domingo, 1 de julho de 2012

Carta a Ruben A.






Que tenhas morrido é ainda uma notícia 
Desencontrada e longínqua e não a entendo bem 
Quando – pela primeira vez – bateste à porta da casa e te sentaste à mesa 

Trazias contigo como sempre alvoroço e início 
Tudo se passou em plenos e projectos 
E ninguém poderia pensar em despedida 

Mas sempre trouxeste contigo o desconexo 
De um viver que nos funda e nos renega 
- Poderei procurar o reencontro verso a verso 
E buscar – como oferta – a infância antiga 

A casa enorme vermelha e desmedida 
Com seus átrios de pasmo e ressonância 
O mundo dos adultos nos cercava 
E dos jardins subia a transbordância 
De rododendros dálias e camélias 
De frutos roseirais musgos e tílias 

As tílias eram como catedrais 
Percorridas por brisas vagabundas 
As rosas eram vermelhas e profundas 
E o mar quebrava ao longe entre os pinhais 

Morangos e muguet e cerejeiras 
Enormes ramos batendo nas janelas 
Havia o vaguear tardes inteiras 
E a mão roçando pelas folhas de heras 

Havia o ar brilhante e perfumado 
Saturado de apelos e de esperas 
Desgarrada era a voz das primaveras 

Buscarei como oferta a infância antiga 
Que mesmo tão distante e tão perdida 
Guarda em si a semente que renasce 


Sophia de Mello Breyner






 

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