segunda-feira, 21 de maio de 2012

Um conto do "Prémio Camões" 2012


  Encontrei este curtíssimo conto de Dalton Trevisan. 

Tanta coisa contada, sentida, sugerida, imaginada...
 em tão poucas palavras!




Dois velhinhos

Dois pobres inválidos, bem velhinhos, esquecidos numa cela de asilo.

Ao lado da janela, retorcendo os aleijões e esticando a cabeça, apenas um podia olhar lá fora.

Junto à porta, no fundo da cama, o outro espiava a parede úmida, o crucifixo negro, as moscas no fio de luz.

Com inveja, perguntava o que acontecia. Deslumbrado, anunciava o primeiro: 

— Um cachorro ergue a perninha no poste.

Mais tarde: 

— Uma menina de vestido branco pulando corda.

Ou ainda: 

— Agora é um enterro de luxo.

Sem nada ver, o amigo remordia-se no seu canto. O mais velho acabou morrendo, para alegria do segundo, instalado afinal debaixo da janela.

Não dormiu, antegozando a manhã.

Bem desconfiava que o outro não revelava tudo.

Cochilou um instante — era dia. 

Sentou-se na cama, com dores espichou o pescoço:

entre os muros em ruína, ali no beco, um monte de lixo.



Texto extraído do livro de Dalton Trevisan  Mistérios de Curitiba, Editora Record — Rio de Janeiro,1979.


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