sábado, 5 de outubro de 2013

Gostava de estar lá



"Não me procurem nas entrelinhas do que escrevo".
"Escrevo por um desejo irreprimível de falar da minha meninice".
Mário de Carvalho

Acabei agora de ouvir, na antena 2, uma entrevista com Mário de Carvalho, autor homenageado, este ano, na Escritaria, em Penafiel. Este contista, romancista, argumentista... sucede a António Lobo Antunes, Mia Couto, Agustina Bessa-Luís, José Saramago e Urbano Tavares Rodrigues.
O programa radiofónico continua e que bom é ouvir, na rádio, pessoas que escrevem, que gostam de livros, que revelam afetos, que se preocupam com o Mundo e com a Humanidade.

Para falar de Mário de Carvalho estão presentes, em Penafiel,  Lídia Jorge, Gonçalo M. Tavares, Ricardo Araújo Pereira. Carlos Avillez, José Fanha ("contagiador de palavras")...
Para não falar da presença de jornais e de televisões à volta de um escritor com muito público para o ouvir. O ambiente deve ser de festa que também se faz na rua.

RAP realçou o humor, a imaginação, a erudição ("uma espécie de criança erudita") de Mário de Carvalho.

 O encenador Carlos Avillez, a propósito do autor, também seu amigo, diz que as suas personagens são teatrais; ele não resolve os problemas, põe as questões.

E realça o teatro de rua que visionou em Penafiel, pela simplicidade, sentido crítico e tudo o que fica do(s) autor(es) convidado(s), referindo-se às caixas de cartão, frases que são deixadas na cidade para serem recolhidas por quem delas se abeira e que são recordações para serem lidas.

Lídia Jorge afirma que, recorrendo à  ironia, Mário de Carvalho escreve para vencer o mundo, apesar de parecer vencido. E acrescenta que,  através da sua obra, ele denuncia o que está errado no mundo e também em quem o governa, porque, como está escrito: " a realidade é muito abusadora".

Ontem à noite, foi lançado o livro de contos Liberdade de Pátio de Mário de Carvalho.

Com a leitura dos livros de Mário Carvalho ou pelas suas palavras espalhadas pela cidade, oxalá diferentes câmaras municipais ousem levar a cabo outras atividades que promovam, de forma também alargada e festiva, a cultura, em vez da construção de tantas rotundas.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Será isto (a)normal?


Os pais dos alunos haviam sido convocados para uma reunião. Vieram quase todos. A diretora de turma, bastante jovem, chegou apressada, com os saltos das botas a fazerem-se ouvir.

Deu as boas-vindas e, logo no início da reunião, falou da equipa formativa. São todos muito bons professores, gostam de ensinar e nunca faltam, disse. E acrescentou: até a professora mais velha, que já tem mais de cinquenta anos, prepara sempre as aulas, o que não é normal.

Entre os encarregados de educação, havia um casal de professores com mais de cinquenta anos. Perante o que ouviam, entreolharam-se, atónitos. Teriam ouvido bem?

Iam pensando para os seus botões: ser professor com mais de cinquenta anos e nunca ir dar aulas sem as preparar causa espanto? Isso não é normal? Até quem tem sessenta ou mais também o faz, habitualmente! Poderá haver um ou outro mais descuidado, mas isso acontece em qualquer idade.

Durante o regresso a casa, foram falando dos casais, conhecidos ou amigos, com o casamento em risco pelas constantes negas: hoje não posso sair porque tenho de corrigir testes; não é possível, porque tenho de preparar as aulas da semana…

E também recordaram aquelas pessoas que ficam surpreendidas quando os professores têm serviço e não há aulas. Como se, por magia, tudo aparecesse feito quando as salas de aula se enchem. Ou aquelas que julgam que os professores chegam à sala de aula  e começam a falar como se uma torneira se abrisse, aspergindo água com sabedoria na direção dos alunos, quais pássaros sequiosos de biquinho aberto.

Mas quem assim pensa não é nem nunca foi professor, mas um professor a dizê-lo ainda é mais grave, independentemente da idade de quem o diz.

Isto é que não é normal!

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

"Para que raio serve a poesia?"

Hoje, assisti a mais uma sessão da Ação de Formação "Para que raio serve a poesia", na EB2/3 de Gondomar, atividade dinamizada por Pedro Marques.

Em cada sessão, falamos, lemos, analisamos, interpretamos...  poemas de três poetas.

E, à volta das palavras de poetas, referimos sentimentos, afetos, a crueza expressiva da linguagem, a capacidade de ser cáustico e surpreendente, o quotidiano, a vontade da desconstrução/reconstrução poética...

Os textos escolhidos eram de  Diogo Vaz Pinto e Golgona Anghel, nascidos nos anos 80 do século XX, e José Miguel Silva, nascido em 1969.

Aqui ficam alguns exemplos:
A manhã abre um parêntesis enquanto ponho
a cha1eira ao lume, pego num livro
que larguei ali. Aborreço-me
com os temas elevados e o modo inspirado
como trocam impressões as personagens
deste escritor.
Gostava que Deus existisse e nos visse assim,
de pijama na cozinha, remelosos e vazios,
à espera da primeira chávena de café
e de algum twist no enredo dos dias
que vieram até aqui.
 Diogo Vaz Pinto, in Nervo, Averno 2011











Meia-noite todo  dia 

Tenho humor e vendo-o barato.

Muita gente gosta disto.

Dá-me gozo cozinhar
e penso que até sei fazer bem tiramisú e
chocos à lagareiro.
Não tenho dívidas fiscais
e sou beneficiário de um seguro de saúde do estado.
Já visitei 24 países, entre os quais a Síria, o Nepal e
a Nova Caledónia.
Dormi nas noites brancas da Lapónia;
cacei um tigre na selva subsaariana;
dei aulas de história ocidental a crianças subnutridas, numa
aldeia de Bangladesh,
e vi Charlize Theron gorda no filme "Monster".

Um dia vou adoptar uma menina órfã de Afeganistão.
Estou apenas à espera que os americanos
parem os bombardeamentos em Cabul.
Até lá, compro todos os anos
um postal humanitário da Unicef.
À distância de um click, vocês também podem ser sócios do
Grupo de Apoio às vítimas da malária.
Só me falta agora pagar
um crédito de 300.000,00 euros para ser feliz.
 Golgona Anghel, in Vim porque me pagavam
Lisboa: Mariposa Azual, 2ª edição, 2011 

 

 

 

 

Queixas de um utente

Pago os meus impostos, separo
o lixo, já não vejo televisão
há cinco meses, todos os dias
rezo pelo menos duas horas
com um livro nos joelhos,
nunca falho uma visita à família,
utilizo sempre os transportes
públicos, raramente me esqueço
de deixar água fresca no prato
do gato, tento ser correcto
com os meus vizinhos e não cuspo
na sombra dos outros.

Já não me lembro se o médico
me disse ser esta receita a indicada
para salvar o mundo ou apenas
ser feliz. Seja como for,
não estou a ver resultado nenhum.
José Miguel Silva, in Ulisses já não mora aqui


Ah, e nesta sessão, falámos também de António Ramos Rosa, poeta falecido há uma semana. Lembrámos um dos seus poemas.


Poema dum Funcionário cansado

A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida num quarto só


quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Mediadora do Vento



Manet

 Ligeira sobre o dia
ao som dos jogos,
desliza com o vento
num encantado gozo.

Pelas praias do ar
difunde-se em prodígios.
Tudo é acaso leve,
tudo é prodígio simples.

Pequena e magnífica
no seu amor volante
propaga sem destino
surpresas e carícias.

Pátria, só a do vento
de tão subtil e viva.
Azul, sempre azul
em completa alegria.

António Ramos Rosa, in "Mediadoras"



 António Ramos Rosa
(1924-2013)

O grito - Munch

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Sul da Argentina - setembro 2013


sábado, 21 de setembro de 2013

Dias quentes em setembro



Praia de Mindelo (Vila do Conde), 
ontem.

Brrrr, que frio!

Glaciar de Perito Moreno - Argentina
 (Set. 2013)

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Um louvor ao Tango

Puente de la mujer (de Santiago Calatrava) - Buenos Aires

Gardel (1890/1935) - Buenos Aires 2013

Hoje lembrei-me de Cesário Verde



  Subitamente - que visão de artista! -
  Se eu transformasse os simples vegetais,
 

 À luz do Sol, o intenso colorista; 
 Num ser humano que se mova e exista  
 Cheio de belas proporções carnais?!
 

(...) 

  E pitoresca e audaz, na sua chita, 

  O peito erguido, os pulsos nas ilhargas,  
  Duma desgraça alegre que me incita,  
  Ela apregoa, magra, enfezadita,  
  As suas couves repolhudas, largas.
 
  E, como as grossas pernas dum gigante, 

  Sem tronco, mas atléticas, inteiras  
  Carregam sobre a pobre caminhante,  
  Sobre a verdura rústica, abundante,  
  Duas frugais abóboras carneiras.

Cesário Verde, "Num bairro moderno" (excertos)
in O livro de Cesário Verde
    Lisboa, Verão de 1877
 

domingo, 15 de setembro de 2013

A diferença que uma caminhada faz


Sê parte do milagre do momento.
Thich Nhat Hanh

O meu pai e eu caminhávamos muitas vezes juntos, mas depois de ele ter passado pelas cirurgias de bypass cardíaco e das costas, tivemos que encarar a realidade de os seus dias de longas caminhadas terem acabado aos setenta anos. No entanto, por milagre, apenas um ano após estes revezes, ele conseguiu acompanhar-me através do País de Gales, num percurso de cerca de 300 quilómetros, de costa a costa.
Um fim de tarde, enquanto transpúnhamos uma longa e sinuosa cordilheira, deparámo-nos com uma mulher de idade e o seu cachorro beagle. Vacilante, apoiada numa bengala, ela trazia um capacete de automóvel e segurava na mão um ramo de flores selvagens. Cumprimentei-a e, depois de algumas palavras trocadas, ela disse-nos que tinha quase noventa anos. Observei-a minuciosamente e nem queria acreditar na forma excelente em que se encontrava. Parecia tão saudável e satisfeita!
“Qual o segredo para uma vida longa e feliz?” perguntei.
Ela sorriu e disse suavemente “Momentos.” Fez-se uma pausa tranquila antes de continuar. “Momentos, é tudo o que temos. Um verdadeiro caminhante sabe isto.”
Disse-nos adeus e lá continuou o seu caminho, com o cão a correr uns passos à frente dela. Mesmo antes de desaparecer no horizonte, eu olhei de novo para ela, a caminhar com custo, com um porte e uma postura intemporais, e sorri para o meu pai. Ela tinha razão: é tudo o que temos.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Diário de Mariana

Querido diário,

Desculpa, mas hoje apetece-me começar de forma diferente, quero escrever tipo ata porque estou com pressa e não me apetece falar muito.

Eu, Mariana, tendo duas irmãs mais velhas e nem sequer lhes digo o que sinto neste momento, porque não sei se iam compreender. O mais certo é que sorrissem como quem me diz: que querida adolescente que tu és. Deixa lá que isso passa! Brrrrr!

Estou em pulgas para ver chegar 6ª f. É o dia que a escola escolheu para a receção ao aluno. Sei que há gente nova na minha turma. Não sei se os conheço nem se são fixes. Até acordei de noite a pensar nisso.

Estas férias passaram num instantinho e já não ‘tou com o Gi há umas semanas. Desde que fomos em grupo para a praia de Espinho e ele no comboio contou uma anedota racista. Fiquei chateada e ele, em vez de reconhecer que errou, amuou. Foi da maneira que me consolei de nadar sozinha e à minha vontade. Pensei assim: não queres falar? Então não fales!

Na 6ª f., vamo-nos encontrar, mas não vou ceder. Não vou mesmo.

Afinal, isto não tem nada de ata, mas sei que compreendes algumas das minhas incoerências e imperfeições. Até breve.

Um abracinho

Mariana

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Flores e frutos ao sol de setembro


Ontem, disse a uma das minhas filhas: não tenho blogado. Não tenho tido assunto!

Deve ser por andar a pensar no relatório que ainda não concluí, nas papeladas que comecei a arrumar continuando em desalinho e alguns etecetras que, de uma maneira ou de outra, a todos acontecem.

Hoje, peguei no telemóvel, fui ao quintal e logo encontrei estas imagens que agora partilho.

Moral da (não) história: às vezes, não é preciso ir muito longe para encontrar motivos que atraem o nosso olhar e convocam as nossas palavras.

Ah, a Castanha (a minha cadela) corria no seu modo de mostrar que (também) estava feliz.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Começo de (manhã em) setembro


segunda-feira, 26 de agosto de 2013

As histórias que (todas) as casas contêm!


Também as casas não deviam ser abandonadas!

Enquanto é verão






quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Impressões sobre um livro




Acabo de ler O filho de mil homens de Valter Hugo Mãe[1], um livro surpreendente.

O livro tem vinte capítulos, todos com título. A narrativa começa assim: “Um homem chegou aos quarenta anos e assumiu a tristeza de não ter um filho. Chamava-se Crisóstomo”. 

Nos primeiros capítulos, as personagens são apresentadas como se fizessem parte de  narrativas curtas e independentes: Crisóstomo, um pescador que gostaria de ter um filho; Camilo que encontra um pai em Crisóstomo; uma anã “de quem todos se apiedavam”, mas que cai na desgraça das vizinhas quando se apercebem que aquela tinha uma cama larga e grande; Maria, a “mãe da mulher enjeitada” que é a Isaura, cujo nome é por muitos muito apreciado;  Matilde, a mãe de Antonino que “parecia uma menina nos sentimentos”; Rosinha, a caseira de Matilde que casa com um velho de quem queria apenas a fortuna; Mininha, a filha de Rosinha, que é quase sempre tratada por “cria” …

Crisóstomo é o elo de ligação mais forte entre todas as personagens, porque consegue despir-se de preconceitos, olhando as pessoas no seu desejo de plenitude e de felicidade. É alguém que sabe olhar o mar e descobrir quem o sabe olhar também.

A linguagem é por vezes crua (por exemplo, no modo como os vizinhos tratam Antonino que é diferente de muitos homens), mas o texto é profundamente poético. De salientar que não existem pontos de interrogação. O verbo “perguntar”e outros resolvem o problema. “A miúda perguntou: ó mãe, o velho dos campos é meu pai.” P.167.

Há frases que apetece reler e sublinhar: “nunca cultivar a dor, mas lembrá-la com respeito, por ter sido indutora de uma melhoria, por melhorar quem se é.” P. 213; “Cada filho somos nós no melhor que temos para dar. No melhor que temos para ser”. P. 227; “ Somos o resultado de tanta gente, de tanta história, tão grandes sonhos que vão passando de pessoa a pessoa, que nunca estaremos sós”. P.237.

Os temas abordados são diversos, mas a busca da outra parte que completa o ser humano, que o liberta da solidão e o ajuda a transformar o mundo parece-me ser uma linha recorrente no romance.

Valter Hugo Mãe nasceu em 1971, estando, portanto, na casa dos quarenta anos. Tal como Crisóstomo! Haverá coincidências?




Nota: Neste momento, vejo VHM, no Porto Canal, à conversa com Manuel Jorge Marmelo. Felizmente há programas em alguns canais com escritores e/ou sobre livros, embora sejam pequenos oásis num enorme deserto.




[1] Valter Hugo Mãe, O filho de mil homens, PRISAEDIÇÕES, 8º edição, abril 2013.


O café do Fernando


Embora o frequente em muitos dias de verão, não sei ao certo o nome do café-esplanada, em Mindelo. Julgo que poucos o saberão. Para todos é o café do Fernando. 

O espaço foi ganhando o nome do dono, que tem presença discreta, apesar de (julgo eu) conhecer bem a maioria dos clientes. Muitos já frequentam o café  há muitos anos. E não só no verão, mas também nos domingos frios e chuvosos  de outono ou inverno em que as mãos se aquecem na chávena do café, tomado junto à janela larga, com vidros em pequenos quadrados, donde se avistam os rochedos e espuma das vagas.

Em frente, espraia-se o mar – tantas vezes sereno e outras tantas bem revoltoso. Fora da esplanada, existe outra esplanada para os dias calmos e sem vento.

Ir ao Fernando é quase um ritual para os habitués da praia: para o café, para estar, para ficar, para ler, para saborear um pregos tenro e suculento…

Mesmo ao lado, existe outra esplanada. A paisagem é semelhante, mas a principal diferença é que está quase sempre vazia, ao contrário da do Fernando que está quase sempre cheia, a menos que o vento do norte sopre e imponha que as mesas fiquem vazias.

Um dos prazeres de alguns dias de verão é ir ao Fernando durante a tarde e comer tremoços, amendoins com um fino ou uma lambreta.

Também isto o Fernando saberá, com certeza, embora esteja quase sempre a trabalhar do lado de dentro do café, onde são visíveis imagens bem azuis do FCP.

O café do Fernando é um pequeno porto que ajuda a celebrar o tempo que dura tão bela estação.