domingo, 22 de julho de 2012

O solitário da rua

Era um funcionário público que, de dia, tinha toda a carga física e psicológica de um comum funcionário público.

Cumpria bem a sua missão: tinha os papéis organizados, sabia utilizar bem as novas tecnologias, atendia bem o público.

Não gostava que os utentes da repartição falassem muito alto, enquanto estavam à espera da sua vez. Também o irritava ouvir os toques estridentes do telemóvel e logo de seguida o "tôooo" habitual. Tentava controlar-se e todos diziam que era um homem calmo.

A hora mais feliz era a de saída. Não é que não gostasse de trabalhar na repartição, mas ir para casa ao fim da tarde era o momento alto do dia.

Quando tinha reuniões ou eventos à noite, sentia que um dia se colava ao outro sem o tempo de profunda liberdade de que sempre estava à espera e de que precisava para harmonizar a vida.

Chegava a casa, tirava a roupa que logo separava: ou para usar de novo ou para lavar. Vestia a roupa do campo, calçava as botas, punha o boné e saía para o exterior da casa.

Um dia, olhou-se ao espelho do móvel junto à porta e até lhe pareceu que a sua imagem era a de um belo homem, mas logo saiu para o trabalho diário no jardim e no quintal. Não tinha tempo a perder e daí a nada cairia a noite.

Os cães aproximavam-se sempre à espera de festas. E era preciso regar o feijão, as árvores de fruto, tirar as ervas às aromáticas...

No final do dia, depois do jantar, sentava-se a ler e a ouvir música.

Ao seu lado, um copo de vinho tinto. 
E uma fotografia com uma legenda desenhada e redonda: Para o homem mais belo da minha vida

Sorria e ia pôr o copo, vazio, na cozinha.

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