Encontrei este curtíssimo conto de Dalton
Trevisan.
Tanta coisa contada, sentida, sugerida, imaginada...
em tão poucas palavras!
Dois velhinhos
Dois pobres inválidos, bem
velhinhos, esquecidos numa cela de asilo.
Ao lado da janela, retorcendo os
aleijões e esticando a cabeça, apenas um podia olhar lá fora.
Junto à porta, no fundo da cama, o
outro espiava a parede úmida, o crucifixo negro, as moscas no fio de luz.
Com inveja, perguntava o que
acontecia. Deslumbrado, anunciava o primeiro:
— Um cachorro ergue a perninha no
poste.
Mais tarde:
— Uma menina de vestido branco
pulando corda.
Ou ainda:
— Agora é um enterro de luxo.
Sem nada ver, o amigo remordia-se no
seu canto. O mais velho acabou morrendo, para alegria do segundo, instalado
afinal debaixo da janela.
Não dormiu, antegozando a manhã.
Bem desconfiava que o outro não
revelava tudo.
Cochilou um instante — era dia.
Sentou-se na cama, com dores espichou o pescoço:
entre os muros em ruína, ali no
beco, um monte de lixo.
Texto extraído do livro
de Dalton
Trevisan Mistérios de Curitiba, Editora Record — Rio de Janeiro,1979.
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