terça-feira, 19 de maio de 2020
segunda-feira, 18 de maio de 2020
Hoje é o recomeço de muitas das nossas vidas!
Hoje reabrem muitos serviços como escolas, museus, cafés, restaurantes e muitos mais.
Ontem, num grupo de amigos, também de Whatsapp, repetia-se: bom recomeço! Neste caso, de aulas do ensino secundário, após longo tempo de aulas à distância, nem sempre fáceis devido a falhas técnicas e ao afastamento do(s) interlocutor(es).
De facto, muitos professores e alunos vão reencontrar-se hoje, assim como muitos outros trabalhadores vão rever muitos clientes e amigos. A máscara usada por todos não impedirá um brilhozinho nos olhos em muitos momentos.
Vai haver histórias bonitas e outras menos bonitas para contar, porque, infelizmente, em muitos setores, houve pessoas que não resistiram ao Covid 19.
Hoje é o recomeço de muitas das nossas vidas: desde os mais pequeninos aos idosos que estão em lares, podendo já receber visitas, ainda que com as obrigatórias restrições.
Dezoito de maio de 2020: dia de recomeço de muitas atividades que preenchem e enriquecem a nossa vida.
Porém, cada dia que passa, em casa ou fora dela, não é ele sempre um recomeço?
domingo, 17 de maio de 2020
Um filme real e humano à Nanni Moretti
Já vi e gostei.
Está disponível no site Medeia filmes quarentena cinéfila até às 12 h da próxima 3a f, dia 19 de maio.
Bom filme!
'Margherita é uma realizadora em plena rodagem de um filme cujo protagonista é um famoso actor americano. Às questões artísticas que enfrenta juntam-se angústias de ordem pessoal: a sua mãe encontra-se no hospital e a sua filha em plena crise adolescente. O seu irmão, por sua vez mantém-se como uma constante na sua vida. Conseguirá Margherita estar à altura de todos os problemas familiares e artísticos que enfrenta?'
“Um filme tremendamente inteligente e encantador.”
Peter Bradshaw, The Guardian
“Simples e sensível, sem deslizes.”
Jacques Morice, Télérama
Está disponível no site Medeia filmes quarentena cinéfila até às 12 h da próxima 3a f, dia 19 de maio.
Bom filme!
'Margherita é uma realizadora em plena rodagem de um filme cujo protagonista é um famoso actor americano. Às questões artísticas que enfrenta juntam-se angústias de ordem pessoal: a sua mãe encontra-se no hospital e a sua filha em plena crise adolescente. O seu irmão, por sua vez mantém-se como uma constante na sua vida. Conseguirá Margherita estar à altura de todos os problemas familiares e artísticos que enfrenta?'
“Um filme tremendamente inteligente e encantador.”
Peter Bradshaw, The Guardian
“Simples e sensível, sem deslizes.”
Jacques Morice, Télérama
sexta-feira, 15 de maio de 2020
Já vi e gostei
O resumo que se pode ler na apresentação do filme que está disponível na Medeia filmes quarentena cinéfila até às 12 h de amanhã, sábado:
quarta-feira, 13 de maio de 2020
Quem...
Quem maltrata as crianças
Quem as humilha
Quem lhes rouba a confiança
Quem as culpabiliza sempre
Quem lhes fecha os sorrisos
Quem as agride
Quem lhes provoca medo
Quem as insulta
Quem as impede de brincar
Quem não as protege
Quem não as ouve
Quem não as acarinha
Quem não as quer compreender
Quem não cria expectativas
Quem sobre elas descarrega as suas fúrias ...
Vai escurecendo o dia claro
que brilhava na inocência das primeiras fotografias!
Vai cavando uma tenebrosa linha vermelha
com o sarcasmo cobarde dos assassinos de sonhos!
Quem as humilha
Quem lhes rouba a confiança
Quem as culpabiliza sempre
Quem lhes fecha os sorrisos
Quem as agride
Quem lhes provoca medo
Quem as insulta
Quem as impede de brincar
Quem não as protege
Quem não as ouve
Quem não as acarinha
Quem não as quer compreender
Quem não cria expectativas
Quem sobre elas descarrega as suas fúrias ...
Vai escurecendo o dia claro
que brilhava na inocência das primeiras fotografias!
Vai cavando uma tenebrosa linha vermelha
com o sarcasmo cobarde dos assassinos de sonhos!
Era uma vez...
Era uma vez um conto de fadas. Estávamos
na terra do sonho; o castelo tinha torres
que chegavam à luz; e a noite quente do verão
entrava pelas janelas e tapava-nos num aconchego de mãe.
Neste sonho, não havia
nem ogres nem lobos maus; e um barco
branco esperava por nós, no porto da cidade
para nos levar para o oriente onde o sol
nunca se põe. Nenhum de nós queria acordar
para nunca se esquecer deste sonho; e mesmo que
acordássemos, não iríamos abrir os olhos,
para não ver o que nos esperava, ao sair
do casulo dos sonhos. Mas se acordássemos,
e abríssemos os olhos, e víssemos que tínhamos
saído da noite para entrar no dia, que já não é
um conto de fadas, podíamos dizer
uns aos outros: “Este é o sonho de onde temos de acordar,
para voltar ao conto de fadas
onde a noite nunca se põe.”
Nuno Júdice
na terra do sonho; o castelo tinha torres
que chegavam à luz; e a noite quente do verão
entrava pelas janelas e tapava-nos num aconchego de mãe.
Neste sonho, não havia
nem ogres nem lobos maus; e um barco
branco esperava por nós, no porto da cidade
para nos levar para o oriente onde o sol
nunca se põe. Nenhum de nós queria acordar
para nunca se esquecer deste sonho; e mesmo que
acordássemos, não iríamos abrir os olhos,
para não ver o que nos esperava, ao sair
do casulo dos sonhos. Mas se acordássemos,
e abríssemos os olhos, e víssemos que tínhamos
saído da noite para entrar no dia, que já não é
um conto de fadas, podíamos dizer
uns aos outros: “Este é o sonho de onde temos de acordar,
para voltar ao conto de fadas
onde a noite nunca se põe.”
Nuno Júdice
terça-feira, 12 de maio de 2020
A caixa mágica ou avó à distância!
Uma avó a viver em Portugal.
Uma neta de quase cinco anos a viver em Londres.
Um pai e uma mãe com muito teletrabalho.
Uma pandemia que impede viagens e aproximações.
Muitas saudades.
Um pedido-sugestão:
- Mãe, não queres entreter a Clarinha pelo skype? Ela ficava contente, tu também e nós podíamos trabalhar um bocadinho.
Pois bem, por que não?
E a primeira ideia para a primeira sessão de avó à distância foi juntar alguns objetos numa caixa. A tal caixa mágica.
A avó à distância contará em breve como foi.
sexta-feira, 8 de maio de 2020
Um livro fascinante
Hoje acabei de ler este livro de Javier Marías, autor nascido em Madrid em 1951.
Nos dias que correm, mesmo em tempo de pandemia, não é fácil ter vontade de ler um romance de quase quinhentas páginas. Porém, Berta Isla, publicado em 2018, tem um ritmo de escrita e de enredo que não deixa arrumar o livro à espera de melhores dias. Não falta mistério, equívocos a seu tempo desvendados, reflexões sobre a vida, sobre as relações amorosas e muitos outros temas que se encadeiam de forma magistral e com grande vivacidade de linguagem e de situações, que surpreendem o leitor.
Conta-se a história de um homem e de uma mulher, nascidos em Madrid, que se amam desde muito novos. Casam e têm dois filhos. Ela é professora de Literatura, ele é agente secreto, vivendo este uma vida dupla e de longas ausências, nunca explicadas a ninguém, nem mesmo a Berta. Também é secreta a razão de ter começado a função de infiltrado.
Berta tem o seu trabalho, tem os filhos e tem constantes dúvidas sobre se e quando o marido vai regressar, assim como sobre as ações a que está ligado e que têm base no Reino Unido.
A história inicia-se nos finais dos anos sessenta e vem até aos nossos dias.
Javier Marías leva-nos, a nós leitores, através da narrativa, por acontecimentos marcantes do século: Franquismo, Queda do muro de Berlim, Guerra das Malvinas...
As duas personagens principais, Berta e Tomás, são extraordinárias. Ela, porque é inteligente, culta, alegre, decidida; ele, por razões mais obscuras: é misterioso, opaco, multifacetado, 'sempre a passar por quem não era'.
O que acabo de dizer é apenas uma grão de areia do mundo que o autor construiu neste livro. Só o consegue um escritor que tem a força e arte de narrar como Javier Marías.
Já tinha prometido a mim própria não comprar mais livros sem ler os que estão em espera.
Contudo, se vir algum de Javier Marías, não vou resistir. Mais do que ser um autor premiadíssimo em Espanha, logo me lembrarei de Berta Isla, um livro fascinante.
Obrigada, Idalina, por me teres permitido conhecer
este autor através desta obra.
quarta-feira, 6 de maio de 2020
Sem ele não posso viver
Às vezes, apercebo-me de pessoas que vivem em permanente ruído. O toque do telemóvel é constante e estridente. Ou por chamadas, ou por mensagens, ou por avisos...
Em casa, a televisão fala alto enquanto todos falam ao mesmo tempo sem se ouvirem, embora falem alto, e sem ouvirem a televisão que ainda fala mais alto e quase grita com a publicidade.
O cão de estimação reage ao ruído ladrando e aumentando o ruído.
Às vezes, penso como é difícil os alunos estudarem em ambiente barulhento e que os que o conseguem são verdadeiros heróis.
E como é normal que só se ame o que se conhece, muitas vezes, a vida vai decorrendo neste frenesim sem pausas mais calmas.
E como seria bom se se parasse um bocadinho durante o dia sem gritar nem ouvir gritaria.
Nem que fosse por uns minutos apenas. A seguir, poderia haver vontade de baixar um pouco o som do telemóvel e talvez da televisão e muitos decibéis podiam ir sendo reduzidos.
E o significado da palavra silêncio podia ser explicado e entendido, não como tristeza ou proibição, mas como necessidade para descansar, para pensar, para comunicar melhor, para produzir mais sustentadamente...
E podíamos ser até mais felizes, dizendo convictamente: sem ele, não posso viver.
terça-feira, 5 de maio de 2020
Em dia de celebração da Língua Portuguesa
'Uma língua é o lugar donde se vê o Mundo e em que se traçam os limites do nosso pensar e sentir. Da minha língua vê-se o mar. Da minha língua ouve-se o seu rumor,
como da de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do
deserto. Por isso a voz do mar foi a da nossa inquietação.'
Vergílio Ferreira
Como noutra rua qualquer
Não sei quantas são, mas são bastantes as avós daquela rua. Durante o dia, varrem, arranjam as plantas da varanda, fazem a comida...
Mas não conversam com as vizinhas como conversavam. Não recebem os netos em casa como acontecia antes da pandemia. Não vão tomar o cafezinho à hora certa como dantes faziam. Não vão às compras como iam, sabendo sempre novidades sobre aquilo que viam e sobre as pessoas que encontravam. Não vão ao Centro de Saúde onde podiam contar coisas à médica, enquanto ela fazia o relatório...
Mas o que lhes custa mais é não estarem com os netos. Só os veem a acenar do carro e só de vez em quando.
Há pouco, uma dessas avós disse, da sua varanda para a vizinha que estava na outra varanda próxima, que chora todos os dias com saudades dos netos.
Há pouco, uma dessas avós disse, da sua varanda para a vizinha que estava na outra varanda próxima, que chora todos os dias com saudades dos netos.
Ela ouviu-a por uns segundos, mas logo fechou a porta da varanda e quase sem se despedir.
A vizinha não estava com máscara e parecia que ia dar um espirro.
Ficou na varanda a olhar a rua à espera de ver passar alguém.
Ficou na varanda a olhar a rua à espera de ver passar alguém.
segunda-feira, 4 de maio de 2020
Diálogo em boa quarentena - ou talvez não.
Tinha prometido a mim própria que o
tempo livre seria para continuar a ler Berta Isla ,
um livro fantástico de Javier Marías.
Porém , promessas, muitas vezes, não pagam escritas
quando se para, escuta, olha...
- Nunca pensei que a quarentena fosse tão boa pra mim.
- Como assim?
- Faço teletrabalho e assim estou longe da minha colega do lado.
- Não gosta dela?
- Como posso gostar? Ela é horrível.
- Não deve ser fácil trabalhar lado a lado com alguém de quem não se gosta.
- A quarentena veio mesmo a calhar. Já não a suportava mais.
- Então, boa quarentena.
- Por amor de Deus, deseje-me outra coisa. Estou farta de estar em casa.
- !!
domingo, 3 de maio de 2020
A casa de minha mãe
A casa de minha mãe tem muitas rosas, violetas e muitas mais flores a que me habituei, embora não conheça todos os nomes.
Os vasos de hortelã e de manjericão cheiram a canja de festas de antigamente Ou à terra perfumada depois da chuva. Os goivos têm cores de domingo de Ramos.
A velha capoeira alberga galinhas a cacarejar e a querer escapar-se para se espolinharem na terra e petiscarem insetos e ervas. E muitas vezes de lá irrompe um vigoroso cantar de galo a acordar as manhãs.
As coisas velhas amontoam-se aqui e ali à espera de nova utilidade porque 'guarda o que não presta e terás o que te é preciso'.
E multiplicam-se as sacas com novelos de linhas e lãs, perto da velha máquina Singer que continua a coser bem, mas onde o bicho da madeira vai deixando picadas marcas.
Alguns versos fervorosos de minha mãe estão pendurados em paredes. Os pequenos e devotos jornais são guardados em cestos e gavetas porque as mensagens devem ser duradoiras de tão belas.
A aletria da casa de minha mãe é doce e única, em travessas ou pratinhos enfeitados com canela. Incomparável é também o guisado de carne com batatas de sabor apurado a cominhos. Os rolinhos de batata recheados de bacalhau não se comem em mais lado nenhum. E o arroz de polvo faz crescer água na boca pela lenta e refogada cozedura.
Os livros de Camilo, tão amados pelo meu pai, estão sempre presentes, ainda que lá já não estejam.
Na casa, está uma boa parte da vida dos meus pais, minha e dos meus irmãos. Não só pelas fotos mas pelo tempo que lá vivemos todos.
A casa de minha mãe tem flores cujo nome desconheço.
Mas basta-me dizer que são as flores da casa da minha mãe.
Mas basta-me dizer que são as flores da casa da minha mãe.
sábado, 2 de maio de 2020
Um belo filme
Vi este filme no cinema, quando passou no Porto, e vou revê-lo agora em casa. A Medeia filmes quarentena cinéfila disponibiliza-o das 12 h de hoje às 12 h da próxima quinta-feira.
Alguns dos temas abordados são muito atuais e tratados com muita delicadeza e ternura. Para além da doçura, é claro.
Vejam, se puderem.
Poderá não ser o filme da nossa vida, mas poderá ser um bom filme na nossa vida.
Pode ler-se na apresenração deste filme de 2016:
'Sentaro gere uma pequena pastelaria de dorayakis – uma especialidade japonesa que consiste em duas panquecas recheadas com doce de feijão (“an”, no original). Quando Tokue, uma senhora com cerca de 70 anos, se oferece para trabalhar na pastelaria de Sentaro, ele aceita com relutância. No entanto, Tokue rapidamente prova que a sua receita de “an” é mágica. Graças à sua receita secreta, o negócio de Sentaro floresce rapidamente… Com o tempo, Sentaro e Tokue abrem os seus corações, e desenvolvem uma relação de amizade que vai revelando também algumas feridas do passado.'
sexta-feira, 1 de maio de 2020
Vi e gostei
'Pamela é uma jovem portuguesa da segunda geração, nascida em França. No emaranhado das suas contradições, dos seus insucessos e do amor absoluto pela sua família, sente-se perdida e parece estar incapacitada de imaginar como poderia viver a sua vida... Sobretudo porque só gosta de tocar piano e patinar no gelo. Vai, contudo, desbravar o seu próprio caminho entre França e Portugal.'
Gostei deste filme de 2017, dirigido por Laurence Ferreira Barbosa, e que a Medeia Filmes Quarentena Cinéfila, disponibiliza até às 12 h de amanhã, sábado.
É uma história com contornos muito reais vividos por diferentes gerações de emigrantes portugueses.
A protagonista, uma jovem nascida em França, fez-me lembrar os versos de Álvaro de Campos:
'Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso,
Tenho em mim todos os sonhos do mundo.'
Mas talvez a jovem concretize alguns desses sonhos, pela determinação revelada em muitas situações.
Venham mais filmes como este.
Bons filmes!
É uma história com contornos muito reais vividos por diferentes gerações de emigrantes portugueses.
A protagonista, uma jovem nascida em França, fez-me lembrar os versos de Álvaro de Campos:
'Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso,
Tenho em mim todos os sonhos do mundo.'
Mas talvez a jovem concretize alguns desses sonhos, pela determinação revelada em muitas situações.
Venham mais filmes como este.
Bons filmes!
No Primeiro de Maio
Foto do Expresso publicada em 2019 |
Éramos muito jovens e julgo que felizes. O 25 de Abril de 1974 tinha acabado de acontecer.
No primeiro 1 de Maio em Liberdade, fomos festejá-lo na avenida dos Aliados, no Porto.
Nessa tarde e nessa praça, para mim a mais bonita da cidade, juntava-se uma multidão que, em poucos dias, tinha aprendido a sorrir mais porque se tinha libertado de muito medo.
E havia canções revolucionárias que, até então, eram silenciadas e clandestinas; havia muitos cravos, havia muitas bandeiras, muitas delas até esse dia escondidas; muitas manifestações de alegria, como se a multidão saísse de uma prisão coletiva na qual a maioria tinha vivido durante quase cinco décadas, sem quase nada se poder questionar.
Éramos muito jovens, tudo era novo e belo e festivo.
Hoje, o Porto como tantas outras cidades, estará quase deserto, por imposição da pandemia.
Hoje, 1 de maio de 2020, cada um pode mais facilmente gerir a sua liberdade, sem nunca se esquecer de si nem da saúde e bem-estar dos que o rodeiam.
Será um modo feliz de a festejarmos. Mesmo sem bandeiras. Mesmo sem flores frescas dentro de casa. Mas com sorrisos sinceros.
Se se puderem vencer os entraves do momento.
Se se puderem vencer os entraves do momento.
quinta-feira, 30 de abril de 2020
Elida Almeida - Nhu Santiagu (live)
A sugestão vem hoje no Expresso Curto.
Como diz o jornalista, 'sabe bem ouvir'.
quarta-feira, 29 de abril de 2020
'Mãe' - Matilde Rosa Araújo
Luzia Lage |
Mãe!
Que verdade linda
O nascer encerra:
Eu nasci de ti,
Como a flor da terra
Matilde Rosa Araújo
Postei este pequeno poema há muito tempo.
Hoje, volto a partilhá-lo porque tem tido várias visualizações.
Que os dias tenham também Poesia!
Como o poema é muito fácil de decorar, disse-o hoje à minha mãe.
Ouviu com atenção e sorriu de contentamento.
terça-feira, 28 de abril de 2020
O detergente e o sabão
Não, não vou falar da proposta patética do sr Trump de se resolver o problema do coronavírus com a injeção de desinfetante. Já se tem falado muito desse disparate que originou muitas piadas, mas o pior é que já houve quem pusesse em prática a sugestão, pondo em risco a sua vida.
Não, o meu assunto é menos bizarro e tem outra limpeza.
Em minha casa, sempre houve detergentes qb. Conheço pessoas que compram logo o novo detergente que aparece no mercado ou é ruidosamente publicitado. Mas também conheço quem sempre tenha usado o antigo sabão, o velho Tide, o poeirento Vim e pouco mais, como a minha mãe.
Ora, numa das últimas vezes que fui ao supermercado - ainda sem filas à entrada e sem máscara - percorri o corredor dos detergentes e toca a comprar para a casa de banho, para a cozinha, para o chão, lixívia com cheiro a isto ou àquilo, cápsulas para a máquina de lavar... O meu carrinho de compras era bem diferente do carrinho de compras habitual.
Pois bem, o que é certo é que a maior parte desses detergentes já se foi porque nunca fiz tanto uso dos ditos. Lavo aqui, desinfeto acolá, tiro e lavo tapetes, as toalhas nunca param depois de usadas...
E, pelos vistos, não é só comigo que tal acontece. Os produtores de detergentes devem esfregar os bolsos de contentes porque a crise geral não é a sua crise.
Mas, apesar deste uso mais abundante de detergentes, cá em casa o sabão azul está sempre nas nossas mãos.
Mãe, tinha razão, mesmo quando a moda do sabão deixou de ser moda.
Um dia destes, vou comprar Tide, para recordar a minha avó focada no folhetim que passava na rádio todas as tardes. Nessa altura, havia sabão amarelo que deixava a mesma cor nas mãos. Se o sr Trump o descobrisse, recomendava-o para o banho. Assim, ficavam todos da sua cor.
sábado, 25 de abril de 2020
Liberdade
Hoje, 25 de Abril de 2020, Liberdade também seria poder passear na rua. Se possível, ao sol e junto ao mar.
Ou numa praça qualquer, por pequenina que fosse, e poder sorrir e abraçar e tomar um café com o rosto próximo de amados rostos.
Liberdade seria percorrer as ruas e tocar nas coisas que podem ser acarinhadas. Sem medo dos vírus que podem vaguear nas superfícies e que os humanos podem transportar na pele, nas mãos, na boca, no nariz...
Liberdade seria passear de mãos dadas por cidades abertas a sorrir.
Liberdade seria não ter medo. Não o medo antigo da ditadura, mas o medo atual que também traz proibições e forte vigilância, e que, desta vez, são justificadas e compreendidas.
Liberdade seria poder fazer parte, ou não, de ajuntamentos, conforme a vontade ou livre decisão de cada um. Não por provável conspiração, mas por improvável infeção.
Liberdade seria poder ter um diálogo próximo no intervalo do teatro e do cinema. Ou noutro qualquer sítio de arte. Ou em qualquer lugar com um banco e espaços floridos.
Mas, apesar de todas as necessárias limitações impostas pela pandemia, Liberdade é também o poder ilimitado e criativo de a celebrar. Nem que seja na varanda ou à janela ou dentro de casa.
E dentro de nós.
E dentro de nós.
quinta-feira, 23 de abril de 2020
Sobre o último livro de Manuel Maria e sugestão de viagem
Publiquei o pequeno texto, que abaixo transcrevo, no dia 9 de março deste ano, a propósito da apresentação do último livro de Manuel Maria: Cinco Palavras de Antonio Vieira.
Apesar de termos trocado algumas mensagens, antes e depois da publicação do romance, ontem recebi um comentário do autor que logo publiquei. Como depois desse texto já postei bastantes, volto a publicá-lo agora para a sua visibilidade e do comentário.
Faço-o não pelo facto de ser para mim elogioso, mas por duas razões fundamentais:
- Quando Manuel Maria comunica, fá-lo de forma inteira e com convicção, tal como vive a amizade e pratica valores como o reconhecimento, etc., o que é de realçar.
- O romance agradará aos mais variados leitores que apreciam uma bela história e belíssima escrita.
Mais uma vez, Manuel Maria, o meu trabalho foi simples pelo prazer que a leitura me deu e por tudo que pude rever e aprender com a obra. E por todas as viagens que a leitura da obra proporciona.
Apesar de termos trocado algumas mensagens, antes e depois da publicação do romance, ontem recebi um comentário do autor que logo publiquei. Como depois desse texto já postei bastantes, volto a publicá-lo agora para a sua visibilidade e do comentário.
Faço-o não pelo facto de ser para mim elogioso, mas por duas razões fundamentais:
- Quando Manuel Maria comunica, fá-lo de forma inteira e com convicção, tal como vive a amizade e pratica valores como o reconhecimento, etc., o que é de realçar.
- O romance agradará aos mais variados leitores que apreciam uma bela história e belíssima escrita.
Mais uma vez, Manuel Maria, o meu trabalho foi simples pelo prazer que a leitura me deu e por tudo que pude rever e aprender com a obra. E por todas as viagens que a leitura da obra proporciona.
'"""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""""
Sábado passado foi apresentado - por Dulce Raquel Neves, na Escola Secundária de Gondomar, onde o escritor trabalhou durante duas décadas - o novo romance de Manuel Maria: CINCO PALAVRAS de António Vieira, da Editora Lugar da Palavra.
Curiosamente, o título é formado por cinco palavras, tal como aconteceu na maioria das obras anteriores do autor.
Tive o privilégio de ler o livro antes de ser publicado e logo me apercebi do longo e aturado trabalho de investigação que foi necessário realizar para que a ficção funcionasse de forma séria e rigorosa.
Para além da sedução das histórias que são contadas, situadas no século XVII, em contexto de missões, descobertas, viagens, intercâmbios..., o exercício de escrita é também uma homenagem ao grande orador português.
Vale a pena ler e dar a ler a obra aos alunos que estudam o Sermão de Santo António aos Peixes e a todos que querem saber mais sobre o pregador, a sua época e que gostam também de boas histórias com a nossa História dentro. E de cruzarem problemas e sentimentos que continuam a fazer parte da nossa vida e da nossa atualidade.
Sobre o encontro de sábado passado e sobre o livro, sugiro a entrada na Carruagem 23 de Vítor Oliveira http://carruagem23.blogspot.com/
Vão gostar da viagem. Melhor era impossível.
quarta-feira, 22 de abril de 2020
Um livro na quarentena
Já tinha começado a ler este romance (obrigada, Zá, pelo empréstimo) antes da quarentena, mas só agora o acabei. Tem mais de 500 páginas e é constituído por cartas de mulheres ligadas a Camões por diferentes laços, incluindo os maternais, expressos por Ana de Sá.
Quase todas as cartas revelam amor, paixão, ciúme, saudade, desejo, admiração ...
Quase todas as cartas revelam amor, paixão, ciúme, saudade, desejo, admiração ...
Os textos são escritos por sete mulheres: Ana de Sá, Violante de Andrade, Catarina de Ataíde, Francisca de Aragão e também por aquelas que o Poeta vai conhecendo em terras aonde o levavam as navegações marítimas (Inês de Sousa (que, como é referido no epílogo, existiu apenas na imaginação da autora), Dinamene e Luísa Bárbara.
Assim, através das cartas, acompanhamos Camões nas suas viagens além-mar, a sua estada em terras distantes e o seu regresso a Lisboa. Tal como constam das cartas elementos da Lírica do Poeta e da sua Épica.
Assim, através das cartas, acompanhamos Camões nas suas viagens além-mar, a sua estada em terras distantes e o seu regresso a Lisboa. Tal como constam das cartas elementos da Lírica do Poeta e da sua Épica.
A autora, como ela refere no prefácio, viajou, durante dois meses, pelos lugares longínquos onde o Poeta viveu, escreveu, brigou, enfrentou perigos e despertou fortes paixões.
É interessante este romance histórico, de escrita viva e fluente, porque, apesar da ficção, permite conhecer melhor o autor de Os Lusíadas e muitos dos ambientes ligados à época dos Descobrimentos, assim como relevantes figuras históricas do século XVI.
No entanto, na minha opinião, o elevado número de cartas, quase noventa, causa um pouco de dispersão no leitor, ainda que seja notória a expressividade e beleza de muitas.
Tenho ainda na estante um monte de livros que queria ler durante a quarentena. Provavelmente, não terei tempo, mas, como o confinamento veio para durar, pode ser que, pelo menos, o volume diminua. Até que o vírus não mate!
terça-feira, 21 de abril de 2020
Medeia Filmes Quarentena Cinéfila
'Aquela loura' é o filme, francês, disponível das 12 h de 5a f às 12 h de sábado.
Este filme, restaurado, data de 1952, é do género drama, tem a duração de 96 m e é classificado para 12 anos.
Sobre este filme, pode ler-se na página da Medeia Filmes:
'Becker consegue algo raro, neste filme que é, talvez, a sua obra-prima: uma “reconstituição” de época (a Belle Époque) perfeita, no espírito do tempo. Casque d’Or (Simone Signoret) é a bela amante de um bandido, Manda (Serge Reggiani, na sua melhor interpretação de sempre), nesta história de amor, morte, amizade e ciúme.'
Este filme, restaurado, data de 1952, é do género drama, tem a duração de 96 m e é classificado para 12 anos.
Sobre este filme, pode ler-se na página da Medeia Filmes:
'Becker consegue algo raro, neste filme que é, talvez, a sua obra-prima: uma “reconstituição” de época (a Belle Époque) perfeita, no espírito do tempo. Casque d’Or (Simone Signoret) é a bela amante de um bandido, Manda (Serge Reggiani, na sua melhor interpretação de sempre), nesta história de amor, morte, amizade e ciúme.'
segunda-feira, 20 de abril de 2020
0k?
Hoje, vi o início do estudo em casa na RTP Memória. Tive curiosidade. A primeira aula foi dada por uma professora, bastante jovem, com boa voz e boa presença, que disse chamar-se Isa.
Como a aula se destinava ao primeiro ciclo, começou com uma história engraçada que morava num livro de ilustrações bem vistosas.
A partir do texto lido, construiu a sua aula sobre rimas, divisão silábica, etc.
E fê-lo muito bem, apesar de, com certeza, não estar habituada às câmaras da televisão e, por isso, estar um pouco nervosa, como disse no início da aula.
Pois bem, ao longo da sessão, e ao pretender estabelecer um diálogo com os miúdos, ainda que à distância, repetia vezes sem conta: ok?
Ora bem, pronto, ok, todos temos os nossos bordões, aquelas palavrinhas que, quase sem nos darmos conta, repetimos até à exaustão, e que só os outros ouvem.
Tive uma professora de História que dizia sempre 'os nossos amigos' a propósito de povos, de reis, de presidentes, etc. Muitos conteúdos eram perdidos para se tomar nota das vezes em que se ouvia 'os nossos amigos'.
Eu também tenho os meus apoios, é claro, e só deles me dei conta quando me disseram. A partir daí, passei a ouvi-los e a tentar evitá-los. Um deles era, e, se calhar, continua a ser, o 'ora bem'. E usarei outros bordões de linguagem, uns mais conscientes, outros menos.
Como a aula se destinava ao primeiro ciclo, começou com uma história engraçada que morava num livro de ilustrações bem vistosas.
A partir do texto lido, construiu a sua aula sobre rimas, divisão silábica, etc.
E fê-lo muito bem, apesar de, com certeza, não estar habituada às câmaras da televisão e, por isso, estar um pouco nervosa, como disse no início da aula.
Pois bem, ao longo da sessão, e ao pretender estabelecer um diálogo com os miúdos, ainda que à distância, repetia vezes sem conta: ok?
Ora bem, pronto, ok, todos temos os nossos bordões, aquelas palavrinhas que, quase sem nos darmos conta, repetimos até à exaustão, e que só os outros ouvem.
Tive uma professora de História que dizia sempre 'os nossos amigos' a propósito de povos, de reis, de presidentes, etc. Muitos conteúdos eram perdidos para se tomar nota das vezes em que se ouvia 'os nossos amigos'.
Eu também tenho os meus apoios, é claro, e só deles me dei conta quando me disseram. A partir daí, passei a ouvi-los e a tentar evitá-los. Um deles era, e, se calhar, continua a ser, o 'ora bem'. E usarei outros bordões de linguagem, uns mais conscientes, outros menos.
Voltando à professora Isa, gostei também do modo como leu uma história de Luisa Ducla Soares, na aula a seguir e que era de Leitura. Claro que as histórias de Luisa Ducla Soares são tão boas que facilitam qualquer leitura.
Quando puder, vou continuar a ver. Ok?
domingo, 19 de abril de 2020
Mulher à janela
Salvador Dali
Há duas semanas que ela, todos os dias, passava algum tempo à janela. Como a janela era virada para sul, aproveitava para apanhar um bocadinho de sol nas horas mais quentes ou amenas. Quando chovia ou estava frio, ficava a olhar por dentro dos vidros. Afastava a velha cortina para os lados e olhava as árvores que ajudara a plantar há muitos anos, como uma tangerineira que continuava com uns frutos apetitosos lá bem no alto.
Era da janela que falava com as vizinhas e com as pessoas da família. Ficava a saber as novidades, fazia perguntas e dava respostas. O tempo assim passava mais depressa e ouvia vozes a sério, sem serem interrompidas por publicidade, como acontecia na televisão.
Gostava bem mais desses momentos do que das novelas que costumava ver todos os dias. As notícias ou histórias tristes já a cansavam e para os filmes faltava-lhe paciência. Se começava a dar algum ao mesmo tempo que pressentia alguém da aldeia a passar, logo preferia ir à janela para conversar um pouco.
Esta semana vai ser crucial. Vai fazer novo teste covid 19. Se der negativo, já pode sair do quarto.
E uma das primeiras coisas que quer fazer são umas cortinas novas para a janela do quarto, donde quase não saiu durante a quarentena, mas que a punha em contacto direto com o seu mundo, ainda que à distância.
Nunca tinha reparado como a janela era bonita. Merecia mesmo umas cortinas novas. Tinham de ser transparentes como as antigas. Para que a luz continuasse a entrar.
sábado, 18 de abril de 2020
Medeia Filmes Quarentena Cinéfila
O que pode ler-se na apresentação deste filme classificado para doze anos:
'Último filme da tetralogia sobre o poder realizada por Aleksandr Sokurov, “Fausto” é baseado na primeira parte da tragédia homónima de Goethe: um homem de ciência deixa-se manipular por um sujeito traiçoeiro, que lhe promete dinheiro e a mulher que deseja, numa época marcada pela fome e pela corrupção.'
'Último filme da tetralogia sobre o poder realizada por Aleksandr Sokurov, “Fausto” é baseado na primeira parte da tragédia homónima de Goethe: um homem de ciência deixa-se manipular por um sujeito traiçoeiro, que lhe promete dinheiro e a mulher que deseja, numa época marcada pela fome e pela corrupção.'
Este filme está disponível das 12 h de hoje, sábado, até às 12 h da próxima 3a f.
Bom filme (assim espero)!
sexta-feira, 17 de abril de 2020
A ouvir também se 'lê'
Há anos que o audio-livro estava na minha estante de CDs, à espera de ser lido, ou melhor, ouvido.
Fui buscá-lo hoje, em tempo de quarentena por Covid 19 e um par de dias após a morte de Luís Sepúlveda, autor do texto, vitimado por essa doença.
A leitura do livro é expressiva e ajuda na viagem até à aldeia na floresta, onde vivia O Velho que lia Romances de Amor.
Vou continuar a viagem aqui do meu sofá. Posso até apagar a luz que os ambientes não se esbatem nem as personagens desaparecem nem a ação esmorece.
Pelo sim, pelo não, mantenho a janela aberta. Também ajuda a olhar mais longe.
E Luis Sepúlveda foi uma verdadeira janela para a necessidade crescente de humanização. E de boas histórias.
quinta-feira, 16 de abril de 2020
Medeia Filmes Quarentena Cinéfila - Nostalgia
Este filme está disponível das 12 h de hoje, 5a f,
às 12 h do próximo sábado.
No anúncio do filme (para 16 anos), pode ler-se:
'Um poeta russo, sentindo-se aprisionado pela fama e por um casamento infeliz, parte à procura do seu passado cultural em Itália. Viaja pela Toscana com Eugenia, a sua intérprete italiana. Um encontro com Domenico, um velho aparentemente lunático, acaba por permitir ao escritor compreender o segredo da sua própria nostalgia.'
Bom filme (espero que sim)!
quarta-feira, 15 de abril de 2020
Elas devem estar a gostar da liberdade!
Quando vou ao meu quintal, vejo como tantas rosas já desabrocharam, tantos lírios já abriram, tantas proteias já se pintaram, tantas camélias já ofereceram tantas cores...
Parecem estar a gostar de mais silêncios, de menos olhares curiosos, de menos cortes.
E das ervas daninhas nem se fala. Ele é ervas de toda a espécie. Por toda a parte. Também parecem contentes por poderem ocupar espaços onde habitualmente não as deixam estar
Imagino que haja muitos quintais e jardins assim em tempo de quarentena.
Parecem estar a gostar de mais silêncios, de menos olhares curiosos, de menos cortes.
E das ervas daninhas nem se fala. Ele é ervas de toda a espécie. Por toda a parte. Também parecem contentes por poderem ocupar espaços onde habitualmente não as deixam estar
Imagino que haja muitos quintais e jardins assim em tempo de quarentena.
terça-feira, 14 de abril de 2020
Cruzes!
Vi, com estupefacção, que, no passado domingo de Páscoa, foi dada uma cruz a beijar a muitos idosos. E não só.
Numa das instituições, a pessoa que segurava a cruz zelava, cuidadosamente, para que chegasse bem à boca do idoso ou da idosa para que o beijo não se desviasse nem se afastasse do centro.
Terrivel. Inconsciente. Ignorante.
Assim, a mesma cruz passou de boca em boca em toda a fila de idosos. Na passagem de um para outro, a pessoa, que parecia jovem, limpava a cruz com o mesmo paninho que, para ela, devia ser mágico e não contaminado, como possivelmente estava.
Sou católica, já recebi o compasso em minha casa inúmeras vezes, mas sempre me fez confusão que a mesma a cruz fosse beijada por todos. E nem sequer se falava desta pandemia.
Nesta Páscoa, vi padres que, criativamente, estiveram próximos dos paroquianos, mas com o devido afastamento social.
Numa das instituições, a pessoa que segurava a cruz zelava, cuidadosamente, para que chegasse bem à boca do idoso ou da idosa para que o beijo não se desviasse nem se afastasse do centro.
Terrivel. Inconsciente. Ignorante.
Assim, a mesma cruz passou de boca em boca em toda a fila de idosos. Na passagem de um para outro, a pessoa, que parecia jovem, limpava a cruz com o mesmo paninho que, para ela, devia ser mágico e não contaminado, como possivelmente estava.
Sou católica, já recebi o compasso em minha casa inúmeras vezes, mas sempre me fez confusão que a mesma a cruz fosse beijada por todos. E nem sequer se falava desta pandemia.
Nesta Páscoa, vi padres que, criativamente, estiveram próximos dos paroquianos, mas com o devido afastamento social.
E o que é certo é que os tais idosos, a quem a cruz era dada a beijar, nem mostravam um júbilo particular pelo gesto.
E os responsáveis pela iniciativa deviam saber o que estavam a fazer porque a informação e os alertas chegam a todos e a toda a hora.
Se não sabiam o que estavam a fazer, mais uma razão para não serem perdoados.
O sofá - antes e depois da pandemia
Antes da pandemia, passava pouquíssimo tempo no sofá. Apesar de já o ter há largos anos, achava que não tinha sido boa compra, apesar de não ser desconfortável.
A mesa da sala ou da cozinha eram alguns dos meus espaços preferidos, também para usar o computador. Mas, coitado, como engasguei o teclado com desinfetante, ali jaz, muito sossegadinho, até a quarentena o permitir.
Mas tudo seria mais fácil se fosse possível ver camélias de todos os sofás.
A mesa da sala ou da cozinha eram alguns dos meus espaços preferidos, também para usar o computador. Mas, coitado, como engasguei o teclado com desinfetante, ali jaz, muito sossegadinho, até a quarentena o permitir.
Pois bem, depois que o meu computador ficou impróprio para uso, uso muito mais o meu sofá. E, curioso, até lhe encontro outras valências.
Cobri-o com uma manta antiga, ainda tecida em tear, e lá está o livro que ando a ler, uma revista, o telemóvel, o meu tablet - que até à pandemia pouco era usado - e até um termómetro, não vá o covid tecê-las!
Realmente, nós, os humanos, temos uma capacidade enorme de adaptação. O que fazemos numa semana pode ser alterado na seguinte e, regra geral, seguimos as regras definidas, quando as entendemos e para elas estamos disponíveis.Mas tudo seria mais fácil se fosse possível ver camélias de todos os sofás.
segunda-feira, 13 de abril de 2020
Senhor Presidente, por favor!
Senhor Presidente, queria fazer-lhe um pedido: não mande já fazer uma medalha para o Enfermeiro Luís, que tratou do Senhor Primeiro Ministro Boris Johnson, num hospital de Londres.
O Senhor Presidente deve estar a pensar que muitos portugueses falam dele e que fica bem chamá-lo ao palco, com pompa e fitas coloridas ao pescoço como mandam essas circunstâncias, para o medalhar, mas peço-lhe que não o faça.
Senhor Presidente, sou uma anónima cidadã, mas tenho algumas razões para lhe fazer este pedido e a convicção de que não sou só eu a pensar assim.
Se o Senhor Presidente me permite, aqui vão algumas:
Senhor Presidente, se medalhar o Enfermeiro Luís, terá de fazer o mesmo a todos os outros que, de forma igualmente competente e incansável, ajudaram e continuam a ajudar a salvar tanta gente em Portugal e não só. Mesmo sabendo que o seu nome nunca será anunciado nem o nome dos doentes conhecido.
Senhor Presidente, seria injusto premiar apenas um Enfermeiro, cujo nome aparece a toda a hora nas redes sociais e não só, mas sei que dar medalhas a todos os Enfermeiros seria impensável e muito dispendioso porque o país vai ficar economicamente mais fraco, depois desta pandemia.
Por isso, Senhor Presidente, sossegue, lembre-se que a sua idade é de risco. Por favor, não corra riscos desnecessários, porque, para além de se precipitar e de ser injusto, mais dificilmente fica imune.
Todos sabemos que o Senhor Presidente quer o bem estar e a felicidade de todos os portugueses, mas não se deixe influenciar por figuras mediáticas poderosas, sejam elas penteadas ou despenteadas, estejam elas à frente ou na retaguarda dos países.
Se o Senhor Presidente já mandou fazer a medalha, guarde-a, por favor, porque o Enfermeiro Luís já teve uma grande recompensa. Muitos outros também já foram reconhecidos, felizmente, mas ninguém soube porque não deu na televisão.
O Senhor Presidente deve estar a pensar que muitos portugueses falam dele e que fica bem chamá-lo ao palco, com pompa e fitas coloridas ao pescoço como mandam essas circunstâncias, para o medalhar, mas peço-lhe que não o faça.
Senhor Presidente, sou uma anónima cidadã, mas tenho algumas razões para lhe fazer este pedido e a convicção de que não sou só eu a pensar assim.
Se o Senhor Presidente me permite, aqui vão algumas:
O Senhor Presidente não pode cumprimentar, nem abraçar, nem tirar selfies com ele, porque o tempo é, e deve continuar a ser, de distanciamento social. Assim sendo, a cerimônia perde logo bastante piada e, na posteridade, será difícil demonstrar aos filhos que a medalha era mesmo merecida. A menos que a era de abraços que o Senhor Presidente tanto abraçava fique eternamente de quarentena ou entre em cuidados depressivos.
Por outro lado, Senhor Presidente, reconheço que o Enfermeiro Luís merece elogios, porque há evidências que tratou de forma exemplar uma pessoa, neste caso, o chefe do governo do Reino Unido, um país que já foi mais unido, mas isso merece outro tratamento.Senhor Presidente, se medalhar o Enfermeiro Luís, terá de fazer o mesmo a todos os outros que, de forma igualmente competente e incansável, ajudaram e continuam a ajudar a salvar tanta gente em Portugal e não só. Mesmo sabendo que o seu nome nunca será anunciado nem o nome dos doentes conhecido.
Senhor Presidente, seria injusto premiar apenas um Enfermeiro, cujo nome aparece a toda a hora nas redes sociais e não só, mas sei que dar medalhas a todos os Enfermeiros seria impensável e muito dispendioso porque o país vai ficar economicamente mais fraco, depois desta pandemia.
Por isso, Senhor Presidente, sossegue, lembre-se que a sua idade é de risco. Por favor, não corra riscos desnecessários, porque, para além de se precipitar e de ser injusto, mais dificilmente fica imune.
Todos sabemos que o Senhor Presidente quer o bem estar e a felicidade de todos os portugueses, mas não se deixe influenciar por figuras mediáticas poderosas, sejam elas penteadas ou despenteadas, estejam elas à frente ou na retaguarda dos países.
Se o Senhor Presidente já mandou fazer a medalha, guarde-a, por favor, porque o Enfermeiro Luís já teve uma grande recompensa. Muitos outros também já foram reconhecidos, felizmente, mas ninguém soube porque não deu na televisão.
Muita saúde, Senhor Presidente, e, pela sua saúde, pense também na nossa saúde mental.
Saudações cordiais.Conversas em tempo de quarentena
Conversa 1
- Mãe, levantei-me cedo e fui correr.
- Fizeste bem, filha.
- E havia flores tão bonitas: magnólias, narcisos, cerejeiras...
- Imagino. As flores parecem indiferentes à pandemia e ainda bem.
- Não fotografei nenhuma porque não tenho levado telemóvel.
- Fazes bem, filha, quanto mais coisas levarmos lá pra fora, mais bicharada trazemos cá pra dentro.
Conversa 2
- Então, tens escrito histórias?
- Não tantas como gostaria.
- Agora tens mais tempo.
- Mas não tenho computador.
- Como assim?
- Com as desinfeções, estraguei o teclado.
- Escreve à mão.
- Não é a mesma coisa.
- Agora, nada é a mesma coisa!
- Mãe, levantei-me cedo e fui correr.
- Fizeste bem, filha.
- E havia flores tão bonitas: magnólias, narcisos, cerejeiras...
- Imagino. As flores parecem indiferentes à pandemia e ainda bem.
- Não fotografei nenhuma porque não tenho levado telemóvel.
- Fazes bem, filha, quanto mais coisas levarmos lá pra fora, mais bicharada trazemos cá pra dentro.
Conversa 2
- Então, tens escrito histórias?
- Não tantas como gostaria.
- Agora tens mais tempo.
- Mas não tenho computador.
- Como assim?
- Com as desinfeções, estraguei o teclado.
- Escreve à mão.
- Não é a mesma coisa.
- Agora, nada é a mesma coisa!
domingo, 12 de abril de 2020
sábado, 11 de abril de 2020
Sobre uma frase que ouvi hoje
Hoje ouvi uma frase que me fez parar um pouco a lavagem da loiça do pequeno almoço:
'Éramos felizes sem o sabermos'.
'Éramos felizes sem o sabermos'.
De facto, andávamos na rua à vontade, falávamos com quem queríamos, abraçávamos e éramos abraçados, trocávamos objetos sem pensar nos perigos que a eles podiam vir agarrados, fazíamos compras sem nos lembrarmos dos vírus dos que estavam próximos, podíamos ir passear até onde o tempo e os dinheiros permitissem...
E, mesmo assim, tantas vezes nos queixávamos, tantas vezes andávamos tristes porque chovia, porque havia trânsito, porque o vizinho tinha posto o carro uns centímetros à frente do que devia ser, porque havia uma criança a chorar no restaurante, porque não dava nada de jeito na televisão...
Agora, necessariamente confinados ao espaço da casa (tantas vezes pequena, tantas vezes pouco pacífica), vemos que algumas das coisas que nos punham tristes até teriam alguma piada, se as pudéssemos viver agora.
De facto, até em coisas pequeninas 'éramos felizes sem o sabermos'.
Quarentena cinéfila - Medeia Filmes
Filme disponível das 12 h de hoje, sábado, até às 12 h da próxima 3a f.
Ainda não sei do que se trata, mas o título é sugestivo.
Quem é que nunca se deliciou com canções de amor?
Ainda não sei do que se trata, mas o título é sugestivo.
Quem é que nunca se deliciou com canções de amor?
sexta-feira, 10 de abril de 2020
O solitário da rua - 6a f
Ontem, recebi um telefonema de uma vizinha. Atendi, mas não conhecia o número. Nunca tínhamos falado, apesar de morarmos perto há longos anos. Um pouco nervosamente, identificou-se:
- Boa tarde, sr António, sou a Otília, a vizinha, desculpe ligar-lhe. Nem sei como tinha o seu número. O papelinho já é antigo e ainda bem que não o deitei fora. Posso falar um bocadinho?
- Claro, dona Otília.
- Às vezes, gosto de ficar a olhar pela janela, vejo-o na sua horta ou no seu jardim e sinto vontade de falar consigo. Hoje, resolvi mesmo tomar a iniciativa.
- Precisa de alguma coisa, dona Otília? Quer que lhe traga algumas coisas do supermercado?
- Não, sr António, quanto a isso, tenho tudo. Os meus filhos deixam ficar à porta, embora não entrem. Eu compreendo, porque a minha idade é de risco e eles têm filhos pra criar. Para além disso, não têm a vida fácil porque têm o teletrabalho e os miúdos sempre em casa. E eles não param. Só se for com os jogos de computador.
- E da farmácia, precisa de alguma coisa?
- Tambem já me trouxeram os medicamentos que tomo sempre. Por acaso nesse dia também vieram os meninos, mas ficaram no carro. Espreitei-os pela janela para lhes atirar beijinhos, mas nem me viram porque estavam muito entretidos com os jogos do tablet.
- Mas precisa doutras coisas, dona Otília?
- No fundo, Sr António, peço-lhe muita desculpa de o incomodar, mas eu precisava era mesmo de falar e de alguém que me ouvisse. Eu sou um bocadinho como o Sr António, não paro muito a falar na rua, mas também estar sempre aqui fechada e sozinha até me faz chorar e lembrar-me de coisas tristes.
- Pois, compreendo, dona Otília, mas temos de confiar que este pesadelo vai passar.
- Eu também acho que sim, mas depois tudo vai ser diferente. Sinto muita vontade de abraçar os meus netos, mas sabe que me vou conter nessas ocasiões? Se algum aparecer com tosse, vou logo sentir culpa.
- Mas, dona Otília, há tosse e tosse e isto vai passar.
- Sr António, já falámos um bocadinho e fiquei mais aliviada. Peço-lhe desculpa, mais uma vez.
- Também lhe agradeço, dona Otília, por ter telefonado. Gostei muito de falar consigo e sabe que também aliviou um pouco o meu dia? Boa Páscoa.
- Ainda fico mais feliz. Boa Páscoa.
- Boa tarde, sr António, sou a Otília, a vizinha, desculpe ligar-lhe. Nem sei como tinha o seu número. O papelinho já é antigo e ainda bem que não o deitei fora. Posso falar um bocadinho?
- Claro, dona Otília.
- Às vezes, gosto de ficar a olhar pela janela, vejo-o na sua horta ou no seu jardim e sinto vontade de falar consigo. Hoje, resolvi mesmo tomar a iniciativa.
- Precisa de alguma coisa, dona Otília? Quer que lhe traga algumas coisas do supermercado?
- Não, sr António, quanto a isso, tenho tudo. Os meus filhos deixam ficar à porta, embora não entrem. Eu compreendo, porque a minha idade é de risco e eles têm filhos pra criar. Para além disso, não têm a vida fácil porque têm o teletrabalho e os miúdos sempre em casa. E eles não param. Só se for com os jogos de computador.
- E da farmácia, precisa de alguma coisa?
- Tambem já me trouxeram os medicamentos que tomo sempre. Por acaso nesse dia também vieram os meninos, mas ficaram no carro. Espreitei-os pela janela para lhes atirar beijinhos, mas nem me viram porque estavam muito entretidos com os jogos do tablet.
- Mas precisa doutras coisas, dona Otília?
- No fundo, Sr António, peço-lhe muita desculpa de o incomodar, mas eu precisava era mesmo de falar e de alguém que me ouvisse. Eu sou um bocadinho como o Sr António, não paro muito a falar na rua, mas também estar sempre aqui fechada e sozinha até me faz chorar e lembrar-me de coisas tristes.
- Pois, compreendo, dona Otília, mas temos de confiar que este pesadelo vai passar.
- Eu também acho que sim, mas depois tudo vai ser diferente. Sinto muita vontade de abraçar os meus netos, mas sabe que me vou conter nessas ocasiões? Se algum aparecer com tosse, vou logo sentir culpa.
- Mas, dona Otília, há tosse e tosse e isto vai passar.
- Sr António, já falámos um bocadinho e fiquei mais aliviada. Peço-lhe desculpa, mais uma vez.
- Também lhe agradeço, dona Otília, por ter telefonado. Gostei muito de falar consigo e sabe que também aliviou um pouco o meu dia? Boa Páscoa.
- Ainda fico mais feliz. Boa Páscoa.
quarta-feira, 8 de abril de 2020
A boa moda do pão caseiro
O pão redondo é de espelta; o mais comprido é de trigo e espelta.
Fiquei com vontade de continuar a fazer o pão em casa. Mesmo depois da quarentena.
Fiquei com vontade de continuar a fazer o pão em casa. Mesmo depois da quarentena.
O solitário da rua - 4a f.
Ontem de manhã, veio uma única utente na repartição. À chegada, perguntou-me com alguma agressividade se tinha de tirar a senha. Eu disse-lhe que não, porque não havia mais ninguém. Olhou à volta como que amedrontada. Perguntei-lhe qual era o assunto e ela começou a tossir. Instintivamente, afastei- me ainda mais do que é exigido. Ela pôs o cotovelo à frente do rosto e começou a chorar.
Fiquei sem saber o que fazer, enquanto a minha colega, sem dizer nada, espalhava spray desinfetante no balcão.
A utente, mulher de uns 40 anos maltratados, disse, com crescente agressividade, que não estava infetada, que tinha feito teste e deu negativo. E quem se julgava a funcionária para vir logo desinfetar vírus que não tinha.
- Se calhar, é você que os tem na sua cabeça.
Vi-me na necessidade de intervir.
- Vamos, então, tratar do seu assunto.
A utente continuava voltada para a minha colega.
- Queria ver se fosse uma pessoa chique, se você vinha logo limpar. E sem uma palavrinha nem um olhar. Como se eu fosse um monte de vírus. Estou farta de ser humilhada dentro e fora de casa. Venho aqui, desinfetam; vou à polícia queixar-me, dizem-me que desinfete por enquanto!!!
De repente, a utente saiu, batendo com a porta e sem dizer o assunto que a tinha trazido ali.
À noite, ouvi notícias sobre o aumento da violência doméstica em tempo de confinamento social e senti vontade de falar com a utente. Se ela voltar.
Fiquei sem saber o que fazer, enquanto a minha colega, sem dizer nada, espalhava spray desinfetante no balcão.
A utente, mulher de uns 40 anos maltratados, disse, com crescente agressividade, que não estava infetada, que tinha feito teste e deu negativo. E quem se julgava a funcionária para vir logo desinfetar vírus que não tinha.
- Se calhar, é você que os tem na sua cabeça.
Vi-me na necessidade de intervir.
- Vamos, então, tratar do seu assunto.
A utente continuava voltada para a minha colega.
- Queria ver se fosse uma pessoa chique, se você vinha logo limpar. E sem uma palavrinha nem um olhar. Como se eu fosse um monte de vírus. Estou farta de ser humilhada dentro e fora de casa. Venho aqui, desinfetam; vou à polícia queixar-me, dizem-me que desinfete por enquanto!!!
De repente, a utente saiu, batendo com a porta e sem dizer o assunto que a tinha trazido ali.
À noite, ouvi notícias sobre o aumento da violência doméstica em tempo de confinamento social e senti vontade de falar com a utente. Se ela voltar.
terça-feira, 7 de abril de 2020
O solitário da rua - 3a f.
Durante muito tempo, fui o solitário da rua. Os dias da semana eram passados casa-trabalho/trabalho-casa. Dizia bom dia ou boa tarde aos vizinhos e poucas palavras trocávamos porque andava cada um na sua vida.
Um grupo de vizinhas passava longo tempo à porta a conversar, depois da casa limpa, roupa lavada e passada... Isto imaginava eu, porque, apesar de ser o solitário da rua, também dava comigo a recriar algumas vidas.
Quando eu passava, sorriam-me, boa tarde, sr António, como vai, Sr António, e, após uns momentos de parado silêncio, retomavam o falar alheio, repetindo os gestos e as palavras interrompidos à minha passagem.
Sou uma espécie de ave rara que vive na rua. Vivo sozinho, trato da casa, do jardim e do quintal e não recebo muitas visitas. Agora nem visito ninguém nem ninguém cá vem, porque o tempo é de pandemia e todos os tornámos solitários da nossa rua.
Tenho cumprido o meu horário na repartição, mas, quando regresso a casa, não tenho visto as vizinhas, o que me faz sentir saudades. Talvez tenham criado um grupo doWhatsapp. Mesmo assim, a quarentena deve estar a custar-lhes bastante.
Os fins de tarde eram sagrados para mim, depois de ter respondido a tantas perguntas, ajudado a preencher papéis, ouvido a máquina a chamar pelo número da senha dos utentes, tentado acalmar os mais infelizes e exaltados...
Agora faz-me impressão ver a repartição vazia, a rua vazia. E não ouvir boa tarde, Sr António; como vai, Sr António...
Quando passar, vou olhar para a janela. Se alguma delas lá estiver, vou acenar-lhe.
Um grupo de vizinhas passava longo tempo à porta a conversar, depois da casa limpa, roupa lavada e passada... Isto imaginava eu, porque, apesar de ser o solitário da rua, também dava comigo a recriar algumas vidas.
Quando eu passava, sorriam-me, boa tarde, sr António, como vai, Sr António, e, após uns momentos de parado silêncio, retomavam o falar alheio, repetindo os gestos e as palavras interrompidos à minha passagem.
Sou uma espécie de ave rara que vive na rua. Vivo sozinho, trato da casa, do jardim e do quintal e não recebo muitas visitas. Agora nem visito ninguém nem ninguém cá vem, porque o tempo é de pandemia e todos os tornámos solitários da nossa rua.
Tenho cumprido o meu horário na repartição, mas, quando regresso a casa, não tenho visto as vizinhas, o que me faz sentir saudades. Talvez tenham criado um grupo doWhatsapp. Mesmo assim, a quarentena deve estar a custar-lhes bastante.
Os fins de tarde eram sagrados para mim, depois de ter respondido a tantas perguntas, ajudado a preencher papéis, ouvido a máquina a chamar pelo número da senha dos utentes, tentado acalmar os mais infelizes e exaltados...
Agora faz-me impressão ver a repartição vazia, a rua vazia. E não ouvir boa tarde, Sr António; como vai, Sr António...
Quando passar, vou olhar para a janela. Se alguma delas lá estiver, vou acenar-lhe.
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