domingo, 30 de dezembro de 2012

Diário de Mariana



30 de dezembro 2012

Oh, querido diário, nem sei como começar.  Um colega meu disse-me, com ar de gozo, antes de as aulas acabarem: ”és muito criativa!” Mandou-me esta boca, porque lhe respondi à letra. Eu acho que há pessoas que pensam que podem dizer tudo e os outros têm de medir muito bem as palavras. Isso é que era bom!

Gostava de te escrever de forma diferente, sei lá, descobrir uma cena gira, mas não consigo. Tem de ser assim, porque escrevo muita coisa que sinto, mas não posso dizer tudo. Fui educada a ouvir muitas vezes: Mariana, porta-te bem. Mariana, tem juízo. Mariana, vê lá o que dizes. Mariana, vê lá o que fazes…

Um dia que tenha filhos, acho que não vou estar sempre a dar tipo conselhos. Há tantas coisas diferentes para dizer!

O meu Natal também não foi muito diferente dos outros mas foi fixe. Somos muitos à mesa, falamos muito, rimo-nos, damos e recebemos prendas. Tenho umas primas pequenas que são o máximo. Gostam de cantar e de contar anedotas. São altamente e muito alegres. 
Acho que nos devíamos rir mais uns para os outros. Disse isto à minha mãe e ela disse logo: ó Mariana, deixa-te de risota e anda mas é ajudar-me. E, pronto, lá fui eu, porque assim podia continuar a dizer coisas engraçadas e a rir-me.

A minha mãe fez uns corações de cartolina e com bocadinhos de pano colados para pôr na mesa. A família reparou e ela ficou contente. Eu tinha visto a minha mãe fazer os corações e fiz dois também. Um para lhe dar, em tons de azul, e outro em vermelho para o Gi, mas só lhe mostrei a ele e não disse nada a mais ninguém. A gente não pode dizer tudo, não achas, querido diário?
Depois, lembrei-me que as minhas irmãs também gostavam e fiz um para cada uma e escrevi: “amo-te muito, maninha”.

Eu acho que se pode dar prendas quase sem gastar dinheiro. O Gi deu-me uma agenda que ele fez para eu escrever quando me apetecesse. Gostei tanto que até demos um beijo mais demorado. Mesmo assim, eu olhava para todos os lados, porque não gosto destas cenas quando há gente a passar.

Pronto, hoje não digo mais nada, mas sabes, querido diário, fico pensativa por estar a acabar o ano. Também é bom pensar no que começa e no que termina, porque a vida é mesmo assim. Será que um dia será diferente?

Um abracinho, querido diário.

Mariana


O último domingo do ano

Hoje é o último domingo do ano. Parece que vai chover. Passou o período de maior frenesim. Desejou-se Feliz Natal com mais largos ou curtos sorrisos. Deu-se e recebeu-se (bom seria que todos o tivessem podido fazer). Reviram-se e abraçaram-se familiares e amigos que são parte de nós. Muitos embrulhos se fizeram, com carinhosos ou obrigatórios laços. Muitas dessas embalagens já estarão em contentores com papéis e restos indistintos. Duraram pouco mas embelezaram o momento.
Agora, repetimos os desejos de Bom Ano Novo. Nos aeroportos e estações dos comboios são as despedidas depois das rápidas estadias.
Apesar de apreciar a rotina diária, que julgo motivadora, considero que estas fases da vida são necessárias. Implicam a reorganização também de nós próprios. Apesar da correria, há também paragens, momentos de reflexão e de um pouco mais de atenção ao que nos rodeia. 
Vejo nas notícias que há aviões cheios de turistas portugueses que vão passar o Ano Novo no Dubai. Logo vem a frase habitual: "apesar da crise..."
Hoje é o último domingo do ano de 2012. E parece que vai chover. Nas lojas dos Centros Comerciais continuará a haver muitas trocas de presentes. Os saldos em letras e números garrafais e garridos gritam e chamam. Uma oportunidade quando as oportunidades vão diminuindo. Muitas crianças farão birra porque ficam fartas do ruído e de ver montras de lojas onde muitos pais param mas não podem entrar.
O mar fará o seu movimento habitual, apesar de todas as suas diferenças. Casas haverá em que sobraram coisas que é preciso arrumar quando o tempo também sobrar; noutras, continuará a faltar tudo cada vez mais.
E muito mais acontecerá, porque pouco se pode prever. 
Hoje, último domingo do ano, como em qualquer outro dia, vêm à memória as palavras de  Sérgio Godinho: "Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida...".


sábado, 29 de dezembro de 2012

Ontem falámos de escadas rolantes

Em muitas escadas ou tapetes rolantes, é comum verem-se pessoas que barram a passagem, esquecendo que outros têm necessidade de se deslocarem mais depressa. 
Assim, veem-se barreiras com um par de namorados que se beija; pessoas a conversar animadas e distraídas; grupos que nem se movem sem reparar sequer em quem vem atrás...
Também já tive estes comportamentos algumas vezes. Julgo que só comecei a encostar-me à direita quando, viajando, vi que, noutros países, quase toda a gente tinha o hábito de o fazer e que era bom para todos que assim acontecesse. Deste modo, quem quer ir mais devagar pode fazê-lo; quem quer ou precisa de andar mais depressa tem o espaço livre.
Lembro-me de ver, numa manhã e numa belíssima estação de metro em Moscovo, as pessoas subirem as escadas à pressa, refilando com quem se mantinha à esquerda, impedindo a passagem.
As viagens ensinam muitas coisas, mas também aprendemos com o uso dos bens que, felizmente, estão acessíveis a todos e que existem em qualquer cidade.
Por que será que, muitas vezes, só nos lembramos do que nos apetece na hora, esquecendo a vontade e as necessidades dos outros?
Ontem falámos de escadas rolantes, mas, se calhar, é preciso falar mais vezes.

Le bonhomme de neige


Dimanche matin.
Colin ouvre l’œil et s’étire. Une curieuse lumière blanche filtre à travers les fentes des persiennes. Dans la rue, les voitures font en passant un drôle de bruit assourdi. Au contraire, on dirait que les voix résonnent plus fort que d’habitude. On entend des bruits de pelle.
Colin se lève d’un bond. Il court à la fenêtre et pousse les persiennes avec fracas.
— Il neige ! Il neige ! Marion, lève-toi ! Nous irons tous au bois faire un bonhomme de neige, papa l’a promis !
Papa, Colin et Marion ont fait un énorme tas de neige. Ils lui ont donné la forme d’un bonhomme, et maintenant ils regardent leur travail, tout contents. Ils ont bien chaud, ils ont les joues rouges. Le bonhomme est superbe. Ils se mettent à tourner autour de lui en chantant. Chacun à son tour invente une chanson.
Papa :
Bonhomme, mon bonhomme,
Remue ton corps de neige,
Donne-nous donc la main
Pour danser avec nous.
Marion :
Bonhomme, ami bonhomme,
Si tu savais marcher
Comme marchent les hommes,
On irait se prom’ner.
Colin :
Bonjour, monsieur Bonhomme,
Nous t’invitons, bonhomme,
Prends tes jambes à ton cou
Et viens vite avec nous.
— Oh ! Ça rime tout cela, dit papa, j’ai des enfants poètes, bravo ! Allons, il est cinq heures, la nuit tombe, il faut rentrer.
— Quel dommage de laisser ici ce beau bonhomme, dit Colin.
— Je voudrais rester jusqu’à ce qu’il fonde, dit Marion.
— Nous reviendrons mercredi voir s’il est encore là, dit Colin.
§
Papa et maman doivent aller chez des amis ce soir. Colin et Marion sont très fiers car ils vont dîner et passer la soirée tout seuls.
— Surtout, dit maman en les embrassant, n’ouvrez la porte à personne et ne vous couchez pas plus tard que neuf heures et demie.
— C’est promis, disent Colin et Marion.
Colin réchauffe le potage. Mmm… la bonne soupe ! Et Bisule, le chat, apprécie sa pâtée.
Comme ils faisaient la vaisselle, Colin et Marion ont entendu sonner à la porte. Ils se sont regardés inquiets, et, grimpé sur un tabouret, Colin a collé son œil au petit trou magique qui permet de voir les visiteurs.
Aussitôt, il a poussé un cri de joie. Vite, il est descendu de son perchoir, il a ouvert la porte… au bonhomme de neige !
— Bonsoir, dit le bonhomme.
Colin et Marion, fous de joie, sautaient autour du bonhomme de neige.
Mais Bidule ne lui a pas fait très bon accueil. Il s’est dressé sur ses quatre pattes, le dos arqué, son poil s’est hérissé, il a lancé un “miaou” agressif, puis il est allé se réfugier sur le haut d’une armoire.
Le bonhomme de neige a joué avec Colin et Marion aux petits chevaux, aux dominos, au train électrique. Marion lui a présenté ses poupées. Mais le jeu le plus formidable a été celui des cosmonautes. Colin, Marion, et le bonhomme se sont installés dans un grand carton, la fusée.
Colin tenait un volant imaginaire. Et c’est Marion qui a donné le signal du départ :
— 6, 5… attachez vos ceintures… 4, 3… attention, préparez-vous… 2, 1, 0… partez !
La fusée est partie dans un bruit terrible de brroum, rrrang, tch, you-ou… Tout les trois criaient :
— Je vois les étoiles qui s’approchent !... Je vois les cratères de la lune !... Je vois le drapeau américain !... Je vois le drapeau chinois !
— Hé ! Les Chinois ne sont pas allés sur la lune !
Bidule le chat s’est réveillé et est descendu de son armoire pour voir ce qui se passait. La fusée a ralenti pour le prendre au passage et il a consenti à y monter.
À neuf heures et demie, on a entendu une clé dans la serrure… C’était la voisine qui venait voir si les enfants étaient sages et leur dire de se coucher.
Marion pouffait de rire : la tête que ferait la dame si elle découvrait le bonhomme de neige dans la fusée !
— Bonsoir, madame Fontaine, ont-ils dit. Nous allons nous coucher. Nous ne ferons plus de bruit.
Et la voisine ne se douta de rien.
Après le départ de madame Fontaine, Colin et Marion se sont préparés à se coucher.
— Je vais te faire un lit par terre, bonhomme, avez des coussins et des couvertures.
— Oh non, dit le bonhomme de neige, je trouve qu’il fait trop chaud ici. Il me semble que je fonds déjà un peu. Je ne voudrais pas mouiller le tapis ou le plancher. Je préfère coucher à la cuisine, directement sur le carrelage, je serai plus à l’aise.
— Moi, je trouve que tu es froid, dit Marion en l’embrassant. Bonsoir ! Dors bien !
§
Sept heures et demie.
Maman appelle Colin et Marion.
— C’est l’heure ! Levez-vous, mes enfants !
Colin soupire, se retourne.
La pensée du bonhomme de neige lui revient brusquement.
— Oh, maman ! Nous avons passé une si bonne soirée avec le bonhomme de neige !
Maman rit.
— Tu rêves encore, je crois.
— Oh non ! dit Colin.
Il se précipite à la cuisine.
Marion, qui s’est réveillée aussi, le suit.
Il n’y a pas de bonhomme de neige. Seulement une petite flaque d’eau.
Colin et Marion sont sûrs qu’ils n’ont pas rêvé. Le bonhomme de neige a dû repartir passer la journée au bois.
Que voulez-vous qu’un bonhomme de neige fasse toute une journée dans un appartement ?…
Maïlé ; Philippe Salembeci
Le bonhomme de neige
Paris, Casterman Jeunesse, 2006
fc@histoiresafairerever.c

Enquanto é Natal


quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Uma "medalha" de Natal

Desde que foi minha aluna, há uns seis anos, escrevia sempre um postal de Natal. Também enviava, por escrito, as Boas Festas a outras professoras. Não o fez, porém, nos dois últimos Natais. Pensei: bem, é natural, agora ninguém escreve cartas a ninguém. A não ser com contas do telefone, da água, da luz, do Seguro, do Banco, dos impostos...

Pois, neste Natal, a S. escreveu de novo. Um postal grande e cheiinho de palavras. Tinha concluído a licenciatura e o mestrado, enquanto trabalhava em part-time. Estava muito feliz, porque tinha arranjado trabalho na sua área de formação e estava muito contente com o que fazia.

Dentro do postal, uma fotografia sua: uma jovem bonita, risonha, na sua capa de estudante. Tudo em papel. Para olhar, tocar, aproximar, guardar...

Vou responder-lhe com um postal que tentarei, eu própria, fazer. Talvez não escreva tanto como ela escreveu, mas dar-lhe-ei os parabéns, dir-lhe-ei que mensagens assim são as principais medalhas dos professores. Escreverei também que pessoas como ela dão ânimo ao país, ao contrário de alguns políticos que, coitados, "não sabem nem sonham". 
E o pior é que são eles que se enchem de medalhas.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Sur le chemin de Noël

L’hiver était revenu, et avec lui la neige qui tombait à gros flocons. L’eau ne coulait plus dans les torrents gelés, les oiseaux ne chantaient plus. Ils attendaient, blottis dans les arbres, la tête cachée sous l’aile.
Un vent glacial soufflait, et chacun restait chez soi, assis au coin du feu.
Le bruit courait dans le pays que le seigneur d’un royaume lointain cherchait un hébergement pour son fils.
Siméon, un riche marchand de la ville, en avait entendu parler. Il vivait seul avec sa femme dans une grande demeure.
« Ce roi viendra sûrement chez moi, pensait-il, ma maison est la plus belle du pays ! »
Et il guettait, sur le pas de sa porte, l’arrivée du carrosse royal.
Mais la rue restait sombre et déserte.
L’épouse de Siméon entra dans le salon. Elle marchait avec peine, le dos courbé, appuyée sur une canne. Ses jambes la faisaient souffrir. Elle portait un bougeoir qu’elle déposa sur la table.
« Une seule bougie, c’est bien trop peu ! dit son mari d’un ton de reproche. Allume toutes les lanternes de la maison et déposes-en une à chaque fenêtre. »
« Pourquoi tant de lumière ? » s’étonna la femme.
« Parce qu’un roi va venir chez nous ! expliqua Siméon. Il faut que notre maison puisse se voir de loin dans la nuit. S’il loge ici, nous recevrons une belle récompense. Voilà pourquoi tu dois illuminer nos fenêtres. Dépêche-toi ! Et ensuite, prépare un bon repas, digne d’un roi. Allez, va ! »
Au prix de gros efforts, la femme fit le tour de la vaste demeure et éclaira chaque fenêtre.
Elle atteignait la dernière pièce lorsque quelqu’un frappa à la porte.
Lentement, elle alla ouvrir. L’homme qui entra portait un vieux manteau élimé et des chaussures trouées.
« Je vous salue, dit-il. Pouvez-vous héberger mon fils pour la nuit ? Il fait si froid dehors. »
L’étranger avait l’air d’un mendiant, et pourtant son visage resplendissait. Ses yeux brillaient d’un étrange éclat qui semblait venir du plus profond de son âme.
Mais Siméon ne le remarqua pas. Il ne voyait que les guenilles du pauvre homme.
« Va-t’en ! dit-il. Nous ne logeons pas de mendiants chez nous ! »
« Ma récompense sera grande, dit l’étranger. Et elle vaut plus que tout l’or et toutes les richesses de ce monde. »
Siméon éclata d’un rire moqueur : « Et où caches-tu tes trésors ? Sous tes haillons peut-être, ou bien dans ton vieux sac troué ? »
Sa femme, cependant, retira son châle et le tendit au mendiant. Elle lui donna aussi une miche de pain et une tasse de lait.
« C’est tout ce que je puis t’offrir », murmura-t-elle.
« Merci à toi ! » dit l’étranger. Puis il prit la canne sur laquelle elle s’appuyait et la déposa près de l’armoire. « Désormais, tu n’en auras plus besoin », ajouta-t-il avant de disparaître dans la nuit. Un halo de lumière l’enveloppait.
La femme se sentit soudain délivrée de ses souffrances. Ses jambes ne lui faisaient plus mal. Elle se redressa et fit quelques pas.
« Tu marches comme avant ! s’exclama Siméon ébahi. Et ta canne ? »
« Je n’en ai plus besoin ! dit-elle d’une voix tremblante. C’est un miracle. L’étranger m’a guérie... »
« Un mendiant qui fait des miracles ? Allons, tu dis des bêtises ! » gronda Siméon.
« Cet inconnu répandait une étrange lumière... poursuivit-elle. C’est lui, le Roi, j’en suis sûre, mais un Roi venu d’ailleurs... »
Siméon devint pensif. L’inconnu avait parlé d’une récompense qui valait plus que tout l’or et toutes les richesses de ce monde. Et il venait d’accomplir un miracle... alors... Siméon comprenait enfin !
« Qu’ai-je fait, misérable que je suis ! s’écria-t-il. Vite, il faut que je le retrouve ! »
Il enfila ses bottes et son manteau, puis sortit en courant.
Il ne neigeait plus. Le vent glacial avait dégagé le ciel maintenant parsemé d’étoiles.
Dans le silence de la nuit, Siméon entendit une voix qui l’appelait dans le lointain. Mais il ne vit personne. Découvrant des traces sur la route, il se mit à les suivre et descendit vers l’église. Là, il rencontra une femme qui pleurait.
« Qu’as-tu donc ? » demanda-t-il.
« J’ai froid ! » gémit la vieille.
Alors, pris d’un vrai remords, Siméon lui donna son manteau.
Puis il continua son chemin, suivant les traces dans la neige.
Un peu plus loin, il aperçut un jeune garçon qui sanglotait. Lui aussi souffrait du froid, sans chaussures sur la terre gelée. Ses pieds étaient tout écorchés.
Siméon enleva alors ses bottes fourrées et les donna à l’enfant.
« Siméon ! » appela à nouveau une voix. Elle semblait plus proche que la première fois, mais il ne vit toujours personne. Les pieds nus, il reprit sa route, guidé par les traces dans la neige.
Plus loin encore, il passa près d’un vieil homme qui tremblait, assis au pied d’un arbre. Il n’était vêtu que d’une simple chemise. Siméon défit sa veste et en couvrit les épaules du mendiant.
Il sentait maintenant lui aussi la morsure du froid sur sa peau nue. Alors, pour la troisième fois, quelqu’un l’appela.
« Siméon, dit le Roi, tu as su franchir toutes les épreuves qui se trouvaient sur ton chemin. Continue de suivre ainsi la voie que je t’ai tracée et tu arriveras devant une pauvre cabane. Tu y trouveras mon fils couché dans la paille d’une crèche. Il t’attend. »
Siméon obéit.
Et les traces dans la neige le menèrent jusqu’à une étable.
Un Enfant y était couché dans la paille d’une crèche, comme le Roi l’avait dit.
Une grande lumière éclairait les lieux, et une douce chaleur y régnait, une chaleur qui réchauffa Siméon jusqu’au plus profond de son âme. Il sentait un immense bonheur l’envahir et une grande paix emplir son cœur.
Alors, tombant à genoux, il se mit à prier.
Et l’Enfant lui sourit.
Anneliese Lussert ; Loek Koopmans
Sur le chemin de Noël
Namur, NordSud, 1995
(Adaptation)


Um segredo para a minha Mãe


Enquanto espero pelas festas, penso em todos os Natais calorosos e maravilhosos quando era criança, e dou-me conta de que um sorriso me ilumina a face. Na verdade, são tempos que vale a pena recordar! Contudo, reparo que, à medida que fui ficando mais velha, as memórias do Natal tornaram-se menos vívidas e foram-se transformando numa época triste e deprimente... até ao ano passado. Foi nessa data que creio ter recuperado a alegria própria da infância. A alegria que eu sentia quando era criança…
Preto de copas (cartas)Preto de copas (cartas)Preto de copas (cartas)
Todos os anos me canso à procura de algo para oferecer à minha mãe no Natal. Mais um roupão e uns chinelos, um perfume, umas camisolas? Tudo prendas interessantes, mas que não dizem Amo-te da maneira que deviam dizer. Desta vez, queria algo de diferente, algo que ela recordasse para o resto da vida… Algo que lhe devolvesse o sorriso na cara e a ligeireza no andar. A minha mãe vive sozinha e, por muito que eu queira passar algum tempo com ela, só consigo, com o meu horário, fazer-lhe visitas esporádicas. Portanto, tomei a decisão de ser o seu Pai Natal secreto. Mal sabia eu como acertara!
Saí e comprei todo o tipo de pequenas prendinhas e, depois, passeei-me pelas zonas mais caras do centro comercial. Arranjei pequenas ninharias, coisas que eu sabia que apenas a minha mãe iria apreciar. Levei-as para casa e embrulhei-as, cada uma de maneira diferente. Depois, fiz um cartão para cada uma delas. Tudo de acordo com a canção The twelve days of Christmas.” [“Os doze dias de Natal”]. E dei início à minha aventura.
Preto de copas (cartas)Preto de copas (cartas)Preto de copas (cartas)
O primeiro dia foi tão emocionante! Deixei a prenda junto à porta do apartamento dela. Depois, apressei-me a telefonar-lhe, fingindo que era só para saber como estava de saúde. A minha mãe estava radiante! Alguém lhe tinha deixado ficar uma prenda e assinado “Pai Natal secreto.”
No dia seguinte, a cena repetiu-se. Quatro ou cinco dias depois, fui a casa dela, e o meu coração quase rebentou de alegria. Tinha disposto todas as prendas em cima da mesa da cozinha e andava a mostrá-las aos vizinhos. Durante todo o tempo da minha visita, a minha mãe não parou de falar no admirador secreto... Estava no sétimo céu!
Telefonava-me todos os dias com notícias da nova prenda que tinha encontrado ao acordar! Tinha decidido “apanhar” a pessoa responsável por tudo aquilo e ia dormir no sofá, com a porta completamente aberta. Por isso, nesse dia, tive de deixar a prenda mais tarde, o que a fez ficar aflita: será que as prendas tinham acabado?
O último dia era um sábado e o cartão dizia-lhe para se vestir e que devia ir até ao Applebee’s para jantar. Era sinal de que iria, finalmente, conhecer o seu Pai Natal secreto. O cartão dizia, também, que pedisse à sua filha Susan para a levar lá (esta sou eu). Acrescentava, ainda, que iria reconhecer o Pai Natal secreto pelo laço vermelho que ele usaria.
Fui buscá-la e lá fomos nós. Depois de chegarmos e de nos instalarmos, a minha mãe olhou em volta. Perguntava-se, sem dúvida, quando iria conhecer o seu Pai Natal secreto… Devagar, tirei o casaco e exibi o laço vermelho. A minha mãe começou a chorar. Estava mais feliz do que nunca!
Senti-me tão contente quando tudo acabou!
E lembrei-me de uma coisa muito importante: a minha mãe ensinara-me, em criança, que era melhor dar do que receber. Por isso, todos os anos em que estive triste durante as festas, foi porque procurei mais receber do que dar.
Agora, podia, finalmente, sentir-me feliz.
Susan Spence,2008
(Tradução e adaptação)

 

                             Olentzero (o Pai Natal basco)
 

A toalha de Penélope

Penélope era o nome que lhe ficava bem, mas podia perfeitamente chamar-se de outra forma. Também lhe assentava na perfeição o nome de Lídia: "Vem sentar-te, Lídia..." Julgo, porém, que ela não conhecia o verso do heterónimo pessoano.

O nome fora-lhe dado já muito longe do tempo da infância em que, normalmente, se atribuem os nomes. Vinha-lhe do hábito e do gosto que tinha em bordar uma grande toalha com desenhos do fundo do mar.

Penélope bordava sobretudo peixes, muitos deles em diferentes tonalidades de azul. As horas noturnas de insónia ocupava-as a bordar. O marido - que outrora tinha tido um belo ar heroico como Ulisses - sentindo a falta do calor da sua amada, levantava-se e já sabia onde podia encontrá-la: junto à janela, numa pequena sala, onde havia caixas com linhas de todas as cores. Curvada para o seu bordado, uma mão segurava o tecido e a outra ia pintando, com a linha e a agulha, a vida do fundo do mar, onde proliferavam algas, rochas e peixes.

Há quinze anos que Penélope bordava a toalha. Não se podia dizer que vinham admiradores e admiradoras do reino ver o trabalho, mas o marido, que parecia Ulisses, saudoso da sua Penélope, contava aos amigos e estes às suas mulheres e filhos e todos gostariam de ver a toalha de Penélope, por ser tão perfeita e tão bem retratar o fundo do mar. O marido, que ia perdendo o ar de Ulisses, mas não para Penélope, afagava-lhe os cabelos e ia deitar-se de novo. Muitas vezes lhe havia dito para que se deitasse e o sono viria, mas desistira do pedido, nunca do seu amor.

Penélope não bordava a toalha enquanto esperava Ulisses, porque este estava sempre por perto. Penélope gostava de bordar - e bordava - a qualquer hora do dia e da noite. Tinha uma luz pequenina que deixava ver, com toda a nitidez, o espaço que preenchia com o seu paciente bordado a cheio, ponto pé de flor, cadeia, matiz, crivo...

A toalha havia sido começada há quinze anos e seria, finalmente, posta na mesa do Natal. Depois de concluída, analisada do avesso e do direito, Penélope lavou-a com delicadeza, com as suas próprias mãos, passou-a a ferro com esmero e paciência, dobrou-a com todo o cuidado, colocou-a em cima de uma outra toalha alvíssima, para ser usada na noite de Natal.

O trabalho de alisar a toalha demorou um bom par de horas. Depois de estar tudo pronto, sentou-se bem próxima da toalha, reclinou a cabeça e quase adormeceu de cansaço. Nem ouviu o vento que lá fora soprava. Parecia vindo do mar ao qual Penélope tanto queria. Seguiu-se um trovão, logo acompanhado de uma rajada de vento. Penélope, quase adormecida, parecia estar a sonhar e até se imaginou com o seu forte e amado Ulisses a navegar em mar de vagas alterosas, empurradas pela fúria de Éolo poderoso.

De repente, abre-se uma porta e entra uma cadela de belo pelo castanho em busca de refúgio e companhia. Salta para o lado de Penélope que continua a dormitar. Penélope parece sossegada no seu dormir, mas a cadela nenhuma calma tem. Salta para a mesa mais próxima e aninha-se no fofo monte de toalha dobrada. Agita-se e quer brincar, puxando as pontas da toalha. Lá fora, continua a tempestade. O chão da sala parece o fundo do mar. Desdobrada e estendida a toalha, a cadela quer brincar com os peixes, cravando-lhes as patas e puxando-os com o focinho. Daí a nada, saltam pedaços como se fossem peixes a nadar.

Penélope acorda do seu sono mais profundo do que pesado. Não quer acreditar no que os seus olhos veem. Chama Ulisses, mas ele não está.



O Natal do "tio solitário"

Lá por ser Natal não deixava de ter o mesmo sentimento: muitas pessoas ligavam-lhe ou procuravam-no porque precisavam dele. Como trabalhava numa Repartição pública, queriam saber se os impostos iam aumentar, se afinal ia haver o subsídio ou era apenas um-faz-de-conta, era só uma perguntinha, não queria incomodar. mas não queria acabar o ano sem ter uma resposta, que desculpasse mas a crise andava a dar a volta ao miolo a muita gente...

Alguns vinham tocar à campainha. E tinham pontaria. Era quando já andava de galochas no quintal, quando estava a ouvir a parte da música que mais o seduzia...

Há anos que tinha o hábito de oferecer presentes à família. Podia justificar com a crise, mas gostava de dar. por isso, por ele, não acabava com a tradição. Mas também tinha concordado com uma proposta surgida na família: cada um daria só uma prenda de "amigo secreto". Quem quisesse podia dar um presente feito por si. Em conversa, à volta da mesa, bebendo chá e comendo bolo-rei, sobretudo os mais novos tinham dito: como é que eu posso oferecer alguma prenda feita por mim se eu não sei fazer nada? Claro que sabes - tinham dito os mais velhos, incluindo o tio solitário: um poema, cantar uma canção, escolher uma letra de uma música, um desenho, uma colagem...
Uma das tias mais velhas disse: já sei o que vou fazer. O melhor é fazer como uma amiga minha: começar ainda este mês.

No dia de Natal, depois do almoço com os pais - felizmente ainda estavam vivos e talvez por isso  havia muitos momentos que o faziam entrar diretamente nos tempos há muito idos da infância -, os irmãos e os sobrinhos, pegou no carro e saiu. Ninguém estranhou porque era assim o "tio solitário".

Pôs um CD de Ella Fitzgerald e dentro de algum tempo estava em Espanha. As pessoas, em grandes grupos de amigos, de familiares com muita criançada passavam como bandos de pássaros felizes. Ele, homem solitário, ouvia mais fundo a voz da solidão. Incomodava-o ver tanta felicidade nas vozes altas e nos estridentes e abertos sorrisos. sabia, porém, que não era inveja nem queria o mal dos outros.

Era das únicas pessoas que, por onde passava, andava só. Porém, se calhar, apesar da exibição de tanta e estimada auto-estima, não seria o único que estava só.

Continuou a caminhada. Por absurdo, atraía-o aquela confiante alegria, apesar do tal incómodo de só ver harmonia à sua volta. Doía-lhe estar só, mas, naquele momento, precisava de estar só.

Sentou-se numa esplanada, sem pensar em nada, embora parecesse pensativo, e pediu um café. Numa mesa ao lado, alguém o olhava. os olhares cruzaram-se. Olá, como está? Que bom encontrá-lo, andava há tempos para o procurar. Queria que me explicasse por A+Bê a alteração do IRS para o próximo ano. Desculpe lá ser neste dia, mas já que estamos aqui...

O "tio solitário" olhou-o, desejou-lhe bom Natal, e desatou a rir. O interlocutor pensou que ele estava doido, bebericou o resto da cerveja e saiu com a mulher, os sogros e os quatro filhos.



É bom haver Natal!

Há alguns meses, pensava: quero ter tudo pronto quando chegar o Natal e sem stress de última hora. Pois, ainda não foi desta. Irá alguma vez acontecer?
Compras. Ai, é verdade, ainda falta... E eu que pensava que já estava tudo. Chove, Muito. As nuvens são ameaçadoras. Que desagradável. Uma compra que vinha com alarme. Muita gente a entrar e a sair no Centro Comercial. O alarme dispara. Vem o segurança. Experimenta, balouçando, as sacas. Uma delas apita. Claro que tem as faturas. E logo um embrulho tão bonito. Peço desculpa. Tenho de desembrulhar. A minha colega volta a pôr como está.
Recordo a funcionária. Com um sorriso cansado mas gentil. Vai ficar escrito que a venda X não foi devidamente executada. O segurança vai respondendo: não, não lhe acontecerá nada de grave, mas tem de ficar registado. Pois, realmente é muita gente. Ainda assim, este ano tem havido menos compras. São fases de mais trabalho, sim, mas quando não há que fazer, o tempo custa mais a passar.
Problema resolvido. Bom Natal. Obrigado. Obrigada.
Não sei quando posso fazer as rabanadas. Oh, esqueci-me de comprar ovos. Vou à mercearia onde ia quando era miúda. O merceeiro está de gorro de Pai Natal. Pois, aqui estão os ovinhos e bom Natal. É só? Estas batatas descascadas? Este ano, tivemos algumas encomendas. Há pessoas que não têm tempo. Assim, é mais fácil. Não, ainda não arranjamos a hortaliça, mas, se calhar, no próximo ano, também fazemos isso. As pessoas agora têm menos tempo. Bom Natal, mais uma vez.
Quero pôr a mesa. A família é numerosa. Gosto de sentir que as coisas estão organizadas. Vou usar uma toalha que bordei no tempo em que quase todas as raparigas sabiam bordar. A cor vermelha vai alegrar a mesa. Que paciência eu tinha. Ainda temos de ir fazer umas visitas. Mãe, não vamos dizer que estamos com pressa. É desagradável e parece que estamos a despachar. Não, filha, ficaremos algum tempo, mas olha que toda a gente, nesta altura, anda com pressa. Sim, filha, tens razão, não devemos esquecer o espírito de Natal, mas, agora, vamos. Quase noite de Natal. Ui, que molha. Se havia de chover era agora. Trago-vos sonhos que fiz. E também bolinhos de bolina. Não, obrigada, rabanada, não, mas aceito o vinho do Porto. Que bom. Sabe tão bem nestes dias.
O fogão a lenha não desenvolve. Já consumiu vários achas, mas ainda não esquenta. As panelas são enormes. Ainda não fervem. Temos de meter as couves. Neste tacho, ficam os grelos. O molho de Natal ferve e cheira a cominhos. Meninos, para a mesa. Quem deixar arrefecer a comida não tem prenda!!! Em cima da mesa, há pequenos corações feitos com bocadinhos de cartolina e tecido. À volta da mesa, está a família. Dezasseis corações a bater. Por isso se fala, se conta, se fica com um ar mais sério, se abre um sorriso, se olha como num abraço...
Não consegui evitar a correria, mas que se lixe, é bom haver Natal.


sábado, 22 de dezembro de 2012

RECEITA DE NATAL

Vi agora esta RECEITA, enviada por uma amiga.
Não é fácil de realizar na perfeição
mas já será um consolo tentar. 
Feliz Natal!
Mistura-se a Força de viver
com muita Alegria e bate-se bem.
Quando estiver bem misturado,
junta-se Amor e Paz e mexe-se com Sonhos

... nossos e dos outros.
Envolve-se tudo com muita Ternura.
Deita-se em forma bem grande
com feitio de coração e vai ao forno
com Calor Humano.

Cobre-se com Carinho.
Come-se quente e espera-se que dure
Todo o Ano.
Autor desconhecido 

Nota - Soube agora que esta "Receita"  
foi encontrada num livro de orações. 
Bela oração para ser dita olhando o Céu e a Terra.

Ainda não foi desta!

A avaliar por tudo o que aconteceu, ou melhor, pelo que não aconteceu, o mundo continua. Uf, que alívio!
Mesmo para quem dizia que não acreditava em tais profecias, se calhar, o melhor era passar a hora prevista (pelos vistos, 11 e tal, embora poucos saibam explicar por quê) e ver a vida continuar.
Qual será a próxima profecia?
Hoje, quem fazia compras de Natal parecia não pensar no assunto que tantas conversas tinha provocado e alguns medos havia convocado.
A insegurança, nestes momentos, parece crescer. Com o avançar da Ciência, tais receios parecem não ter razão de ser. Mas ainda não foi desta!

Seja como for, o que importa é que o mundo não acabou.
Não havia necessidade de o dizer, mas que alívio, ainda não foi desta!
É que há tanta coisa para fazer. E para não fazer. Tanto para dizer. E para não dizer.

Se eu fosse cientista, nem teria brincado com o assunto. Nem pensaria nele sequer. Porém, pensaria, por certo, noutras coisas. E também eles dirão em muitas circunstâncias: ainda não foi desta!



sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Cores (não só) de Lisboa

 Campanhã. Tarde do dia 18. O comboio parte dentro de 13 minutos. Linha 8. Entro no comboio. Para trás, ficam as reuniões de avaliação, a resolução de dois casos de indisciplina. Que bom, uns dias com mais tempo livre. Para visitar outros espaços. Para não andar sempre a olhar para o relógio.
Daí a nada, abre-se a vista sobre o rio Douro. Sempre redescoberta. O telefone treme no meu bolso. É uma amiga que me lê um poema com Penélope e Ulisses "à espera de um outro amanhecer".
O comboio, com poucos passageiros, prossegue a marcha. Fecho o livro. Guardo as fotocópias. A cabeça escorrega e quase adormeço. A paisagem passa rápida. Húmida, cinzenta, enigmática.
Chegada a Entre-Campos. Saio. Apanho um táxi. Chego ao pequeno hotel. À minha espera, está uma sorridente parte de mim. Abraços. Beijos. Minha querida filha. Há quanto tempo. O Skype? Oh, não é a mesma coisa. A noite chega e a poupada iluminação do Natal azulece algumas árvores.
Manhã do dia 19. Lisboa vai-se povoando. Os vendedores das castanhas abanam as fogueiras onde, tostadinhas, fumegam. Há nevoeiro. Parece o Porto em muitos dias. Mas é Lisboa. Que também tem nevoeiro. Ou era o fumo denso e intenso das castanhas?
Café Nicola, com vista sobre o Rossio. Um café servido por um Paulista já quase sem sotaque. Bom Natal. Votos acompanhados de sorrisos.
Subida da rua do Carmo. Ouve-se fado, vindo de uma loja de música. Uma outra loja muito pequena chama a atenção. Luvaria Ulisses. Onde só cabem duas pessoas e o vendedor, atrás de um balcão onde estão duas pequenas almofadas para dar forma às luvas. Na parede, uma foto elegante de final dos anos 20.
Mais acima, o Centro Comercial do Chiado. Filas para o pronto-a-comer. Muitos tabuleiros. Cheiros importados do mundo global. Saída e subida para a Brasileira. Entrada na Casa Pereira, com lotes de chá e de café das Arábias. Servidos por dois homens entroncados e baixinhos, apertados e apressados  fatos cinzentos. E a memória aviva-se nos cartuchinhos com o nome da casa que perfuma o espaço há mais de oitenta anos.
São horas do regresso ao Porto. Com partida de Sta Apolónia. Várias imagens vão passando diante dos olhos: um taxista nervoso, um homem e um cão indiferentes ao bulício, dois amantes abraçados num banco de jardim, o abrigo de um sem-abrigo estendido antes que a noite venha, um velho de olhar parado apoiado na bengala, um elétrico vermelho a interromper, de forma intermitente, a vista do rio cinzento...
Na estação, um vendedor asmático veste-se de Pai Natal e mostra a revista Cais, um executivo puxa o trólei também ele preto como o seu fato, um homem conhecido acena ao filho como faz qualquer desconhecido que sabe que é pai.
Comboio em marcha. Aumento de velocidade. 200 e tal quilómetros à hora. Alverca. Apitar rápido, frenético. Ruído sob a locomotiva. Uma pedra? Um animal? Uma pessoa? O comboio para. E lá fica durante um par de horas. Alguém vê o maquinista fora do comboio. Transpirando e nervoso. Duas pessoas tinham sido trucidadas. Mãe e filha. Não, não era mãe e filha. Sabiam-se as novidades pela internet. Alguns polícias passam no corredor. Um menino indiferente a tudo dorme no colo da mãe.
É noite à chegada ao Porto. Chove muito. Os passageiros que vão para Braga terão de mudar de comboio. As duas horas de paragem deram para algumas pessoas falarem da vida, da morte, e, como acontece em momentos contrários, acabou por se desejar bom Natal, depois de se falar de tudo e mais alguma coisa como da publicidade com o Brad Pitt ao Chanel nº 5.
Noite escura. Todos saem do comboio à espera de "um novo amanhecer". Todos? Os mortos, não. E tantas cores fica(ra)m por ver!


domingo, 16 de dezembro de 2012

Fim do mundo? Oh, ainda não!

Profecia Maia - imagem da net

Pois é, o dia 21 de dezembro está aí. E há quem diga que o mundo vai acabar nesse dia. E logo à 6ª f. que é o meu dia preferido. Ainda há o sábado e só depois vem o domingo. É ótimo. Dá prazer como poder falar e rir à vontade. Como um passeio tranquilo à beira-mar. Como viver o dia sem pressas nem culpabilidade. E se se concretizar a profecia, não vou voltar a ter esse gosto.

Já não sou nada nova, mas esperava ter ainda bastantes sextas-feira pela frente. É que é tão bom viver. Malgré tout. Apesar dos desgostos, dos momentos menos felizes, de vermos que os Relvas estragam o país e andam de peito feito...

Oh! Eu quero continuar a olhar para as pessoas que amo, a ser recebida pela minha casa que me aconchega, a preparar as minhas aulas (já que não posso pedir a reforma), a saborear as pequenas grandes alegrias da vida. Não, o mundo não pode acabar assim, apesar de a morte já ter tantas vezes anunciada.

É certo que já tive duas filhas, já plantei árvores, mas ainda não escrevi um livro. Quero continuar a escrever os meus pequenos textos e se o mundo acabar, lá se vai o meu computador, deixo de ver as minhas canetas, os meus cadernos, as minhas pastas. Também já viajei em diferentes continentes, mas quero ver, olhar, escutar muito mais à minha volta. Oh, eu que ainda tinha tantas coisas que queria fazer. Também não é assim, não se acaba com o mundo que tanto trabalho deu a construir, apesar de haver aqueles que destroem sem ter trabalho nenhum.

E, enquanto posso, aqui fica o meu maior desejo: poder voltar aqui, no sábado, dia 22 de dezembro. Pelo sim, pelo não, venho cá antes!

Pedra Filosofal

(Hoje, acordei a ver o Céu. Tinha deixado a janela aberta de propósito.
- Não a vidraça, porque está frio -
E veio-me à cabeça o poema "Pedra Filosofal" de António Gedeão. 
Ontem, tinha estado com amigos e havíamos falado do poema).

Pedra Filosofal

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
 António Gedeão
In Movimento Perpétuo, 1956

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Absent de la mangeoire

Machado de Castro - séc XVII
« Ça y est, c’est la dernière. » Michael a empilé la dernière boîte dans mon hall d’entrée.
J’ai regardé avec anticipation les contenants déchirés et poussiéreux. Pour moi, ces décorations de Noël issues de l’enfance de Michael, et entreposées depuis la mort de sa mère, signifiaient le symbole de notre avenir en tant que couple. Nous partagions toutes sortes d’activités des Fêtes – réceptions, emplettes et, maintenant, décorations. Dans quelques mois, nous serions mariés, et j’étais désireuse de créer nos propres traditions. J’aspirais à l’instauration de pratiques significatives, uniques à nous deux.
Pour débuter, c’était l’ouverture des caisses.
« Hé! c’est notre ancienne crèche. » Michael a retiré une boîte bien emballée. « Maman la plaçait toujours sous l’arbre de Noël. »
J’ai déballé avec précaution Marie et Joseph, ainsi que la mangeoire. Bien emballée dans du papier journal, il y avait une étable. Je l’ai déposée sur le plancher sous l’arbre et j’ai disposé trois Rois mages, un berger, un âne et un bœuf. Tout était là, sauf…
J’ai vérifié de nouveau le colis déballé et j’ai regardé sous le tas de journaux, espérant trouver le personnage manquant. Rien.
« Mon chéri », ai-je crié à Michael, qui était affairé à arranger l’atelier de jouets du père Noël dans la salle à dîner. « Je ne trouve pas Jésus. »
S’approchant de moi, il a serré mon épaule en plaisantant. « Excuse-moi? »
« L’enfant Jésus pour la crèche. Il n’est pas là! » J’ai fouillé d’autres papiers d’emballage.
L’expression de Michael s’est tendue. « Il est là. Il doit être là. Il était là le dernier Noël où maman vivait. »
Des heures plus tard, toutes les boîtes étaient déballées, mais pas l’ombre d’un petit Jésus. Michael a suggéré à regret que nous remballions la crèche dans la caisse.
« Non, ai-je dit. Je trouverai demain un bébé assorti à l’ensemble. »
Nous nous sommes embrassés, et Michael est reparti chez lui.
Le jour suivant, j’ai mis la mangeoire dans mon sac à main et me suis rendue à la boutique d’artisanat et de bricolage durant mon heure de lunch. Il n’y avait pas de Jésus là. Après le travail, je l’ai cherché dans plusieurs autres magasins, pour finir par découvrir que bébé Jésus n’était pas vendu séparément. J’ai envisagé d’acheter une autre crèche pour simplement remplacer le Jésus dans celle de Michael, mais aucun des bébés ne correspondait à la taille de la mangeoire.
Michael est venu souper quelques jours plus tard, et je lui ai annoncé la nouvelle. Après notre repas, j’ai commencé à remballer les figurines dans leur boîte. Michael m’a immobilisé les mains avec les siennes.
« Je pense que nous devrions laisser tout ça là. »
« Mon chéri, c’est impossible. Il n’y a pas de bébé, ai-je répondu. Nous ne pouvons avoir une crèche sans Jésus. »
« Attends une minute. » Michael m’a éloignée de l’arbre. « Maintenant, regarde de ce point de vue. »
Il a pointé du doigt. « Au premier coup d’œil, tu ne remarques rien qui manque. Ce n’est que lorsque tu regardes de plus près que tu vois que le Christ enfant est absent. »
J’ai penché la tête et j’ai regardé la scène. Il avait raison. « Mais je ne comprends pas où tu veux en venir. »
« Au milieu des décorations, des listes d’emplettes et des réceptions, nous perdons parfois Jésus de vue, a-t-il expliqué. D’une certaine façon, il est perdu au milieu de la fête de Noël. »
Et alors j’ai compris.
Notre première tradition de Noël a donc commencé ainsi – significative et unique à notre famille. Chaque année, nous disposons les précieux personnages à leur place habituelle. La mangeoire demeure vide. C’est notre doux rappel de chercher le Christ à Noël.
Stephanie Welcher Thompson
Jack Canfield ; Mark Victor Hansen ; Carol McAdoo Rehme
Bouillon de Poulet pour l’âme de Noël
Montréal, Béliveau, 2006