quinta-feira, 2 de maio de 2024

A palavra lento nunca andou tão depressa

 

Desde que o prof Marcelo, em momento de descompressão comunicativa, como tantas vezes lhe acontece,  atribuiu o adjetivo lento ao ex-primeiro ministro António Costa, por ter raízes orientais, e incluiu rural na caracterização do 1o ministro atual, por não ter nascido nem em Lisboa nem no Porto, tem sido um ver se te avias para estas duas palavras. Foi como se se tivessem escapado de um saco onde estavam à espera de sair para (se) divertirem um pouco mais.

Ele é ‘sabes como é, sou oriental, por isso sou lento’; ‘desculpa, sou rural, daí não se ter percebido bem o que disse’, etc, para não falar de anedotas que logo aparecem e que nos fazem rir - coisa de que bem precisamos.

Mas o que não suscita bom humor, na minha opinião,  é ouvir a mais alta figura da nação caracterizar as pessoas pela terra onde nasceram. 

Sr Presidente, sente-se bem? Será que nascer em Cascais aponta logo para a primeira linha? Ai, senhor presidente, cá para mim, rural porque nascida numa aldeia de Gondomar, o senhor padece da solidão do poder e quando se apanha com muita gente à frente, as palavras saem-lhe sem controlo.

Confesso que não votei em si, mas não gosto que o acusem, como aconteceu num dos discursos do 25 de Abril, com desventuradas e gritadas palavras,

Desculpe, mas também deve evitar falar do neto preferido, ou do seu famigerado filho com quem cortou relações. Também acho que ele o deixa ficar mal e tem comportamentos de caixão à cova. Ah, e ele também deve ter nascido em Cascais. Como o classifica quanto a isso?

Ai, senhor presidente, muita gente, na qual me incluo, anda cansada de tanta coisa que é dita, redita, desdita…por si e não só, apesar de a maioria de nós, cidadãos, não querer outro regime que não seja o democrático.

Sente-se um bocadinho, tente ser um bocadinho mais lento, ainda que não seja oriental, e imagine-se um bocadinho rural, ainda que tenha nascido na zona privilegiada do país. Pode estar certo de que muita gente continua a gostar de si  e não faltarão pessoas a querer ficar nas suas selfies.

Ah, é verdade, um dia destes ouvi Ana Paula Tavares, no podcast ‘A beleza das pequenas coisas’. Retive uma frase que ela disse ‘A velhice tem-me ensinado a virtude da lentidão, ajuda a sermos mais perfeitos e a termos mais  atenção pelas coisas’. 

A poeta e professora nasceu em África. Nem lhe pergunto como a classificaria por isso. Nem o senhor presidente responderia porque todos nós, sejamos lentos, rurais ou o que quer que seja, temos outra grande virtude: podemos aprender até morrer.


8 comentários:

  1. Aprecio a subtileza com trata o assunto — escrita de mestre.

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  2. Não há como evitar dizer Maria Dolores e eu até votei mesmo nele: o homem ou está cheché ou bebeu dois copitos a mais.

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    1. Sim, realmente, o prof Marcelo não anda bem. É triste porque ele tem muita visibilidade e procura-a por tudo e por nada.

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  3. Lembrei-me do silêncio é de ouro.
    Gostei muito deste texto e em parte foi o que pensei também sobre o sucedido.

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    1. Obrigada, Gábi. Sim, às vezes, o silêncio seria bem melhor para todos. Um beijinho e boa semana

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  4. Tens toda a razão, Dolores. Foi só mais um dos momentos de descompressão comunicativa do presidente. É feitio.
    Beijinhos.

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    1. Ele é humano, mas a posição que ocupa traz-lhe ainda mais exigências. Oxalá ainda vá a tempo de se conter mais, porque o ruído já é tanto tantas vezes!
      Um beijinho e boa semana

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