domingo, 1 de agosto de 2021

O sorriso namorador

 

Ela não lhe chama ritual. Apenas o dia de domingo.

Ao fim da tarde de sábado, prepara a roupa que quer usar no dia seguinte. Não é que a variedade seja muita, mas como não engorda nem emagrece, a roupa dura-lhe muitos anos. Vai à caixinha das joias e escolhe os adereços a condizer: brincos, anéis, um alfinete, pulseiras e um fio de ouro com uma medalha. Fora o fio, é tudo pechisbeque, mas acha tudo lindo e colorido, assim como a caixinha que comprou numa excursão a Aveiro. Pega nela com muito jeito para não partir, nem cair nada, porque já lhe custa vergar-se.

Depois é só esperar pelo domingo. Antes das nove horas da manhã, já está feliz e esmerada na paragem da camioneta que a leva ao Porto, onde se encontra com as amigas, no mesmo Centro Comercial. 

São sempre as mesmas e os vizinhos de mesa também. Um deles namora-a com o olhar e sorri-lhe. Um dia, arranjou coragem para lhe dizer que ela era bonita e que gostava muito do cabelo dela aos caracóis. 

Quando ouve elogios, ela sorri com sorriso namorador, porque não os ouviu durante longos anos.

Nem quer pensar no tempo em que o Centro Comercial esteve fechado por causa da pandemia. Um dia, nervosa, quase deixou cair a caixinha das suas joias a limpar o pó. O que vale é que se lembrou do elogio namorador, quando viu os caracóis grisalhos, mas ainda juvenis do seu cabelo. Até são bonitos, pensou, namorando a sua imagem refletida. 

Há muito que voltaram as manhãs de domingo passadas no Centro Comercial. Hoje, antes das nove da manhã, já estava ela à espera da camioneta. Acenei-lhe e parecia feliz. Talvez à espera do sorriso namorador no Centro Comercial.


 

18 comentários:

  1. Que maravilhosa publicação de Domingo, amiga Dolores!!
    Adorei este beloe ternurento texto. Como é que eu nunca me lembrei de escrever isto? Pois...o poder imaginativo é uma espécie de ovo de Colombo...quando vemos/lemos é que nos parece tudo tão fácil e simples de fazer...
    Adorei mesmo! Quem não gostaria de se embonecar toda, sabendo que tinha um olhar namorador à sua espera? Até eu não passava mais nenhum domingo feita gata borralheira. Ai, isso não...! 😊

    Beijinhos e muitos parabéns.

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    1. Sempre querida, amiga Janita. Obrigada. Saiu-me ao ver a senhora na paragem da camioneta.
      Ela é muito engraçada e ao domingo capricha mesmo. Nada de gata borralheira. E teve uma vida muito complicada. Talvez por isso não fuja dos olhos namoradores!!!!
      Um xi-coração.

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  2. Esqueci de fazer referência ao vídeo cujas vozes e canção gosto muito.
    Já o publiquei algumas vezes. Para este texto, era a canção que se esperava. Sem dúvida, excelente escolha.
    + um abraço.

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    1. Também gosto muito desta música.
      Querida Janita, bom restinho de domingo.
      Um beijinho.

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  3. Obrigada, Cidália.
    Um beijinho e descanse bem.

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    1. Que bom, Gracinha. Um bocadinho de poesia da vida.
      Um beijinho e boa segunda-feira.

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  5. Creio, como a Janita, que a canção vai bem com a História. A voz de Gal Costa rima na perfeição com a de Tim Maia.
    Boa semana, Maria.

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  6. É bom quando na semana há um dia que apetece festejar. Seja ele domingo ou qualquer outro.
    Boa semana também, Bea. Obrigada.

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  7. Morar perto de uma paragem é sempre inspirador. Boa crónica Maria Dolores.

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  8. Não é que seja muito perto, mas como conheço a senhora e sei como gosta da manhã de domingo, logo que a vi, sorrimos e trocámos acenos.
    Um dia também com sorrisos, Joaquim.

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  9. Uma das minhas filhas leu o post e logo identificou a tal senhora. Sorrimos ambas com ternura, porque a história dela é bonita, sem dúvida.

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