segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Entre "doenças (1)" e "dor (1)", lá estava eu...

Hoje visitei o blog Terrear de Matias Alves, no qual já participei com alguns textos. Nas "etiquetas" laterais, dei de caras com o meu nome. Como começa por d, lá estava eu entre doença e dor... Se calhar não é por acaso que esta última palavra mora no meu nome.

Pois, revi, então, alguns textos que escrevi há algum tempo. Aqui vai um deles:



FELIZ ANO NOVO!


Casa quase toda na penumbra. Luz acesa na sala e na cozinha. Móveis antigos. Jarras com flores. Secas, algumas. Verdes, as folhas das camélias e do azevinho. O cão a correr e a abanar a cauda de contente.
O bicho já era velho mas nunca perdia a alegria. Só quando tinha estado doente. Nessa altura, lambia as mãos da dona, sem se levantar, por falta de força nas patas. E o olhar esvaziava-se, implorante e débil.
Reformada há vários anos, ela via a casa esvaziar-se das vozes familiares. Só a mobília e os objectos se mantinham nos lugares. E o cão enroscado sempre na carpete bem junto ao sofá. Com suspiros de sonolento alívio.
No dia-a-dia, a casa era quase só para ela e para o cão. Os lugares foram criando memória. Como os objectos de relembradas histórias. Dos sítios donde tinham vindo e das pessoas a eles ligadas.
A casa tinha um jardim por onde o cão corria. Porém, mantinha-se rente ao portão quando pressentia o regresso da dona.
Chegando a casa, os sons repetiam-se. O meter da chave. O empurrar da porta. O pousar da carteira. O tirar dos sapatos. O abrir da torneira. O correr da água. A água a cair no copo. Logo a seguir, o caminhar até ao telefone e o marcar asterisco mais duzentos. Para ver se a voz invariável anunciava:
- Tem uma mensagem nova.
Se assim fosse, sentiria mais alguma companhia.
Com o cão e as flores, a comunicação era fácil. Bastava olhá-los e tocar-lhes.
Ao cão fazia festas e às flores também, ajeitando a terra à sua volta.
Era um fim de tarde frio de início de Janeiro. Pegou num livro. Antes de o abrir, aproximou-se do telefone e marcou, como habitualmente, asterisco mais duzentos. A voz acetinada do outro lado fez-se ouvir, repetindo o que muitas vezes anunciava:
- Não tem mensagens novas.
Ela pousou o telefone sem desolação. E, contrariamente ao habitual, logo a seguir marcou um número.
- Feliz Ano Novo, disse em tom de celebração.
Do outro lado - sentia-se na voz - também alguém ficava um pouco mais feliz.

Dolores Garrido
Janeiro 2010
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