terça-feira, 2 de agosto de 2011

Estropiar

Estropiar

No final de uma tarde de sábado, duas mulheres entraram numa loja onde se vendiam velharias: coisas que sobravam a uns e eram úteis a outros.

As duas mulheres procuravam sobretudo tecidos. Com avidez nos olhos e nas mãos. Queriam panos usados. Não paninhos delicados de tabuleiro, de mesinha de cabeceira, de cómoda… Não panos da peça, mas retalhos e, se possível, gastos pelo tempo.

Aproximaram-se de um cesto onde também havia bordados que tinham sido abandonados a meio. Talvez a bordadeira tivesse perdido a vida ou a vista para tais minúcias.

A vendedora ia-lhes mostrando alguns dos panos que havia para venda. E elas respondiam, firmes e convictas, que não, eram bonitos de mais para estropiar. Era pena estragar.

E continuavam a busca. Talvez este. E este. E aquele. E também estas meadas de linha – diziam, separando o que escolhiam.

- E este pedaço de linho?

- Isso não. Para estropiar, não.

A vendedora estava perplexa. Tecidos e linhas para estropiar? E imaginou as duas mulheres com facas, navalhas, tesouras… a cortar em pedaços os tecidos e as linhas, enquanto se riam muito e atiravam os farrapos para o ar como pétalas num casamento em que todos estavam unidos pela loucura.

Seriam também loucas? Loucas varridas a varrerem a loja de coisas que tinham sido oferecidas com amor para serem vendidas e com os lucros ajudar os sem-abrigo?! E amorosamente dispostas nas mesas, nos armários, nos cestos?! Sim, claro, muitos objectos acusavam o abandono em caixas e arcas onde tinham permanecido longo tempo. Mas daí a estropiar!... A dita vendedora, que era generosa, curiosa e amante das estórias, procurou até, à sorrelfa, a palavra num dicionário, também à venda na loja: desfigurar, estragar, decepar, adulterar…

Enquanto isto, as duas clientes iam juntando, em dois montes, com entusiasmo estridente, o que seleccionavam.

Fez-se o preço. Para estropiar podia ficar mais barato. Não é possível? Pronto, está bem.

Depois de pagarem, as duas mulheres saíram, felizes, com dois grandes sacos cheios. E uma disse: - Vão ficar giras as bonecas de trapos.

E a outra, com um largo sorriso: - Os miúdos vão adorar a peça.

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