domingo, 26 de maio de 2024

O ‘não fez nada’ está na moda


Pelo menos desde que a atual ministra do trabalho criticou duramente Ana Jorge por não ter feito nada na Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, já ouvi até jornalistas a dizer que fulano ou fulana de tal não fez nada no cargo que exercia.

Não estou lá para ver, mas custa-me bastante aceitar que uma equipa não faça nada. Pode ficar aquém das expectativas, não ter resolvido problemas essenciais, mas dizer que não se fez nada é, muitas vezes, uma forma de puxar a cadeira para que outra pessoa se sente nela o mais depressa possível. Se a moda pega, nem é preciso arranjar muitas justificações - dizer e repetir que alguém não fez nada no cargo é o pontapé para saída da pessoa que se quer ver substituída e não o pontapé de saída para se conhecer a realidade.

A moda não se ficará só pela política. E nem são precisos muitos adereços: basta poder e alguma arrogância.

Recordo-me de ter ouvido um dia uma professora dizer desesperada, depois de um momento difícil na sala de aula: ‘Não valho nada’.

Sentir que não se vale nada será muito diferente de ouvir que não se fez nada?


2 comentários:

  1. Concordo em absoluto com o facto de que a moda do "não fazer nada" não pode ser transversal a todas as situações. Afinal, num mundo onde a eficácia e a produtividade são constantemente escrutinadas, é uma acusação grave e, muitas vezes, infundada. Dizer que alguém "não fez nada" no cargo é, na maioria das vezes, uma manobra política para desestabilizar e substituir, sem considerar as nuances e as dificuldades inerentes à função. É como dizer que o cozinheiro "não fez nada" só porque o prato não saiu ao gosto do crítico — desvaloriza-se todo o processo e esforço envolvidos.

    Contudo, há situações em que, de facto, não fazer nada é um crime. Não estou a falar de não resolver todos os problemas do mundo, mas de inação perante situações graves como assédio, corrupção, usurpação de poderes, compadrio, prevaricação e peculato. Nestes casos, a inércia não é apenas uma falha de caráter ou de competência, é uma cumplicidade tácita com o mal. Aqui, o "não fazer nada" é uma omissão grave e punível, uma verdadeira traição ao dever e à ética. É negligência dolosa.

    Não estou a dizer que seja o caso, nem estou a dizer que não o é.

    Vamos aguardar, que ainda a procissão vai no adro.

    Nota: Qualquer semelhança com a realidade, é mera coincidência. Este disclaimer é válido tanto na presente data, como após conhecimento das conclusões do inquérito parlamentar.

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  2. Antes de mais, muito obrigada pelo comentário. Que privilégio recebê-lo.
    Quando escrevi o texto, tinha na cabeça sobretudo o que havia sido afirmado sobre a gestão da Santa Casa da Misericórdia, mas o que diz no segundo parágrafo do seu comentário tem de ser lembrado cada vez mais. Lembrado e passado à prática, porque já houve - e continua a haver, embora menos e ainda bem - muitos silêncios e más cumplicidades que prejudicaram sobretudo os mais fracos com perdas e sofrimento, em muitos casos irreparáveis.
    Uma boa semana e apareça mais vezes, se quiser e puder.

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