terça-feira, 8 de maio de 2012

A cada um o seu olhar

Van Gogh

Há muito que ela dizia que gostava de dormir num quarto com uma grande janela que pudesse ficar aberta durante a noite, deixando-a ver o céu, enquanto não dormia e sempre que acordasse.

Queria olhar longamente as diferentes formas da lua, o brilho das estrelas, as tonalidades do céu...

Em casa, não o poderia fazer, porque quase todas as janelas davam para as janelas vizinhas. Se uma se abrisse, logo da outra se veria o que se passava. E ela sempre fora discreta. E sobretudo prezava a privacidade - tanto a sua como a dos outros.

Um dia, também afirmara que gostava de viver perto de um vulcão, mas sabia que isso, tal como muitos outros sonhos, nunca poderia concretizar.

Dormir num quarto donde pudesse ver o céu noturno seria bem mais fácil. E, no entanto, nunca o tinha feito.

Uma noite, deixou apenas a vidraça fechada. A persiana continuou toda corrida acima. Tal como havia estado durante o dia. 

Que os vizinhos a vissem pouco a incomodava. Toda a gente dorme. E que se saiba o mais comum é ser numa cama. Naquela noite, queria ver o céu. Sem olhar sequer o peitoril da janela, apagou todas as luzes.  Deitou-se. Ao alcance dos seus olhos, tinha os brilhos celestes que hoje ousaria observar durante a noite. 

Na rua, começaram a ouvir-se vozes. Pareciam murmúrios. Todos olhavam a janela aberta.  E todos elogiavam a generosidade da moradora: que nem fechara a janela para não matar o pássaro que estava lá há horas com a sua cria!

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