Vem ouvir a minha cabeça
contar histórias ricas que ainda não viajei! Traz tinta encarnada para escrever
estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue verdadeiro, encarnado!
Mãe! Passa a tua mão pela
minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens
e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou viajar. Tenho sede! Eu
prometo saber viajar.
Quando voltar é para
subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da
nossa casa. Depois venho sentar-me ao teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te
as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei,
escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe! ata as tuas mãos às
minhas e dá um nó cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa
casa. Como a mesa. Eu também quero ter um feitio que sirva exactamente para a
nossa casa, como a mesa.
Mãe! passa a tua mão pela
minha cabeça!
Quando passas a tua mão
na minha cabeça é tudo tão verdade!
Poema e pintura de Almada Negreiros (1893-1970)
Sem comentários:
Enviar um comentário