domingo, 22 de março de 2020

O tremeluzir do Vê?


Madredeus - a andorinha da primavera . não muito distante . alma (letra)

Conversa em viagem para rever Bombaim

- Estou contente por poder rever Bombaim.
- Eu também, mas custou-me ver sobretudo os grandes contrastes sociais.
- E as imensas crianças a viver em extrema pobreza.
- Não é de estranhar a constante perseguição que fazem aos turistas.
- Nem as raparigas com crianças ao colo e a tocar nos braços dos estrangeiros, pedindo-lhes esmola.
- E eram incrivelmente bonitas nos seus saris coloridos e com os cabelos negros.
- Assim como os seus olhos e os das crianças.
- Que brincavam nas ruas, apesar das péssimas condições.
- Tudo o que víamos era fascinante e arrepiante ao mesmo tempo.
- E, bem perto, os hotéis de luxo onde só a casta privilegiada entrava.
- E os milhões de turistas vindos de todo o mundo.
- Tal como nós já fizemos.
- Vamos então recomeçar a viagem?
- Sim, já abri o computador e pus o filme.
- 'Quem quer ser bilionário'?
- Neste momento, quero é manter a saúde.
- Falo do filme que vamos ver, de Danny Boyle.
- Desculpa, bora lá, então.



Conversa à beira do cinema

- Mãe, estás ocupada?
- Vou ao cinema, mas diz, filha, diz.
- Vais ao cinema?!!!
- Sim, filha, já me organizei. e vou ao cinema.
- Estás a brincar.
- Vou ver o Casablanca. Quero ver o filme na totalidade.
- E onde é o cinema, mãe?
- Aqui na cozinha, filha. O telemóvel está sem som, está tudo limpo e já fiz café.
- Mãe, então faltam as pipocas!!!
- Não, filha, nunca gostei de ouvir roer e no filme que vou ver não falta nada!

sexta-feira, 20 de março de 2020

Afinal, há coisas no quintal


Muitas vezes, nesta altura do ano,  parece que não há quase nada no meu quintal. E ainda menos este ano.
 As favas e as ervilhas ainda não deram fruto, as couves estão espigadas e cheias de flor, o alho francês não está maduro, os espinafres só aparecem aqui e ali, a salsa está miudinha...
Pois bem, com esta pandemia e para não ir supermercado, tenho colhido o que vejo no quintal. E, curiosamente, tenho encontrado o suficiente para cada refeição. 
De facto, quando há escassez, aprendemos a aproveitar as coisas, bem melhor do que quando se pode sair de casa à vontade e o tempo é de mais abundância. 
Hoje apanhei pequenos espigos de couve, suficientes para uma ou duas refeições.
Amanhã volto lá, porque, afinal, há coisas no quintal.



quinta-feira, 19 de março de 2020

'Pronto. Três dias de escola sem alunos...'


Hoje tive acesso a este texto, de que gostei muito, que Ana Catarino publicou no facebook.
Mostra bem a ligação que existe entre professores e alunos, tantas vezes desconhecida ou não reconhecida.
Reitero, por isso, o que afirmei no post 'Eles merecem o nosso aplauso'.
Quando 'tudoficarbem', todos que trabalham para o bem comum, como os professores, vão, naturalmente, ser mais valorizados.
E é bem necessário, porque a Educação é, cada vez mais, um bem essencial para a Humanidade.
Mas, para já, 'fiquememcasa'!


'Pronto. Três dias de escola sem alunos foi o suficiente para confirmar que EU, para ser professora (e me sentir professora), preciso dos alunos à minha frente, vê-los, ouvi-los, sorrir-lhes, ralhar-lhes...
Não gosto (arrisco dizer que ninguém gosta) desta escola, frenética, absorvente, burocrática, que não nos deixa tempo nem disponibilidade emocional nem paciência para os alunos.
MAS são eles quem mais importa.
Passamos a vida a ralhar que não fazem os trabalhos, que não estudam...
Mas, afinal,  importam-se! Estão a enviar as tarefas resolvidas, apesar dos apesares! Os que podem enviam em word (ou em formatos que eu nem sabia que existiam!). Os outros resolvem no caderno, fazem fotografia e enviam! Afinal, importam-se! Afinal, querem saber!
E eu estou com saudades!
Talvez eles também estejam com saudades!

Ana Catarino

#vaitudoficarbem
#fiquememcasa'

Dia do Pai - 19 de março


Postal enviado pelo Clube das Histórias


'Era uma vez uma menina que pediu ao pai que fosse apanhar a lua para ela.
O pai meteu-se num barco e remou para longe. Quando chegou à dobra do horizonte pôs-se em bicos de sonhos para alcançar as alturas. Segurou o astro com as duas mãos, com mil cuidados. O planeta era leve como uma baloa.
Quando ele puxou para arrancar aquele fruto do céu se escutou um rebentamento. A lua se cintilhaçou em mil estrelinhações. O mar se encrespou, o barco se afundou, engolido num abismo. A praia se cobriu de prata, flocos de luar cobriram o areal. A menina se pôs a andar ao contrário de todas as direções, para lá e para além, recolhendo os pedaços lunares. Olhou o horizonte e chamou:
– Pai!
Então, se abriu uma fenda funda, a ferida de nascença da própria terra. Dos lábios dessa cicatriz se derramava sangue.
A água sangrava? O sangue se aguava? E foi assim.
Essa foi uma vez.'

Mia Couto, Contos do Nascer da Terra


Eles merecem o nosso aplauso


Embora já não esteja no ativo, acompanho de perto o trabalho dos professores, através de amigos e familiares. 
Depois do recente fecho das escolas, pelos perigos de contágio do coronavírus em aglomerados, os professores continuam a desempenhar, em casa, múltiplas tarefas com e para os seus alunos, de acordo com as instruções do Ministério e da direção da escola onde exercem funções.
Através de plataformas e de meios eletrónicos, enviam tarefas sobre as matérias do programa, para os alunos realizarem em casa, podendo, assim, continuar a desenvolver e a aferir conhecimentos.
Esses trabalhos são depois corrigidos e reenviados aos alunos, com propostas para os melhorarem.
Para além disso, os professores corrigem testes, transmitem os dados através de plataformas, etc.
Trata-se de um trabalho quase invisível para muitos que não têm filhos em idade escolar, mas que é essencial. Sem ele, os jovens ficavam a saber menos. E, a nível mais imediato, sem essas tarefas, os jovens dificilmente aguentariam ficar em quarentena. E as famílias teriam muito mais dificuldade em retê-los em casa.
O trabalho dos professores cabe, portanto, no teletrabalho, mas com dezenas e dezenas de destinatários - que nem sempre dispõem dos meios informáticos necessários.
Ao longo desta pandemia, os profissionais de saúde têm tido o merecido e justo reconhecimento geral.
E muitos outros profissionais merecem também o nosso aplauso, porque permitem o acesso a bens essenciais, sem os quais esta crise seria insuportável.
Os professores, a trabalharem nas suas casas, com e para os alunos à distância, estão também a prestar um serviço essencial ao país, a nível imediato e também a longo prazo.
Por isso, os profissionais da Educação, nomeadamente os professores, merecem o nosso justo aplauso.

quarta-feira, 18 de março de 2020

Pedro Barroso - 1950/2020

Ficam as canções. Felizmente!

Haja saúde e a quarentena não desilude!

O tempo de pandemia que estamos a viver é difícil - talvez o mais difícil que muitos de nós tiveram ao longo das suas vidas.
Todos os gestos que fazemos, cada atitude que tomamos pode influenciar quem está à nossa volta. Para o bem e para o mal. E a cadeia pode ser interminável.
Esta crise imensa e global reafirma, sem qualquer contestação, que o papel de cada um é fundamental por onde passa, seja onde for. Seja quem for. Tenha a idade ou estatuto social que tiver.
Felizmente, os seres humanos, de uma maneira geral, têm uma grande capacidade de adaptação. 
No espaço de horas, ouvindo todos os alertas, deixámos de dar beijinhos, apertos de mão, abracinhos... 
Sem abrandar, felizmente também, os afetos tão necessários à vida de todos. O whatsapp e outras redes (que não tenho) facilitam a interação e partilha de muitas preocupações, mas também de motivos de esperança. E de bom humor, que também é fundamental. E de reafirmar que estamos juntos, apesar de cada um estar em sua casa.
E, apesar de haver sempre tantas coisas para fazer lá fora, a grande maioria das pessoas pode e deve ficar em casa. E o que parecia muito importante e urgente, em muitos casos, deixou de ser prioritário. 
E, num momento de mudança de ritmo das nossas vidas, também muita coisa em casa pode ser reorganizada.
Tenho uma amiga que diz que vai pôr muitas coisas em ordem, o que não conseguia fazer há muito tempo.
Por mim, vou tentar ler mais e também arrumar gavetas e prateleiras. E ouvir música. E ver uns filmes. E ver ou ouvir notícias. E passar a ferro. E cozinhar um pouco a mais para congelar e ter para a família. E regar os vasos. E lavar cada vez mais e melhor as mãos...
Mas também quero olhar pela janela e ver as árvores. E o meu quintal. E as pessoas nas varandas. E os amigos a dizerem-me adeus. E olhar as cores incontáveis do céu. E espreitar as estrelas...
Haja saúde e a quarentena não desilude!



João Gil & Ana Mesquita - Memórias de um beijo


Agora, que muitos de nós podemos/temos de ficar em casa, sabe bem ouvir música, como a de João Gil, um músico que muito aprecio. Os desenhos de Ana Mesquita aumentam ainda mais a beleza partilhada. 

terça-feira, 17 de março de 2020

Conversa em dia de aniversário e em tempo de vírus


- Filha, parabéns!
- Obrigada, mãe. É melhor não nos encontrarmos hoje.
- Tenho flores bonitas para ti. Bem as mereces.
- Mãe, podes guardá-las? Desinfeta o que for possível e depois lava muito bem as mãos.
- Claro. Vou pô-las numa jarra e bem à vista. São lindas.
- Não te esqueças também de lavar as superfícies onde as pousaste.
- Não, filha, não me esqueço. Feliz aniversário.
- Bem diferente do que estava à espera.
- E quem estava à espera de tudo isto?!

segunda-feira, 16 de março de 2020

domingo, 15 de março de 2020

Felizmente, há flores!





E pensar que podia estar em Londres

Há muito que estava prevista uma ida a Londres esta semana. Celebrávamos um aniversário e estávamos todos juntos. Como acontece sempre naquela cidade, havia exposições, bonitos pubs à escolha para o dia de anos, tantos lugares para percorrer e olhar...
E já tinha feito uns frasquinhos de compota de abóbora de que a Clarinha gosta muito.
Pois bem, tem sido o que se sabe com o Covid 19 e que ninguém ainda tinha visto na sua vida. E desistimos, obviamente, da viagem, para nos protegermos todos uns aos outros, confiando que haverá outras marés mais calmas. Ainda que pareçam demorar.
Felizmente que nós, humanos, temos uma grande capacidade de adaptação às novas realidades. Sobretudo quando são explicadas com verdade e honestidade como parece estar a acontecer. Talvez por defeito meu, desconfio quase sempre dos discursos de políticos, de banqueiros, de altos magistrados... Quando aparecem nas televisões, muitas vezes, dou comigo a tentar ler-lhes no rosto e nos gestos possíveis mentiras ou apenas bocados da verdade.
Agora, quando vejo e oiço as conferências de imprensa, sobre o Coronavírus, com a dra Graça Freitas e a ministra da saúde, confio nos dados transmitidos e procuro seguir as regras que dizem ser necessário levar a sério. E é bom que tal aconteça porque a confiança é motor para boas práticas.
No entanto, ninguém está imune a apanhar a doença. Se tal acontecer, no meu caso, será melhor cá. Não quero pensar que podia estar em Londres.



sábado, 14 de março de 2020

'Fique em casa'

Já não me lembrava de passar um dia inteiro em casa, como aconteceu ontem.
Li artigos de jornais que tinha separado e esperavam há bastante tempo e passei largas horas no computador a ler e a corrigir umas histórias que tenho entre mãos (serem publicadas já é mais complicado porque os autores desconhecidos também estão constantemente de quarentena!!!!).
Confesso que gostei do dia. Não fora saber do corona, aquele vírus democrático e terrível que pode atacar todos os humanos de forma quase inesperada. Daí o fecho das escolas, de Serralves, da Casa da Música, da Lello, dos Clérigos...
De facto, o que dava motivo a muitas anedotas agora está a ser levado mais a sério por muitos. No entanto, ontem a televisão mostrava a Ribeira do Porto com esplanadas cheias. Dizia-se serem turistas. E será que pelo facto de estarem de férias ficam cegos e surdos, não veem ou não ouvem as notícias?! Não se apercebem do que se passa no mundo? Ou são dos que pensam que o mal só aos outros acontece?
O mesmo não se passa, felizmente, noutros sítios turísticos do Porto, como o tabuleiro de cima da ponte Luís I, onde ontem não havia ninguém, sendo essa imagem mostrada num dos jornais desta manhã.
O tempo que estamos a viver implica a aprendizagem de coisas muito simples e práticas mas que podem proteger a nossa vida e a dos outros.
Sabemos que muitas pessoas trabalham obrigatoriamente fora de casa porque têm de ganhar a vida e há setores que não podem encerrar, como a área da saúde, alimentação, etc.
E só lhes temos de agradecer o esforço.
Quando tal não acontece, o melhor é seguir o que diz o título de um outro jornal de hoje: 
'Fique em casa'.




sexta-feira, 13 de março de 2020

Cotovelinhos!

Hoje, mandei uma mensagem a anular uma marcação que tinha feito. Preferi ficar em casa, porque não era urgente e a proteção do coronavírus assim o exige, se possível.
Tal como agora é comum fazer-se, ou melhor, como era comum fazer-se, preparava-me para mandar um beijinho no final, atendendo à confiança mútua, mas logo pensei que era melhor escolher outra forma de despedida.
Mas o que poderia ser? 
Não pôr nada parecia frio; beijinho, não se pode dar e eu gosto de ligar as palavras aos atos; abraço também não porque temos de manter pelo menos um metro de distância da pessoa com quem falamos.
Lembrei-me então que agora a saudação é feita muitas vezes com o toque dos pés. Porém, não se pode dizer 'pezadas' ou 'pontapés', como se dizia 'beijinhos'. Em presença, pode ser pertinente tocar com os pés do nosso interlocutor e até ter piada, por escrito, podia até não ter piada nenhuma.
Como também se está a adotar o toque com os cotovelos, a forma que me surgiu foi esta: cotovelinhos!!! 
Num presente, que se quer com futuro, temos mesmo de mudar. Sem perdermos, se possível, alguma graça para que a desgraça não aumente. 



quinta-feira, 12 de março de 2020

Conversa com ou sem abraços em tempo de vírus

- Hoje, não deixei que a Maria me abraçasse.
- Claro, tal como deve ser.
- Mas ela é uma aluna diferente, por isso está no ensino especial.
- E por que ficaste a pensar no assunto? Estás a proteger a tua saúde e a saúde da tua aluna.
- Receio que tenha ficado triste. Até me apeteceu chorar.
- Não te preocupes. Como se fala muito deste assunto, ela vai compreender.
- Não sei e isso dá-me tristeza.
- Professor(a) sofre ainda mais em tempo de vírus!



quarta-feira, 11 de março de 2020

Conversa com vírus e mimos dentro

- Filha, a tia e a avó não vêm esta semana a Londres, como tínhamos previsto.
- Mas eu tenho os postais que fiz para o aniversário da tia.
- Podemos mandá-los pelo correio. Ela vai adorar.
- Por que não vêm, mamã?
- Porque podem ficar doentes ou qualquer um de nós.
- Podem vir na mesma. Se estiverem doentes, ficam na minha cama.




segunda-feira, 9 de março de 2020

Mais palavras (e uma sugestão de viagem) sobre CINCO PALAVRAS de António Vieira, escrito por Manuel Maria

Publiquei o pequeno texto, que abaixo transcrevo, no dia 9 de março deste ano, a propósito da apresentação do último livro de Manuel Maria: Cinco Palavras de Antonio Vieira.
Apesar de termos trocado algumas mensagens, antes e depois da publicação do romance, ontem recebi um comentário do autor que logo publiquei. Como depois desse texto já postei bastantes, volto a publicá-lo agora para a sua visibilidade e do comentário.
Faço-o não pelo facto de ser para mim elogioso, mas por duas razões fundamentais:
- Quando Manuel Maria comunica, fá-lo de forma inteira e com convicção, tal como vive a amizade e pratica valores como o reconhecimento, etc., o que é de realçar.
- O romance é uma belíssima sugestão para os mais variados leitores.

Mais uma vez, Manuel Maria, o meu trabalho foi simples pelo prazer que a leitura me deu e por tudo que pude rever e aprender com a obra. E por todas as viagens que a leitura da obra proporciona.

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Sábado passado foi apresentado - por Dulce Raquel Neves, na Escola Secundária de Gondomar, onde o escritor trabalhou durante duas décadas - o novo romance de Manuel Maria: CINCO PALAVRAS de António Vieira, da Editora Lugar da Palavra.
Curiosamente, o título é formado por cinco palavras, tal como aconteceu na maioria das obras anteriores do autor.
Tive o privilégio de ler o livro antes de ser publicado e logo me apercebi do longo e aturado trabalho de investigação que foi necessário realizar para que a ficção funcionasse de forma séria e rigorosa.
Para além da sedução das histórias que são contadas, situadas no século XVII, em contexto de missões, descobertas, viagens, intercâmbios..., o exercício de escrita é também uma homenagem ao grande orador português. 
Vale a pena ler e dar a ler a obra aos alunos que estudam o Sermão de Santo António aos Peixes e a todos que querem saber mais sobre o pregador, a sua época e que gostam também de boas histórias com a nossa História dentro. E de cruzarem problemas e sentimentos que continuam a fazer parte da nossa vida e da nossa atualidade.

Sobre o encontro de sábado passado e sobre o livro, sugiro a entrada na Carruagem 23 de Vítor Oliveira http://carruagem23.blogspot.com/
Vão gostar da viagem. Melhor era impossível.



sábado, 7 de março de 2020

Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
-- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Adélia Prado 


Desculpa, Cândida!


De vez em quando, enviava-me uma mensagem, dizendo que tinha feito coisas novas. Fazia-o durante o ano, sobretudo pela Páscoa e pelo Natal, e continuava a fazer voluntariado na instituição onde nos tínhamos conhecido.
Eu ia a casa dela e em cima da mesa estavam compotas, biscoitos, muitos trabalhos feitos a partir de restos de tecido, de rolhas usadas, de botões antigos e de muitos objetos que pareciam já não ter qualquer utilidade nem serventia, mas aos quais ela dava uma vida nova.
Sobre a mesa, havia sempre um pequeno tabuleiro com duas chávenas que enchia de café quente, que bebíamos e acompanhávamos com biscoitos que ela também fazia. E ficávamos a falar muito tempo: dos trabalhos dela e das nossas vidas.
Ela vivia com muitas dificuldades económicas, porque, depois de ter tido cancro da mama, nunca mais tinha podido trabalhar fora, como fizera durante muitos anos, o que implicou redução do salário ao fim do mês.
Porém, em casa, trabalhava muito para ajudar a filha e para pagar as contas. A horta, que cultivava consoante as forças, também ajudava na necessária poupança porque todos os meses a dívida da casa tinha de ser paga.
No final do verão, mandou-me uma mensagem dizendo-me que estava com cancro no pâncreas. Fiquei muito triste, mas respondi-lhe também por mensagem, na esperança que vencesse esta doença como ia vencendo a anterior, assim como os muitos problemas familiares. Sempre com um sorriso de animada e corajosa esperança.
Mandei-lhe uma mensagem antes do Natal, mas não me respondeu. Fiquei apreensiva.
Soube hoje que faleceu no final de dezembro. Tive muita pena e remorso por não ter ligado, em vez de ter enviado mensagem. Talvez ela tivesse ainda podido falar.
 Não lhe prolongava a vida, por certo, mas era capaz de a mimar. E a Cândida precisava disso de certeza.



sábado, 29 de fevereiro de 2020

Luis Represas e Rui Veloso - Da Próxima Vez


As máscaras

Da última vez que fui a Londres, no início deste mês de fevereiro, vi bastantes pessoas que, ao chegarem ao aeroporto, logo puseram uma máscara para defesa do coronavírus. 
Naquela altura, achei um pouco exagerado, porque ainda não se conheciam tantos casos da doença na Europa, mas como cada um tem as suas defesas, achei natural que o fizessem.
Durante os dias que lá estive, se bem me lembro, só raramente vi pessoas com máscara e todos os dias ando a pé, faço as compras diárias, vou à escolinha buscar a Clarinha, etc.
Assim sendo, parecia-me exagerada tanta máscara em pessoas que, tal como eu, iam do Porto para Londres.
Pois, mas os tempos mudam e as vontades também.
Já tenho aqui em casa uma caixinha com máscaras de proteção para levar na mala da próxima vez que for a Londres.



sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Li hoje no Expresso curto a propósito do Covid-19:

'Nem cocaína, nem óleo de sésamo, nem urina infantil. A proliferação de falsa informação sobre a forma como prevenir e combater o novo coronavírus obrigou a Organização Mundial da Saúde a fazer uma lista para desmentir os rumores e as recomendações que circulam sem qualquer evidência científica




Expresso
No que ao Covid-19 diz respeito, o clima de medo favorece a proliferação de falsas informações a uma velocidade que arrisca ser superior à da própria transmissão do vírus. E se algumas não resistirão ao bom senso, outras há que preocupam a Organização Mundial da Saúde (OMS), por promoverem comportamentos de risco. Daí os alertas quanto aos mitos que circulam. A saber:

O novo coronavírus pode ser transmitido por picadas de mosquito

Não, o Covid-19 é transmitido principalmente pelo contacto com uma pessoa infetada, através de gotículas expelidas quando a pessoa doente tosse ou espirra, explica a OMS. Não existe qualquer evidência que suporte a alegação de que este vírus pode ser transmitido através de insetos.

O Covid-19 pode ser destruído em 30 segundos com um secador de mãos

Não. Os secadores de mãos, como os usados nas casas-de-banho públicas, não matam o vírus.

A urina infantil protege contra o novo coronavírus

A urina não mata vírus ou bactérias, este sim é um facto.

O novo coronavírus pode ser transmitido através do manuseamento de notas e moedas

Apesar de informações preliminares indicarem que o novo coronavírus pode sobreviver na superfície de um objeto por algumas horas ou um pouco mais, o risco de alguém ficar infetado pelo contato com objetos, como moedas, notas ou cartões de crédito, é muito baixo.

O frio e a neve matam o Covid-19

Não. A temperatura normal do corpo humano mantém-se a cerca de 36,5°C e 37°C, independentemente da temperatura exterior ou das condições meteorológicas, logo “não há razão para acreditar que o frio possa matar o novo coronavírus ou acabar com outras doenças”, insiste a OMS.

A cocaína oferece proteção contra o novo coronavírus

Não. Além de desmentir o mito, a OMS recorda que a cocaína é uma droga estimulante e viciante, cujo consumo é prejudicial à saúde e provoca sérios efeitos colaterais.

Os animais de companhia podem transmitir a doença

Não há até agora provas que apontem nesse sentido. Mas é “conveniente lavar as mãos com água e sabão depois de tocar nos animais de companhia, para se proteger de várias bactérias comuns que podem ser transmitidas aos seres humanos, entre elas a E. coli e a Salmonella", recomenda a OMS.

As vacinas contra a pneumonia protegem contra o novo vírus

Não. As vacinas contra a pneumonia, como a vacina pneumocócica e a Haemophilus influenzae tipo B (Hib), não protegem contra o novo coronavírus, frisa a OMS. A vacinação é recomendada, por evitar doenças respiratórias, mas ainda não existe uma vacina específica contra o Covid-19. Nisso estão a trabalhar vários investigadores.

O novo coronavírus pode alcançar até oito metros de distância com um espirro

É falso. O vírus é expelido através dos espirros e tosse, mas as gotículas respiratórias atingem até um metro de distância, adianta a OMS. Daí a recomendação para evitar o contacto próximo com quem tem febre ou tosse.

O novo patógeno pode espalhar-se a grandes distâncias através do ar

Na verdade, as gotículas provenientes da saliva ou das secreções do nariz "são muito pesadas para se espalhar por longas distâncias", explica a OMS, que alerta para o facto de a infeção também poder ocorrer ao tocar nos olhos, boca ou nariz após o contacto com uma superfície contaminada.

Pode reutilizar-se uma máscara N95

Não. As máscaras, incluindo máscaras clínicas planas e máscaras de filtro N95, não devem ser reutilizadas. Após o contacto próximo com uma pessoa infetada com o novo coronavírus ou outra infeção respiratória, a parte frontal da máscara usada deve ser considerada contaminada e descartada. Para a retirar, o procedimento correto é não tocar na frente e logo depois lavar as mãos com um gel hidroalcoólico ou com água e sabão.

O Covid-19 morre se for usada uma lâmpada ultravioleta para desinfeção

As lâmpadas ultravioletas não devem ser usadas para esterilizar as mãos ou outras partes do corpo, pois a radiação ultravioleta pode causar eritema (irritação da pele), esclarece a OMS.

É aconselhável lavar o nariz com uma solução salina para evitar infeções

"Embora algumas evidências indiquem que enxaguar o nariz regularmente com uma solução salina pode acelerar a recuperação após uma constipação comum, não foi demonstrado que isso previna infeções respiratórias", assinala a OMS.

Comer alho ajuda a prevenir a infeção pelo novo coronavírus

O alho é um alimento com algumas propriedades antimicrobianas, mas nenhuma evidência aponta para que a sua ingestão proteja contra o novo coronavírus.

Aplicar óleo de sésamo na pele evita a infeção

Não. O óleo de sésamo não mata o novo coronavírus. Existem desinfetantes químicos que aplicados em determinadas superfícies podem matar o Covid-19 - como desinfetantes à base de cloro e alguns solventes - no entanto estes produtos têm pouca ou nenhuma eficácia contra o vírus quando aplicados na pele ou sob o nariz (além de serem perigosos para o efeito).'

O arroz

Quando eu era miúda, gostava muito de almoçar numa casa de familiares que viviam perto de nós. Sempre que podia, ia brincar para lá pela hora do almoço. O cheiro que vinha da cozinha aguçava qualquer apetite. Não tardava que me dissessem: queres almoçar aqui?
Ouvida a pergunta desejada, eu corria a casa para pedir à minha mãe.
Passados minutos, estávamos todos sentados à mesa, depois de uma pequena oração de ação de graças, enquanto a comida fumegava, e que se repetia depois da refeição, quando os pratos já estavam vazios.
Isto foi-se repetindo ao longo da minha infância.
Toda a comida era simples, deliciosa, bem apurada, e o sabor do arroz era único. Pensar naquele arroz nunca deixou de me fazer crescer água na boca.
Muitos anos mais tarde, já adulta, passei um dia com a família para onde eu gostava de ir em criança. Pela lei natural da vida, a casa estava mais vazia de pessoas, mas a cozinha não tinha perdido o saboroso cheiro. A meio da manhã, e com tempo, fomos preparando o almoço: seria frango estufado e arroz. 
Quando ouvi a palavra arroz, as minhas papilas gustativas até dançaram. Iria saborear o tão desejado arroz da minha infância. E poderia aprender a fazê-lo também.
Como o frango já estava quase no ponto, era o momento certo de fazer o arroz.
E foi quando ouvi:
- Estou com dores nas pernas de estar tanto tempo de pé. Não te importas de fazer tu o arroz?  Também deves ter outra maneira mais moderna de o fazer; o nosso é à moda antiga e, se calhar, nem gostas.
De repente, senti lágrimas nos olhos e não foi só da cebola.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Já não é Carnaval?

Postal enviado pelo Clube das histórias


 

Ligação natural


Amélia Muge - "O que vê o meu olhar" do álbum "Não sou daqui" (2007)

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Maria Bethânia - carnaval

domingo, 23 de fevereiro de 2020

Caetano Veloso - Miragem de Carnaval

sábado, 22 de fevereiro de 2020

Provérbios de Carnaval

       
Imagem da net






Não há Entrudo sem lua nova nem Páscoa sem lua cheia.

Quer no começo quer no fundo,  em fevereiro vem o Entrudo.

Namoro de Carnaval não chega ao Natal.

Carnaval na eira, Páscoa à lareira.

É Carnaval, ninguém leva a mal.

Esta vida são dois dias e o Carnaval são três.

Quem quiser o alho cabeçudo sache-o pelo entrudo.

José Afonso - 'Moda do Entrudo'



Ó entrudo, ó entrudo...

Ó entrudo ó entrudo
Ó entrudo chocalheiro
Que não deixas assentar
As mocinhas ao solheiro
Eu quero ir para o monte
Eu quero ir para o monte
Que no monte é qu'eu estou bem
Que no monte é qu'eu estou bem
Eu quero ir para o monte
Eu quero ir para o monte
Onde não veja ninguém
Que no monte é qu'eu estou bem
Estas casa são caiadas
Estas casa são caiadas
Quem seria a caiadeira
Quem seria a caiadeira
Foi o noivo mais a noiva
Foi o noivo mais a noiva
Com um ramo de laranjeira
Quem seria a caiadeira

José Afonso



sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Há nomes que dão para tudo

Ouvi ontem o deputado do partido Chega, na Assembleia da República, a evocar a morte de Jacinta Marto, precisamente num dia 20 de fevereiro, manifestando-se contra a despenalização da Eutanásia. Confesso que, de repente, não identifiquei logo o nome da pessoa a quem se referia.
Já não bastava Camões e Pessoa serem encaixados em muitos discursos públicos, consoante os tempos e consoante as vontades, também alguns santos da Igreja católica podem dar jeito e fazer semear uns votos que serão colhidos em tempo julgado certo.
O mesmo deputado, que critica a hipocrisia de muitos para desvalorizar e branquear atos de racismo e de ódio, socorre-se de tudo para navegar na onda do populismo e oportunismo.
Como qualquer pessoa católica, conheço um pouco da história dos três pastorinhos de Fátima, tendo dois deles, Jacinta e Francisco, morrido em idade jovem e inocente. Poderá ser este um bom motivo para o referido deputado querer influenciar e fazer-se ouvir, no seu estilo frenético, truculento  e nervoso.
Descansa em paz, santa Jacinta, mas não perdoes sempre aos que sabem o que fazem.



"Dá-me um abraço"

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Hoje não poderia deixar de falar deste assunto

Imagem da net

Poderia começar por Era uma vez..., mas prefiro ir direta ao assunto num dia em que o racismo não pode nem deve ser ignorado.
A minha neta frequenta uma escola primária e pública em Londres - onde as crianças começam a sua escolaridade no ano letivo em que fazem cinco anos.
Conheço um pouco dessa escola (cujos resultados mostram que funciona bem), porque já fui buscar a minha neta bastantes vezes e falamos da escola em casa.
O alto portão de grades, que dá para o espaço largo e aberto, abre-se às 15.30 e os adultos vão à respetiva sala buscar as suas crianças, onde à porta está a professora.
Na sua grande maioria, quem espera as crianças são as mães: árabes, negras, brancas, tal como as crianças. Estas, tanto na sala de aula como no recreio, brincam, comunicam, falam, tudo de forma natural, o que também é cada vez  mais legítimo e natural.
Muitos adultos deviam seguir estes exemplos e de muitos outras crianças.
Oxalá que elas não aprendam, fora da escola, o ódio ou a humilhação pela sua cor de pele. 
Em estádios de futebol, na política, na rua, em muitas casas e em muitos outros lugares, existem homens e mulheres que usam inexplicáveis filtros e defendem o seu mundo de uma só cor. E há também os que se encostam a esse mundo, preferindo, cobardemente, fingir que não sabem, que não veem, que não ouvem... 
E não compreendem que é nefasta a história que vão escrevendo.



domingo, 16 de fevereiro de 2020

Jacques Brel - Quand on n'a que l'Amour

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

L'amour...


Postal enviado pelo Clube das Histórias



quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Carta de amor à mãe


Não têm conta os contos que tu, mãe, me contaste.
Quando eu era muito pequena, nem sempre tinha paciência para os ouvir até ao fim ou deixar que terminasses a leitura. Saía do teu colo e ia buscar outro livro, mas voltava logo porque o teu regaço era  o melhor sítio para ouvir as histórias, fosse de um livro ou contadas por ti.
A ouvir histórias e aconchegadinha a ti, mãe, tudo parecia perfeito.
No tempo em que eu ainda não sabia ler, gostava sobretudo de ver as imagens e ouvir as tuas palavras mágicas. Recordo-me que abria o livro e tu perguntavas-me se eu sabia onde estava o galo, o pintainho, a flor, o cavalinho... Quando me enganava, sorrias e repetias as palavras serenamente para eu as fixar melhor.
Se vias o desenho de uma menina muito bonita, logo dizias que era eu. A seguir,  apressava-me a encontrar uma senhora igualmente bonita para te dizer que eras tu, mãe.
Eu ainda não sabia dizer todas as partes do rosto, mas reconhecia-as e apontava-as: os teus olhos azuis (com os óculos que às vezes te queria tirar, embora soubesse que não devia), a boca sorridente, as faces rosadinhas e macias...
E recordo que usavas palavras ligadas ao céu: minha estrela, meu sol...
Só não sei é por que razão nunca me chamaste lua, porque sempre sentiste muito encanto por todos os pontos luminosos do céu. Até dos aviões. Ainda guardo, por exemplo, um livrinho com uma imagem de que eu gostava muito: um ursinho a dormir serenamente e uma lua muito luminosa.
Muitas outras expressões que usavas eram como o açúcar, apesar de nunca abusares dele: minha doce, minha doçura...
Mas a minha preferida sempre foi: tu és a luz dos meus olhos. Lembras-te, mãe?
À noite, quando chegavas do trabalho, sentavas-te um bocadinho comigo e esse era um dos melhores momentos do dia. Às vezes, chegavas cansada a casa, mas parecia que tinhas todo o tempo do mundo.
Agora, dou comigo a repetir para a Clarinha muitas das frases que me dizias quando eu era criança. Ela gosta muito e eu fico feliz. Espero que fiques feliz também.
Um abracinho, mãe, que é uma maneira muito singela de dizer que te amo.
Clara

Nota - Este texto teve uma menção honrosa no concurso Textos de Amor, do Museu Nacional da Imprensa, 2019



Clã - "Problema de Expressão"

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Então o amor e a amizade...

Postal enviado pelo Clube de Contadores de Histórias