Do que Alcina menos gostava no hospital era das noites Custava-lhe a luz forte e comprida da parede em frente, que ficava acesa até muito tarde. Também a vozearia das enfermeiras e das auxiliares a perturbava. Porém, não fazia críticas, porque, desde pequena, a isso não fora habituada e a reação implicava sempre ralhetes e o pior era fazerem-lhe crer que ela não tinha direito a opinião.
Nesses momentos, fechava os olhos, parecia dormir, mas estava bem acordada. Deixava fluir o pensamento, com muitos avanços e recuos. Era então que muitos dias do passado lhe afloravam ao pensamento. E lá se desenhavam momentos sem nenhuma cor de qualquer carinho. Vinham também monólogos antigos que não deixavam tempo nem permissão para qualquer resposta ou defesa.
E a falta que lhe faziam mimos, beijos e abraços. Se ao menos tivesse tido uma tia ou uma avó que a acarinhassem, mas nem isso!
Só o médico que a acompanhava no hospital parecia compreendê-la. Mais vale tarde do que nunca - pensava ela. Ele tratava-a pelo nome, ouvia-a e olhava-a com atenção e ela sentia que era bom ter nascido.
Numa noite, em que as insónias a faziam virar e revirar na cama vezes sem conta, já com dores no corpo e no pensamento, a mão premiu, repentinamente, a campainha de chamada.
A enfermeira de serviço entrou, acendeu a luz e perguntou:
- Quem tocou?
- Fui eu - disse D. Alcina, com voz fraca e quebrada.
- O que se passa? De que precisa?
- Peço desculpa, senhora enfermeira, mas eu amo-o.
- Não entendi - respondeu a enfermeira, conchegando-lhe a roupa da cama, enquanto perguntava apressada e perplexa:
- Você gosta de quem?
D. Alcina, olhando-a, pensou: ‘você’ não entenderia e disse, fechando os olhos:
- Desculpe, senhora enfermeira, estava a sonhar!!
Para quem trabalha de noite, essas, custam sempre muito a passar. Eu trabalhei por turnos, diurnos e noturnos, e sei do que falo.
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Saudações poéticas e amigas.
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Poema: “ Lágrimas, Amor e Saudade “
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Imagino que não seja fácil. Aqui também se trata de solidão e de falta de empatia, embora reconheça que auxiliares e enfermeiros não tenham a vida fácil.
ResponderEliminarBom domingo, Ricardo