sexta-feira, 24 de setembro de 2021

 Obrigada, C.P.

 

Uma amiga emprestou-me este livro. Tem menos de 200 páginas e conta histórias relacionadas com alimentos e em que a nossa História também intervém. Destaco algumas narrativas: sobre um forno de cozer pão cujo uso era um ato de desobediência; acerca da alheira que foi criada por cristãos-novos como um modo de escaparem à Inquisição, estabelecida no séc. XVI, por D. João III.

Transcrevo aqui uma das páginas em que se explica a adoção deste enchido sem carne de porco - não consumida pelos judeus.

Começa assim o excerto:

'Na vila de Vinhais (...), criámos um  tipo de enchido que imita os enchidos...


Também há histórias sobre o bacalhau, a sericaia, o  D. Rodrigo, etc., contando-se a história dos primeiros usos culinários dessas iguarias, estando algumas ligadas aos Descobrimentos.

Cada narrativa é antecedida por uma explicação histórica contextualizando o alimento e de uma receita atual: bacalhau com broa, alheira com batatas e grelos, etc.

É, assim, um livro com diferentes sensações e experiências gastronómicas e históricas.

Sobre a autora - Paula Morais - , nada posso dizer porque nada sei. Se souber, digo, porque é preciso divulgar estes autores desconhecidos que produzem bons livros. 

 

Bom e saboroso fim de semana! 

 

 

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

O solitário da rua e essa coisa do normal

 

Eu, o solitário da rua, cheguei à conclusão de que não sou o único solitário da rua. Há o Manel. Não sabem quem é o Manel, pois não. Muita gente não sabe quem é o Manel. E talvez por isso as pessoas têm medo dele, atravessam a rua para não se cruzarem com ele, aceleram o passo, sentem o coração a bater mais depressa quando o veem ou o ouvem mesmo à distância...

Mas o Manel não faz mal a ninguém, ou melhor, só fez mal a si próprio e a dois primos com quem trabalhava. Foram mútuos os insultos e também a agressão foi de ambos os lados, mas, nesse dia, o Manel estava sóbrio. Só que não estava pacato, ainda que, quando está sóbrio, pareça pacato. Não andava de garrafa de vinho na mão como anda quase sempre. Nem vociferava fazendo gestos acusatórios com os braços sem se saber bem a direção.

Somos dois solitários da rua. Cada um à sua maneira. Ele a abrir-se a qualquer hora em acusações e ameaças a alguém ausente; eu, um pouco ensimesmado, um rato de casa depois de chegar da repartição, embora goste de janelas abertas à luz do dia, desde cedo.

Conheci os pais do Manel, que mal se ouviam de tão discretos que eram. Não sei se ele conheceu os meus e nem vale a pena perguntar-lhe porque, por estes dias, não larga a garrafa, anda sempre aos ziguezagues e nem se percebe bem o que diz. Os pensamentos devem ser uma gaveta atafulhada de quase tudo que é barafunda.

Por que é que todas as ruas, ou melhor, muitas ruas têm sempre um ou dois alguéns que, embora diferentes, saem da caixa da normalidade?

Ou será este o normal e não o outro a que sempre nos habituámos a chamar normal?

 

sábado, 18 de setembro de 2021

Conversa com escola(s) dentro

 

- Não sei o que se passa comigo.

- Então?

- Trabalho há mais de trinta anos e continuo ansiosa nesta altura.

- Por ser o primeiro dia de aulas?

- Sim. Nessa noite, nem consigo dormir.

- E eu, já pensaste?

- Tu? Também ficas ansiosa?

- Fico, claro.

- Porquê?

- É que já nem sei quantas vezes entrei em escolas pela primeira vez.


Quadros da pintora Menez - 1926/1995




sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Diz-me, espelho meu!

 

Diz-me, espelho meu, 

haverá mais medricas como eu?

Quando faço exames médicos,

fico triste a cismar

nos resultados que vou ter

e a espera até aumenta

cá a minha nostalgia

que a vida me revelou

a par de muita alegria.

 

Diz-me, espelho meu, 

há esquisitos como eu?

Eu sei que sou emotiva,

que quero muito a esta vida,

mas gosto de ser racional.

Então, por que penso no mal

quando há incerteza

sobre o que o laboratório

- que me parece um purgatório,

apesar de nele verem

o que dizem ser beleza - 

vai contar

em tabela nunca igual?

 

Diz-me, espelho meu, 

se outros sentem como eu

este pico de ansiedade

antes de saber a verdade

de análise ou diagnóstico.

Eu, um ser crente e não agnóstico,

já devia saber

que não é preciso sofrer

com esta antecipação,

apelando à calma e à razão 

e, com boa disposição,  

pensar como diz o ditado,

mas sempre de olhar animado,

que tudo passa

- ainda que nem tudo passe -

e haverá por cá sempre gente

que a vida convida a ficar,

embora ficar cá não fique

ninguém para a semente! 

 


terça-feira, 14 de setembro de 2021

Conversa com trovoada e gente dentro

 

- Que trovoada!

- Tem medo?

- Tenho. Desde pequena.

- Tem medo também?

- Eu, não. 

- Que bom, então.

- Medo só de gente, de trovoada, não! 

 

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

O sítio

 

Com o seu sotaque brasileiro, ela disse que agora tudo lhe corre melhor, mas quando chegou a Portugal e começou a trabalhar nas diferentes casas e a mandavam pôr as coisas no sítio, ficava confusa.

Para ela, o sítio era uma fazenda, como a fazenda do seu avô, no nordeste do Brasil. E que o quintal de uma das senhoras lhe fez recordar esse sítio. 

Até fiquei arrepiada, quando o vi pela primeira vez. Ainda me arrepio só de pensar. Veja só! Parecia que estava no sítio do meu avô, disse ela.

Ah! Então, o Sítio do pica-pau amarelo tem esse sentido.

Tem, sim. E eu gostava de ver a série e de ler os livros de Monteiro Lobato. Já faz muito tempo, mas não esqueci, não. Quando lembro, parece que volto ao sítio do meu avô.


sábado, 11 de setembro de 2021

Difícil falar

 
Obrigada, IA, por este livro.

deste livro. Para mim, é claro.

O título dos capítulos contém sempre palavras da primeira frase da página. Resolvi fazê-lo também para iniciar este texto, apesar de não gostar de imitações. Talvez por não saber muito bem como começar. Mas vamos a isso, porque palavra puxa palavra...

A história, ou melhor, as histórias passam-se num Oriente, muitas vezes imaginado. Uma espécie de Mil e Uma Noites, em que muita coisa é criada e recriada e nos deixa atentos e fascinados como os olhos das crianças quando gostam do que estão a ler ou a ouvir.

É um romance poético, que gostei de ler com um lápis na mão porque há muitas e muitas frases que apetece sublinhar. Ou porque são sábias, ou porque são belas, ou porque são encantatórias, ou porque são surpreendentes...

Destaco algumas personagens: um menino que viveu com o seu pai biológico e outro menino que foi adotado, um homem mudo e que é um grande poeta, a mulher de um homem que o abandona, um homem que tem uma fábrica de tapetes e que às vezes não sabe como tecer a sua vida, uma mulher que quer casar e que anseia por uns sapatos de salto alto...

E nas quase seis centenas de páginas, intercaladas de imagens a preto e branco, há temas como o amor, a infância, a traição, a morte, o abandono, a alegria, a guerra, o poder, o questionamento, o prazer, a religião e tantos outros que se vão entrelaçando. E só quem tem

um grande fôlego de escrita, de conhecimento, de estudo, de imaginação consegue realizar um livro assim. 

Os nomes das personagens parecem estranhos, embora uns mais do que outros: Bibi, Elahi, Salim, Isa, Badini, Nachiketa Mudaliar, Aminah, Azizi...

E tantas e tantas outras personagens - às vezes pessoas, outras vezes, uma espécie de marionetas - num universo que, próximo ou distante no espaço e no tempo, seduz o leitor, porque caminham entre o real e o imaginário.

Deixo um excerto, de entre tantos que poderia salientar.

Antes disso, deixem-me dizer que o autor - Afonso Cruz - nasceu em 1971, na Figueira da Foz e já recebeu muitos prémios literários. Para além de escrever, é ilustrador, músico, cineasta, produtor de cerveja e, se calhar, muita coisa mais (tantos talentos, meu Deus).

O excerto que escolhi tem a ver com o título do livro: PARA ONDE VÃO OS GUARDA-CHUVAS

 

Boas leituras e, sobretudo, feliz fim de semana. Com ou sem guarda-chuva(s). 

 


 

 

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

A importância do olhar

 

Uma mãe chega com uma filha, adulta, a um hospital particular. A mãe, à chegada, diz ao que vem. A funcionária pede-lhe os documentos. A mãe entrega os documentos pedidos. A funcionária pede o número de telemóvel, desta vez olhando a filha. A mãe diz o número do telemóvel. A funcionária pergunta se tem e-mail, olhando, de novo, só para a filha. A mãe diz o seu e-mail.

A filha, olhando a funcionária, diz: desculpe, quem vai fazer a intervenção cirúrgica é a minha mãe, não sou eu, por que que só me faz as perguntas a mim? A funcionária passou a olhar a mãe, tratando-a pelo nome.

 

terça-feira, 7 de setembro de 2021

Anunciando o outono

 

 

Vão aparecendo sinais de outono. Nas nossas vidas? Também.


segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Modos de olhar

 

 

Um dia, alguém me disse que o meu olhar era bastantes vezes avaliativo. Fiquei com pena, porque não gosto desse tipo de olhar. Só que nós próprios não nos olhamos enquanto olhamos os outros.

 

domingo, 5 de setembro de 2021

Será intrusa?

 

Se não tivesse sido eu a tirar a fotografia, diria que eram só flores, na sua singeleza e  diversidade. Mas está lá uma cabaça, e não é pequena, deixando viver feliz e à vontade quem lhe dá ajuda e apoio.

 

sábado, 4 de setembro de 2021

Doçuras ao sol de setembro

 

 

Um dia, ouvi: nunca colhi frutos de uma árvore. 

Lembro-me sempre disso quando vou ao quintal, apanho os frutos e saboreio-os logo ali.

Quem gostasse devia ter árvores de fruto por perto para os olhar e saborear.


sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Uma janela em setembro

 


quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Pássaros no aeroporto

 

Se calhar, é comum, mas nunca tinha visto pássaros dentro do aeroporto. Foi em Heathrow, de regresso ao Porto.

Cheguei duas horas antes como é da praxe. Dantes, tomaria um café enquanto esperava pelo voo, mas, desta vez, não o fiz porque não queria tirar a máscara.

Também gosto de me sentar e observar as pessoas, tão diferentes, a passar. 

Tal como tinha reparado em Gatwick, havia menos movimento. Talvez porque para quem chega ao Reino Unido é pedido teste covid, certificado digital de vacinação, inquérito de localização preenchido, passaporte...

Mas voltemos aos pássaros que, pela sala de embarque, andavam a esvoaçar. Talvez  tivessem fome e procurassem migalhas dispersas pelo chão. 

Também eu me deslocara a Londres para matar a fome da saudade. Não tinha ficado ainda satisfeita porque foi uma semana em presença quando a ausência havia sido de dezoito meses. E há tanta gente nestas condições.

Deixei de ver os pássaros quando me dirigi à porta com destino ao Porto, ou melhor, a Lisboa, onde fizemos escala e onde não vi pássaros, mas também os teremos, uns mais esfomeados, outros mais consolados.

Era bom regressar a Portugal, mas a vontade de voltar a Londres esvoaçava na minha cabeça. Como os pássaros no aeroporto.


quarta-feira, 1 de setembro de 2021

terça-feira, 31 de agosto de 2021

Levar-nos ou não a sério, eis a questão

 

Sempre gostei de coretos. Talvez por ouvir, desde muito cedo, o meu avô falar das bandas que ele apreciava e que tocavam em coretos nas festas populares. Ele usava uma expressão que acho deliciosa: tocar uma pecinha. Também o meu pai a utilizava.

Pois bem, no Queen's Park, em Londres, há um coreto e domingo passado havia uma banda  a tocar. Os espectadores sentavam-se na relva, crianças corriam, algumas pessoas dançavam... Uma tarde bonita e plácida de domingo.

O maestro, ao anunciar as músicas e voltado para o público, punha as mãos à volta da boca, em modo altifalante e dizia graças. Muitas pessoas riam-se e os músicos do coreto também. Ora, o meu inglês já não é bom e como ele falava para todas as direções, só nos chegavam algumas palavras, ficando eu com curiosidade sobre a piada que ele tinha dito. O que me valia era ter a minha filha ao pé de mim para me ajudar a compreender.

Uma das coisas que o maestro disse foi que ele tinha muito ritmo, o que logo causou riso. E muito mais graças ele disse, apesar da seriedade na execução musical.

Eu interroguei-me, então, se em Portugal tantas piadas seriam ditas neste tipo de espetáculo e de forma tão descontraída.

Foi então que a minha filha disse: em Portugal, as pessoas levam-se muito a sério. 

Eu dei-lhe razão.

 



 

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

O pub, as máscaras, um ministério que eu não conhecia...

 

Gosto muito dos (poucos) pubs onde já estive em Londres. Gosto das comidas ligeiras e do ambiente simpático e informal. 

Como é verão e a covid espreita sem ser vista, escolhemos um pub numa zona arborizada e ficámos na esplanada, como convém. Perto das mesas de madeira e sem toalha, pequenos recantos coloriam-se de flores. 

À entrada do restaurante, um funcionário ia organizando as chegadas. Era brasileiro e estava sem máscara, tal como todos os colegas que lá trabalhavam. Naturalmente, abeiravam-se dos clientes, registavam os pedidos, traziam a comida, etc sempre sem máscara e à distância do antes covid. Confesso que me fez confusão.

Na viagem de ida para o pub, como a distância era bastante longa e o percurso seria quase sempre a subir, preferi ir de uber. O motorista chegou sem máscara. Perguntámos se podia pôr a máscara. Não, respondeu, porque estava isento. Eu desconhecia a possibilidade de estar isento de máscara, pelo menos neste tipo de trabalho. Pedimos desculpa e chamámos outro carro, mas a uber cobrou o serviço não realizado. Tem, portanto, o direito à opção de usar ou não máscara, mas os utilizadores só têm a opção de aceitar o que vier.

Voltemos ao pub. Durante o almoço, chegámos à conclusão que a grande maioria das pessoas que lá estava já tinha feito anos mais de sessenta vezes. No entanto, o ambiente era leve e airoso. E bonito. Quase toda a gente tinha ar de quem estava ali desfrutando do mais que legítimo direito de viver a vida e não porque já não tem vida para viver.

O mesmo sentimento tive nos parques e nos cafés entre árvores e flores ao ar livre. A imagem com que se ficava por aquela amostra era que toda a gente vivia feliz, vivia bem e vivia acompanhada, independentemente da idade.

Mas, pelos vistos, não é bem assim. O que se via era apenas um bocadinho da realidade, belo e risonho por sinal. Há quase dez milhões de pessoas no Reino Unido que vivem sós, daí ter havido a necessidade de criar o Ministério da Solidão. E a solidão não atinge só os mais velhos, mas  os diferentes grupos etários.

De facto, um par de dias ensolarados revela apenas uma nesga do céu e muitas nuvens escondem o resto. Sem deixar de ser belo, é claro, o pouco que está à vista.

 

domingo, 29 de agosto de 2021

O tão esperado dia

 

Chegou o dia do aniversário. O tão desejado dia. Seis aninhos. Os cinco anos tinham sido celebrados só com os pais em Londres; nos anos anteriores, antes da pandemia, sempre em Portugal, com a família mais alargada, com mar por perto e muita brincadeira.

Este ano, vieram duas amiguinhas. Outro dia virão outras duas  e assim a concentração dentro de casa é menor. A primeira menina a chegar veio com a mãe, de olhar sereno e olhos morenos, que usava hijab preto, túnica até aos pés e trazia máscara. Logo que chegou, tirou os sapatos e pediu para lavar as mãos. Tinha feito teste rápido em casa. Já nos conhecíamos do tempo em que as meninas andavam no infantário. Disse-me que eu estava mais magra e fiquei contente. E ainda mais ao conseguir manter um diálogo com ela em língua inglesa.

Depois, chegou a outra menina, nuns fortes e altos seis anos, de longos cabelos em rastas. Vinha também com a mãe, desta vez sem máscara.

Éramos cinco adultos e quatro nacionalidades. É Londres, pois então. Todos cantámos Happy Birthday. Depois disse à minha filha: vamos cantar em português. Não souberam acompanhar, mas a alegre empatia continuou. 


 

sábado, 28 de agosto de 2021

Tive pena de ser discreta

 

Quando passei pelo casal no parque, tive pena de ser discreta porque me apetecia olhar para eles mais longamente, enquanto caminhavam lado a lado.

E não é que se via logo que eram (e)namorados de fresco? Já teriam vivido muitos e muitos aniversários, festejados ou não, isso não sei. Aqueles sorrisos entre a alegria e  o enamoramento não são muito comuns em casais que vivem juntos há muito tempo. Infelizmente, of course.

Apetecia olhá-los sem lhes roubar ou diminuir o êxtase amoroso dos sorrisos e da cumplicidade. Para eles se aperceberem que tornavam o parque ainda mais bonito, embora os parques de Londres sejam do mais bonito que há.

Acho que, quando deparar com cenário semelhante, vou deixar de ser tão discreta. Deus queira que eles também.

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

A chegada e os comeres da saudade

 

Até agora, quando eu ia a Londres, sempre apanhava o comboio depois do avião. Desta vez, apanhei um táxi por recomendação repetida: mãe, no comboio, andam sem máscara, não é conveniente. 

Depois de 18 meses de encontros só  pela net, finalmente podia estar com os meus amores de Londres. A menina estava mais crescidinha e de olhinhos radiantes. Eu nem queria acreditar que dávamos abracinhos (depois de tomar banho, mudar de roupa e... fazer teste rápido. Mãe, viajar de avião é das coisas mais perigosas! Claro, filha, eu sei, bora lá!).

Depois, foi o tirar de coisas da mala, umas mais tugas do que outras: lombinhos de bacalhau, marmelada, compota... Ah, e maracujás e figos do quintal.

Os presentes seriam abertos na celebração dos seis aninhos daí a dias.

Ao jantar, ele, com o seu sotaque americano, embora se esforce em falar comigo em português, falou de pataniscas e queria saber como se faziam. No dia seguinte, em modo de 24 Kitchen,  expliquei-lhe. Ele via e fazia também. 

Disse-lhe para juntar sal e logo ele: mas o bacalau é salted. Eu achava que já não estava. Afinal, ele tinha razão. Sorry. Mesmo assim, desapareceram todas. E falou-se também das bolinhos de bacalau. Fi-los num dos dias seguintes e ficaram bem bons. Estavam consolados a saboreá-los e eu consolada de os ver assim.

E quase não houve dias suficientes para os comeres da saudade.

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Sete dias/mais páginas

 

Desta vez, foram sete dias. Na despedida, prometi: quando puder, volto e fico dez dias. Ela contou pelos dedos pequeninos, sorriu e deu-me mais um abracinho. Ainda estava com ela, mas já sentia saudades. Isso nem valia a pena tomar nota no meu caderninho. Impossível esquecer.


No primeiro dia, cheguei ao aeroporto Francisco Sá Carneiro, umas duas horas antes do voo da TAP Porto-Gatwick. Fila grande e demorada para entrega de bagagem, confirmação de teste covid e inquérito de localização preenchido. O meu stress de andar de avião aumentava.

Finalmente: porta 11. Boa viagem.

Antes de chegar à porta 11, vi que já lá não havia ninguém. Uma senhora da groundforce vem na minha direção. Pergunta-me o nome. Tinha de me despachar. Acelerei o passo. O meu stress distraiu-se.

Coube-me um lugar junto de um casal e uma criança pequenina. Preferia não ir assim tão junta, apesar de todos usarmos máscara. Pedi para mudar. Sim, com certeza. Podia escolher, apesar de haver poucos lugares vagos. Numa fila, só estava um sujeito que dormia profundamente junto da janela. Fiquei mais à vontade e o casal também, de certeza.

Serviram bebidas e snacks. Tudo agora é pago. E com cartão de débito ou crédito. Pedi um copo de água. Perguntei se tinha de pagar. Não, só água é para comprimido, disse-me sorrindo o comissário de bordo (não sei por que não se diz hospedeiro, se elas são hospedeiras!) de cabelo grisalho e bonitos olhos azuis. O meu stress diminuiu.

O comandante anunciava a descida. Em breve, estaríamos em terra, que é onde gosto de estar, apesar de não ignorar o céu. O meu stress reduzia-se.

Aterrámos. Landed. 18 graus e alguns minutos depois das 11 h da manhã, a mesma hora que no Porto. 

Quando foi permitido, enviei mensagem rápida com emoji de sorriso.

Stress over. 

 

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Maresias

 

 

Quando vai a Mindelo, e já o faz há um bom par de dezenas de anos, percorre quase sempre o mesmo passeio à beira-mar, toma um café quase sempre no mesmo sítio, compra pão na mesma padaria, olha para o mar nas mesmas direções, etc.

Mas as pessoas vão mudando. A cigana que vende roupa todos os verões envelheceu ou  era outra familiar mais velha e o tempo confundiu-as. O cigano é que era de certeza o mesmo, mas menos direito e menos galã. 

Viu uma mulher que ainda há poucos verões era menina. 

A miúda do quiosque já lá não está e o quiosque também não. 

O dono do café, fervoroso adepto do F.C.P, que recebe gente de diferentes clubes, começou muito novo. Agora tem o cabelo grisalho e precisa de óculos para temperar as delícias que são servidas com a cerveja a borbulhar.

No mar é que não vê diferenças. Belo e incansável como sempre. E fica a olhá-lo como se o presente fosse duradoura maresia.

 

Mindelo - momentos de um dia

 





segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Hoje - na cidade com mar ao fundo

 

 

Hoje em Espinho, antes das dez da manhã, o sol estava tímido, grupos de jovens com pranchas de surf ainda preferiam o convívio no passadiço. As esplanadas estavam quase vazias. Pouca gente passeava. Várias pessoas olhavam o mar. Havia quem corresse e logo se via que não era só treino de agosto. Um casal de mão dada passou com ar de quem está feliz por ter tempo livre. Logo passou um homem de calças vermelhas e laca no cabelo esticado, parecendo vir arejar de perdas ou ganhos no casino. Muitas famílias iam chegando carregadinhas de defesas do sol, do vento, da fome, da sede, dos tempos mortos dos miúdos...

Vários surfistas, indiferentes a tudo isto, elevavam-se ou afundavam-se na crista da onda. Um fotógrafo esperava-lhes a melhor posição.

O dia aqueceria e a esta hora o verão será mais verão.

Não sei se o papagaio de papel continua a voar. Se sim, o bocadinho da praia por onde passa fica ainda mais bonito.



domingo, 8 de agosto de 2021

Que bom se fôssemos assim!

 

Hoje vi que uma das plantas que tenho dentro de casa estava triste e de folhas caídas de murchas. Já tinha reparado que lhe faltava alguma coisa, para além do ar e da luz. Só que quando eu passava, o tempo estava a passar depressa e logo pensava: venho daqui a pouco tratar de ti.

Só que demorei.

O estado de abatimento da planta já era grande. Há pouco, peguei no vaso, trouxe-o para a cozinha e dei-lhe a água de que precisava, pelos sinais mais do que evidentes de sede.

E não é que, passados alguns minutos, a planta ganhou a postura e viço iniciais? 

De fazer inveja aos humanos. Será que a planta queria dizer que basta o essencial para se ganhar novas forças? 

O que tenho de aprender!


sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Nem só diferenças

 





 

Desta vez, foram as flores que me chamaram na casa materna - minha e delas.

 

 

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Ternura 2 em 1

 

          

 Foto tirada hoje na casa materna - minha, e dos gatos!!!



quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Mina

 

Há muito tempo que o grupo tinha o hábito de se encontrar à hora do almoço. Todos trabalhavam nas imediações e foram-se conhecendo em circunstâncias várias. À hora do costume, chegavam, sentavam-se e havia sempre peripécias do dia para contar. Os empregados do restaurante já lhes conheciam os hábitos.

Naquele dia, a conversa foi para casos de família. Como já sentiam à vontade uns com os outros, Mina não se ficou pelo anedótico. Também não fazia muito o seu género. Falou do pai. Que nunca tinha ouvido um elogio da boca dele. E que lhe dizia com frequência e com ar recriminatório que era uma desajeitada, ao contrário das filhas dos amigos. A sua mágoa era grande.

Os dias sucederam-se. Também os almoços e as conversas. Um dia, Mina, num estender do braço, partiu um copo. A água jorrou sobre as calças da colega do lado que, perante o incidente, logo disse: o teu pai tinha razão, és mesmo desajeitada.

Mina nunca mais foi almoçar com o grupo.


terça-feira, 3 de agosto de 2021

O sabonete

 

Sempre que os vejo em prateleiras do supermercado, não resisto a olhar e muitas vezes a comprar. E então quando os vi numa loja Ach. Brito bem apelativa, o fascínio foi ainda maior. Refiro-me aos sabonetes Patti. Cheiram a bocados bastante felizes da minha infância. 

Na casa de banho das minhas tias - viviam numa casa de lavoura, grande e antiga - nunca conheci outro cheiro. Sempre que ia a casa delas, gostava de ir lavar as mãos para que o perfume do sabonete Patti ficasse entranhado na minha pele durante algum tempo. Os sabonetes eram pequeninos e verdes - via-os sempre sem o papel de fora.

Havia uma janela de vidros pequenos que estava sempre aberta para os campos, mas o perfume do sabonete Patti nunca desaparecia.

Na última vez que fui à casa das minhas tias, há um par de meses, antes de a última delas falecer, lembrei-me apenas do cheiro do sabonete Patti. O mais certo era já não existir. Assim, continua a perfumar bocados bastante felizes da minha infância.

 

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

O campo de férias

 

Hoje era o primeiro dia do campo de férias. A menina estava felicíssima. A mãe, perante o entusiasmo dela, sorriu-lhe. 

- Também acho que vai ser bom o campo de férias. 

- Para mim, vai ser bom por duas coisas importantes.

- E quais são?

- Uma delas é porque duas amigas da minha sala também vão.

- Que bom. E a outra, filha? 

- Estou feliz por levar a minha lancheira.

Despediram-se.  Saboreando a maravilha de uma simples lancheira também o poder ser.

 

 

domingo, 1 de agosto de 2021

O sorriso namorador

 

Ela não lhe chama ritual. Apenas o dia de domingo.

Ao fim da tarde de sábado, prepara a roupa que quer usar no dia seguinte. Não é que a variedade seja muita, mas como não engorda nem emagrece, a roupa dura-lhe muitos anos. Vai à caixinha das joias e escolhe os adereços a condizer: brincos, anéis, um alfinete, pulseiras e um fio de ouro com uma medalha. Fora o fio, é tudo pechisbeque, mas acha tudo lindo e colorido, assim como a caixinha que comprou numa excursão a Aveiro. Pega nela com muito jeito para não partir, nem cair nada, porque já lhe custa vergar-se.

Depois é só esperar pelo domingo. Antes das nove horas da manhã, já está feliz e esmerada na paragem da camioneta que a leva ao Porto, onde se encontra com as amigas, no mesmo Centro Comercial. 

São sempre as mesmas e os vizinhos de mesa também. Um deles namora-a com o olhar e sorri-lhe. Um dia, arranjou coragem para lhe dizer que ela era bonita e que gostava muito do cabelo dela aos caracóis. 

Quando ouve elogios, ela sorri com sorriso namorador, porque não os ouviu durante longos anos.

Nem quer pensar no tempo em que o Centro Comercial esteve fechado por causa da pandemia. Um dia, nervosa, quase deixou cair a caixinha das suas joias a limpar o pó. O que vale é que se lembrou do elogio namorador, quando viu os caracóis grisalhos, mas ainda juvenis do seu cabelo. Até são bonitos, pensou, namorando a sua imagem refletida. 

Há muito que voltaram as manhãs de domingo passadas no Centro Comercial. Hoje, antes das nove da manhã, já estava ela à espera da camioneta. Acenei-lhe e parecia feliz. Talvez à espera do sorriso namorador no Centro Comercial.


 

sábado, 31 de julho de 2021

Tirar o dia para si. Leia-se para mim

 

Hoje resolvi tirar o dia para mim, sem tirar o carro da garagem. Levantei-me cedo e o pequeno almoço foi o do costume, mas talvez mais devagar. Reforcei a caneca do café várias vezes e a minha compota de framboesa no pão escuro soube-me bem.

Fui regar o jardim e o quintal. Já não o fazia há uns dias. À hora em que o sol aquece menos, tenho tido outras coisas para fazer. Não sei se mais importantes, mas que, para mim, tinham de ser feitas. Neste momento, as plantas estarão a saborear a frescura da água que lhes dei a beber pela fresca.

Depois a mangueira deu sinais de o precioso líquido ter esgotado por umas horas. Desliguei o interrutor. Descansa, recupera o fresco alento, pensei eu. Hoje não te canso mais. Mereces o descanso. Sei que amanhã voltarás, água do meu poço tão antigo e tão presente. E cada vez mais necessário.

Agora escrevo as minhas coisas, que serão pequenas, mas que sem elas a minha vida não seria a mesma coisa. E não me posso queixar. Isso seria uma afronta e desrespeito para tanta gente com tanta carência e tanto sofrimento. 

E também quero ler. Avançar nas páginas do livro que ando a ler de Afonso Cruz - um escritor-poeta-ilustrador-músico... De corpo grande e largo. E também o sorriso. Parece quase ingénuo, mas não é de certeza. Deve é conhecer verdades que muitos desconhecem.

Também a mim - eu que não sou nada disso (a não ser no corpo) - já me chamaram lírica várias vezes. E também ingénua. Se calhar, até sou, embora ache que não sou, mas, neste momento, não estou preocupada em pensar se o sou ou não sou.

Pronto, estou a tirar o dia para mim. Tirar um dia para si também pode saber bem.

Bom sábado e que seja um sábado que a todos saiba bem. 

 

 

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Dunas


        de azur

                           ar

                                     Azurara - Vila do Conde



 

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Olga de seu nome

 

Às vezes, passava aqui à minha porta na caminhada que fazia diariamente. Sempre apressada em andar quase nervoso no seu corpo grande e ossudo. Também o rosto era magro e os olhos pareciam mais negros e fundos. Um dia, eu ia a sair e perguntei-lhe como estava. Mal, respondeu, e foi dizendo: antes da pandemia, chegava à noite cansada de trabalhar, agora chego à noite cansada e desanimada de não ter trabalho. O que me vale são as caminhadas para arejar a cabeça. 

E a cena repetiu-se mais duas ou três vezes. Depois, achei que o melhor era dizer só olá, sorrir-lhe e deixá-la seguir no seu passo largo e decidido. Também nunca tido sido de muitas falas, para além do essencial.

Hoje, reencontrei-a na empresa onde sempre trabalhou e que, durante largos meses, quase deixou de laborar por falta de encomendas. Sorriu-me. Vejo que agora anda mais contente. Ai não, disse ela, continuando apressada, agora para a banca de trabalho onde os seus dedos traquejados 'enchiam' as peças de filigrana, desenhando e cortando os finos fios de prata.

 

terça-feira, 27 de julho de 2021

'Diz o avô' - Luísa Ducla Soares

 

Gosto muito da escrita de Luísa Ducla Soares - uma escritora para crianças, como é conhecida. Haverá, porém, barreiras na escrita? Julgo que não, apesar de necessárias diferenças.

 Por estes dias, tem-se falado mais dos avós. Bem merecem. E que a atenção continue, é claro. 

 

'Tens cabelos brancos.
Mas porquê, avô?
Caiu muita neve
na estrada onde vou.

Tens rugas na face.
Mas porquê, avô?
Bateu muito sol
na estrada onde vou.

Tens olhos baços.
Mas porquê, avô?
Pousou nevoeiro
na estrada onde vou.

Tens calos nas mãos.
Mas porquê, avô?
Parti muita pedra
na estrada onde vou.

Tens coração grande.
Mas porquê, avô?
Nele mora a gente
que por mim passou'.

 

Luísa Ducla Soares in A Cavalo no Tempo


 

segunda-feira, 26 de julho de 2021

A língua francesa, os gatos e je t'aime.

 

Todos estranhámos. Uns mais do que outros, é verdade. Ela entrou na reunião a falar francês e assim continuou até ao fim. No início, as pessoas entreolharam-se, sorriram, e alguém perguntou até por que não falava português como toda a gente. Ela respondeu, convicta, que naquele dia preferia usar a língua francesa e assim continuámos. Todos nós que estamos aqui sabemos francês, acrescentou, para pôr ponto final ao assunto.

Toda a gente sabia que ela era excêntrica, que vivia só e rodeada de gatos. Tinha-os às dezenas no quintal e como a porta da cozinha estava sempre aberta, os bichanos circulavam pela casa toda à vontade. Dormiam onde queriam, saltavam onde podiam e brincavam com tudo o que encontravam que era quase tudo porque tudo estava à mão, ou melhor, ao alcance da patita. Era assim que se sentia bem. Já feliz, não sabia bem se era, porque preferia tratar dos gatos a pensar nisso. O pensamento ficava para o trabalho.

Pois bem, os assuntos agendados para a reunião foram tratados e no final ela despediu-se, usando sempre a língua francesa: au revoir, je vous aime.

Como se afastou logo, não ouviu um comentário: 

Gostava de saber se alguma vez esta mulher ouviu um 'Je t'aime'. 

                   Sabia, no entanto, que ela nunca lho diria.

 

domingo, 25 de julho de 2021

O tanque, a água e as gotas do oceano

 

Era eu adolescente quando nos mudámos para a casa onde a minha mãe continua a viver. É aldeia, mas onde nós morávamos era mais aldeia ainda, apesar de ser a mesma aldeia. Havia muitos campos à volta e os lavradores deslocavam-se com os seus carros de bois que passavam ronceiros.

Ora, alguns desses campos tinham nascentes que eram aproveitadas para tanques onde as mulheres iam lavar a roupa e, tantas vezes, limpar a alma do pó duro das suas vidas, enquanto ensaboavam, esfregavam, espremiam, torciam a roupa.

Como não havia máquinas de lavar, também a minha mãe lá ia. E muitas vezes eu ou a minha irmã. O meu irmão não, porque era mais novo e esses sítios eram como o chorar, isto é, não eram para homens.

Como a nova casa ficava um pouco mais distante, foi feito um tanque para lavarmos a roupa. A minha mãe queria-o grande, porque estava habituada a larguezas de água. Com o tempo, foi vendo que havia muito desperdício do líquido que viria a fazer muita falta - dizia ela, mesmo sem se ouvir ainda falar do assunto. Por isso, algum tempo depois, mandou fazer uma parede, reduzindo o tanque em mais de metade. Quando agora o uso para lavar algumas peças de roupa mais sujas ou mais delicadas, recordo essa mudança e os alertas da minha mãe, tão atuais e necessários agora.

E sempre a vi a aproveitar água da chuva para regar as plantas ou para lavagem de alguns espaços. Também as águas de lavar legumes não iam pelo cano abaixo. Louvo-lhe esses cuidados que mais pareciam nascer dela, porque nunca foi de passar muito tempo a ouvir rádio ou a ver televisão.

Não sei como estará esse lavadouro da minha infância, agora que já ninguém lá vai. Deus queira que a nascente não tenha secado. Parece que não tem nada a ver, mas não me posso esquecer de fechar a torneira enquanto lavo os dentes. A gente às vezes esquece-se de que o oceano é feito de muitas gotas.

 

sábado, 24 de julho de 2021

'BEMBOM'

Bem Bom (2021)


Vi o filme BEMBOM, estreado recentemente, sobre as DOCE, a famosa girlband portuguesa dos anos oitenta. Dentro do género, achei engraçado, vivo. Contando a história da formação da banda, levanta problemas como  questões de género, mentiras sensacionalistas, entre outros.

E estão lá canções que estão no ouvido de muitos de nós, em gravações das vozes originais das DOCE, com interpretação de quatro atrizes que, na minha modesta opinião, vestiram muito bem o seu papel, não lhes faltando alegre energia. São elas: Bárbara Branco, Lia Carvalho, Ana Marta Ferreira e Carolina Carvalho.

Também aparecem no filme figuras do espetáculo muito conhecidas naquela época: Tó Zé Brito, Mike Sergeant, o costureiro Zé Carlos, etc.

Talvez não seja um filme para voltar a ver. Permite, no entanto, (re)conhecer hábitos dos idos anos oitenta, compreender a vida daquele grupo - tão ousado e tão popular - e relembrar músicas que podem trazer boas memórias para muitos, o que também não deixa de ser doce. E bem bom.

Realização: Patrícia Sequeira

Argumento: Cucha Carvalheiro e Filipa Martins. 

 

Passou, no início desta tarde, uma entrevista de Inês Maria Menezes, no programa 'Fala com ela', da Antena 1, com a realizadora do filme: Patrícia Sequeira. Vale a pena ouvir na RTP play.

As DOCE no original:

 

As atrizes que as interpretam:

sexta-feira, 23 de julho de 2021

À volta das rotundas

 

De há uns anos a esta parte, não faltam rotundas. Quando começaram a aparecer, foram criticadas, tal como acontece com muita coisa que é novidade. Mas, pensando bem, dão jeito e organizam melhor o trânsito. Pelo menos, as que conheço melhor.

Só não gosto é quando têm erva daninha alta, arbustos secos, pedaços de terra ressequidos. ou plantas grandes que não deixam ver bem para o outro lado. Como acontece às vezes em espaços separadores de estradas. Podendo-se mudar de sentido, não se consegue ver bem os carros que vêm em sentido contrário, de tão altas que as plantas são.

Pois bem, tenho reparado ultimamente que muitas rotundas se estão a alindar. E de que maneira. Ele são flores, ele são cores e formas combinadas. O resultado dá gosto e os olhos gostam de espaços bonitos. Se gostam. Eu diria que também os corações.

Oxalá que assim continue depois das eleições autárquicas. Os olhos gostariam e os corações também. Ah, assim como a crença nas instituições.

 

quinta-feira, 22 de julho de 2021

O homem da gasolina

  

Vou com frequência a uma bomba de gasolina onde há um funcionário que põe o combustível, recebe o dinheiro, tem máquina multibanco à mão, passa o recibo, enquanto o cliente fica sentadinho no carro a fazer essas operações. 

Ora, nessa bomba de gasolina, há sempre alguns carros em fila de espera, como esteve o meu nesse dia.

Como estava parada à espera, fui observando que o funcionário não parecia muito satisfeito com o que estava a fazer. Ou com a vida, não sei. Era a primeira vez que o via naquele posto de abastecimento. Punha o combustível a correr na garganta do carro e entrava na loja para logo depois sair.  Eu não podia ouvir o que dizia aos clientes, mas parecia-me ser parco em palavras. Deve ser antipático ou estar de mau humor, pensei eu.

Bom, chegou à minha vez. Logo que ouvi aquela voz das bombas de gasolina: 'você pediu gasolina simples', chegou uma rapariga com um café, dizendo-lhe que ia pô-lo na loja com o pires por cima para não arrefecer.

Compreendi, então, que, coitado, o funcionário ia almoçando ao mesmo tempo que vendia o combustível. Daí as constantes entradas e saídas. Ah, parecia discreto e foi muito simpático. 

Às vezes, as lentes da distância desfocam a realidade, levando-nos a formular juízos sem juízo nenhum.


quarta-feira, 21 de julho de 2021

Desta vez, com rio ao fundo!

 

Ilusão, mas não mentira


terça-feira, 20 de julho de 2021

Neblina na cidade com mar ao fundo

 

Hoje de manhã, este pedaço de praia de Espinho era quase um deserto. Caía uma chuvinha miúda. No passadiço, havia, no entanto, quem corresse, quem caminhasse, quem olhasse as ondas quase silenciosas do mar, quem fechasse o guarda-chuva, quem procurasse um abrigo... E desejei que o sol brilhasse. E que aparecessem mais pessoas. E que as esplanadas se recheassem. E que a praia ganhasse cores. E que o mar fosse abraçado...

Talvez à tarde. Às vezes, é preciso esperar.

Marcas de dias com pés mais quentes

Cadeiras vazias e palmeiras do sol saudosas

O areal que já foi bem maior



segunda-feira, 19 de julho de 2021

Juliette Binoche - Et Si Tu N'existais Pas

 
E se a música não existisse? Ou o sorriso? Ou o amor? Ou a amizade? Ou a arte? Ou a boa comunicação? Felizmente, sim! 
Malgré tout!
BOA SEMANA!
 
 
Canção na voz de Joe Dassin 
Imagens da atriz Juliette Binoche

domingo, 18 de julho de 2021

Conversa mansa com teste dentro

 

- Por que tenho de fazer novo teste covid?

- Avó, porque esteve com o João e ele testou positivo.

- Eu já estou vacinada.

- Não é suficiente.

- Tinha de usar máscara?

- Também, avó.

- Só para falar com o João?

- Sim, avó. Ele não vive cá em casa.

- Como posso ter ficado infetada, se ele é tão querido e tão mansinho?!

 

sábado, 17 de julho de 2021

O apartamento - o consultório

 

Quando saímos do apartamento, as minhas filhas eram muito pequenas. Eu ia com elas a um pediatra que me disse ir mudar de local do consultório e deu-me a nova a morada. Que coincidência, pensei eu. Ele tinha alugado o nosso ex-apartamento, para espaço de trabalho. 

Na consulta seguinte, lá fui eu com as meninas. No que era sala de visitas e sala de jantar, funcionavam escritórios; a cozinha era a sala de espera para o médico e a casa de banho era comum. À entrada, ainda lá estava o papel que eu havia colado no armário do quadro elétrico e reconheci um autocolante engraçado na parede da cozinha (agora sala de espera), deixado pelas minhas crianças. Não podia conter alguma emoção, porque, apesar de estar tudo bastante diferente, via marcas do tempo em que lá tínhamos vivido.

Ora, o consultório era precisamente no lugar que tinha sido o quarto. Quando entrei com as minhas filhas, ainda quase de colo porque a diferença de idades é pequena, logo contei ao pediatra que tinha vivido naquele apartamento. Contudo, o que tem uma carga emotiva para uns pode não a ter para os outros, porque as vivências também diferem. Foi o que aconteceu. Para ele, seria apenas o novo espaço de trabalho. Mudámos de assunto e a consulta decorreu normalmente.

Quando saí, acho que ainda olhei para trás, sentindo, porém, que aquele espaço já se tornara para mim bem mais distante. Como vai acontecendo ao longo da vida. Embora permaneçam emoções à flor da pele.

 

sexta-feira, 16 de julho de 2021

O apartamento - o frango assado

 

Vivíamos há coisa de um ou dois anos no apartamento, quando vimos que havia obras na loja do rés do chão. Naquela altura, a palavra condomínio ainda não era usada. Pelo menos, eu não a conhecia. Em breve, apareceu um anúncio bem vistoso: uma churrascaria. Que bom, dissemos nós. Quando quisermos, temos o jantar pronto. É só descer as escadas. 

Em breve, já havia frangos a assar na brasa. Picantezinhos e bons. Só que o estado de graça dos ditos durou pouco tempo, isto é, deixámos de lhes achar graça e deixou de ser alternativa para o jantar. É que o cheiro e o fumo entravam por todo o lado. Ah, e o ruído vagabundo de um exaustor bastante mal amanhado.

Queixei-me. O melhor é arranjarem um sistema para o cheiro e o fumo não se espalharem nem haver tanto ruído. Está tudo como manda a lei, respondiam-me. Ele era cheiro a frango na casa, ele era cheiro a frango na roupa a secar, ele era cheiro a frango por todo o lado. Nos dias mais quentes, se estávamos em casa, quase virávamos assados como os frangos, porque não podíamos abrir portas nem  janelas.

Havia, porém, um dia, pouco amado habitualmente, mas que era bem-vindo: a segunda-feira - o dia de folga da churrascaria.

Já lá não vivo há muitos anos, a churrascaria existe ainda com os mesmos donos e vejo que se modernizou. Felizmente. E já lá tenho ido comprar frango de vez em quando, mas só o consegui fazer muito tempo depois de lá ter saído.

 

quinta-feira, 15 de julho de 2021

O apartamento - a gaiola

 

Quando me casei, vivi cinco anos num apartamento. Tínhamos uma varanda. Como sempre vivi com flores e plantas à minha volta, tinha vasos. Julgo que eram begónias, mas, como foi há muito tempo, já não me lembro muito bem. Do que me recordo com nitidez é da gaiola de pássaros que lá estava pendurada e onde viviam canários e periquitos. A gaiola tinha sido feita por um homem muito velho e muito habilidoso. Fizera-a com todo o esmero e carinho. Eu achava até que os pássaros, apesar de estarem presos, tinham uma boa casa, uma boa alimentação, boa sombra e podiam olhar o quintal em frente onde havia muitas camélias já muito antigas. Logo, viviam bem. E muitas crianças para verem brincar, na rua estreita das traseiras, onde quase não passavam carros. O tempo também permitia as brincadeiras e correrias fora de casa e em total liberdade.

Ora, um dia, tendo ido nós trabalhar e não havendo ninguém no apartamento, os miúdos resolveram fazer pontaria, atirando pedras à gaiola. Quando cheguei a casa e fui à varanda, deparei com a gaiola danificada e vazia. Nem queria acreditar. Os pássaros tinham fugido. Naquele momento, achei-os, estupidamente da minha parte, ingratos, porque os tinha tratado sempre bem e podiam, ao menos, ter esperado por mim. Mas, enfim, era verdura minha.

A partir daí, não mais tive pássaros. Ansiava é que tivessem saído em liberdade, mas sem ferimentos, como as que via na gaiola.

Levei a gaiola para casa da minha mãe (à casa das mães, vai parar muita coisa!) e lá ficou durante muito tempo. Se fosse agora, sem tantos horários a cumprir, se calhar, consertava-a e dava-lhe outro destino, mas não sei, porque só se sabe o que se faz; o que se faria é preciso adivinhar. De uma coisa, acho que estou certa: não seria para pássaros.