo.

Por isso, fui ficando na cafetaria do museu e julgo que me esqueci das horas, porque me entreguei à leitura daquelas histórias e só tirava os olhos do livro quando me lembrava que, perto de mim, havia um jardim encantatório e que merecia ser olhado demoradamente naquela tarde cinzenta e um pouco fria de outono. Eu, que tanto gosto de observar as pessoas que estão próximas de mim, quase as esqueci durante algum tempo, imersa que estava nas páginas do livro.

Mas, como senti sede, fechei o livro, pedi água e olhei à minha volta. 

(Amanhã, voltarei. Terei visto Mr Félix?) 

 

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Bye, Mr Félix!

 

Eu tinha escrito há pouco uma história em que entrava a personagem de Félix, um homem de meia idade, de porte largo e alto, cabelo forte, mãos possantes e sorriso generoso. Ainda a personagem parecia viver dentro de mim, fui passar uns dias a Londres.

Talvez por ter pensado durante bastante tempo na construção dessa figura, de quando em vez, nos mais variados lugares por onde eu ia passando, deparava com pessoas que se assemelhavam a Félix. Achava natural que assim fosse, estivesse eu onde estivesse, porque as personagens que criamos têm sempre um fundo de verosimilhança humana, logo, tal podia facilmente acontecer. Por isso, durante a minha estada em Londres, não era raro eu ir na rua ou entrar em qualquer outro sítio público e deparar com um homem com os mesmos traços que defini para Félix. Quando uma determinada pessoa, que me parecia revelar traços do "meu" Félix, se afastava, eu sorria para mim e também para mim dizia: Bye, Mr Félix.

Como gosto dos arredores calmos das cidades, numa manhã, apanhei o metro e fui até Camden, mas não fiquei pelo centro mais cosmopolita e movimentado, preferi caminhar pelas ruas menos frequentadas, ver pessoas que davam sinais de morarem naqueles lugares; ou porque transportavam sacos de compras, ou porque estavam a conversar com vizinhos, ou porque passeavam os cães, ou porque empurravam carrinhos de bebé como se viessem dos infantários e regressassem a casa... Assim, fico a conhecer melhor a vida real à volta das cidades e não apenas a que pulula no centro urbano mais procurado.

Dado que o tempo estava cinzento e fresco, resolvi caminhar e ir até ao Camden Ars Centre, um pequeno centro de arte, em Hampstead, cuja imagem tinha visto no mapa e que logo me atraíra. Vi que era um edifício antigo, não muito grande e cujas tonalidades acastanhadas das paredes exteriores se enquadravam no espírito do lugar.

Sim, fui até lá.

(Amanhã, continuo a contar. Oxalá voltem).

domingo, 9 de janeiro de 2022

Vulgaridades

 

Depois de bastantes semanas de tempo apressadamente contado, hoje, finalmente, podia ter uma tarde de domingo quase  só para mim.

O dia acordou cinzento e baço. A chuva miúda quase nunca parou até agora. Como um orvalho espesso e persistente que molhava tudo e todos. 

Já não sou de sair muito, mas com este tempo e com a bicharada que anda no ar que também respiramos, era mesmo de ficar em casa.

 Podia ler porque não o faço há tempos. Podia ver o Expresso desta semana. Para além de outras temas, estou curiosa de ler a crónica de RAP, tão publicitada e anunciada. Podia fazer tanta coisa, mas... fui passar a ferro. 

Apetecia-me reduzir o monte de lençóis e toalhas, alisando-os, dobrando-os, separando-os para mais facilmente voltarem para as respetivas gavetas. Às vezes, organizar os espaços ou reduzir o amontoado de coisas domésticas por fazer também me arruma a mente. 

Liguei o ferro. E, enquanto aquecia, liguei o rádio também, pensando nas minhas vulgaridades.

Se fosse mais intelectual ou sofisticada, não passaria uma boa parte de tarde de domingo mais livre e sossegado, ainda que húmido, a passar roupa a ferro, fazendo-o por opção e com gosto.

Ah, ia ouvindo rádio, na antena 2. Com boa dicção e pausadamente, falavam de Jean-Baptiste Poquelin, o ilustre dramaturgo Molière (Paris, 1622/1673). Se não optasse por passar a ferro, se calhar não tinha ouvido falar das suas peças mais conhecidas, como 'O doente imaginário' (Le malade imaginaire), 'O avarento' (L'avare), etc. E da sua vida que terminou no palco, enquanto representava, precisamente, 'Le malade imaginaire'.

Ser comum ser humano tem as suas vantagens, mas ter bons programas de rádio por perto também. Seja ele domingo ou outro dia da semana.

 

sábado, 8 de janeiro de 2022

Flores novas vs flores velhas

 

A menina gostava muito de flores. Talvez por influência da família. E, desde muito pequena, habituou-se a olhar para elas e a observá-las ao pormenor. A vontade de as colher foi também crescendo. Queria fazê-lo em qualquer sítio onde as visse bem viçosas: na rua, em casas vizinhas, na casa antiga da bisavó... 

Porém, a mãe foi-lhe explicando que não podia cortar as flores dos parques ou jardins, públicos ou privados. Tinha de as deixar crescer e viver por mais tempo. Toda a gente gostava e tinha o direito de ver espaços bonitos e floridos. A menina demorou algum tempo a compreender e a aceitar, mas foi aprendendo que não o devia fazer.

Porém, foi ganhando outro hábito: apanhar flores velhas e murchas, como as camélias que são efémeras nas árvores e, caindo com abundância, formam tapetes à volta dos troncos. Essas eram as preferidas da menina. Uma vez, a mãe disse-lhe:

- Não apanhes essas flores. Não vês que estão velhas e deixaram de ser bonitas?

A menina, que já tinha apanhado umas poucas, bastante desbotadas e de pétalas menos firmes, continuava a segurá-las na mãozinha pequenina e delicada. Como a mãe insistia, a menina voltou-se para ela e disse:

- Mamã, deixaste de gostar da bisavó por ela ser velhinha e já não ser tão bonita?


quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Conversa telefónica com vacina dentro

 

- Então, a menina já tomou a vacina?

- Sim, a primeira dose já está.

- Custou-lhe muito? Chorou?

- Nada disso. Adorou.

- Como assim?

- Era uma animação: uma senhora a fazer bolas de sabão, um mágico com truques engraçados,  pipocas para os meninos que quisessem...

- Que bom, acho muito bem. Parece primeiro mundo. 

- Até os pais saíam mais sorridentes do Multiusos.

- Quem meus filhos anima vacina infantil adoça!

 

 

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Fica tanto por saber!

Há dias, uma amiga minha pediu-me se revia o jornal eletrónico de um agrupamento de escolas de diferentes ciclos. Já estou afastada há um par de anos, mas, confesso, que, nestes momentos, sinto saudades. Não da burocracia sempre crescente,  mas das atividades em que os alunos eram e são os protagonistas, com a ajuda do trabalho e cumplicidade dos professores. E são tantas as atividades que se realizam nas escolas. E tantas as que ficam por conhecer de tanta gente. De facto, apesar da existência da tal burocracia atual, continuam a fazer-se atividades maravilhosas com as crianças e jovens, como plantar flores e cuidar delas, ler e contar histórias, participar em debates com voluntários de diferentes instituições ligadas aos Direitos Humanos, revelar trabalho científico realizado na  sala de aula e tantos outros projetos que mostram boas e úteis interações.

Domingo à noite, na despedida de um programa de canções, no canal 1, Catarina Furtado pedia que cada um fosse cada dia melhor pessoa - um bom propósito de Ano Novo, sem dúvida.

 O que se aprende e produz nas escolas pode também ajudar muito a que todos possamos ser melhores pessoas.  Será que divulgar mais o que se faz de bom em tantas escolas também ajudaria?