quinta-feira, 31 de março de 2016
terça-feira, 29 de março de 2016
Vi hoje no Expresso curto
"O QUE EU ANDO A LER
“Começa pela página 36”, dizia a mensagem, e eu comecei. “Morro todos os dias/especialmente depois do lanche/quando pego no regador fininho/onde despejo o dilúvio dos olhos/e vou regando as plantas/à espera da descendência”.
Cláudia R. Sampaio, 34 anos, publicou o seu terceiro livro, “Ver no Escuro”, pela Tinta-da-China. É poesia de choque, mas um choque silencioso e íntimo, que se rebela devagar mesmo quando se revela depressa.
“Sempre me recusei a arder como os outros./Ardam-se mais à esquerda ou mais à direita/mais a vento de sul ou de norte/mas labaredem-se, sejam fogos que ardem!/Porque pior que a desdita loucura/é toda a gente andar em brasa/mas ninguém chegar a incêndio”.
É frequente recomendar poesia neste Curto, até porque a obra portuguesa agora editada é francamente nova. Nova não por ser recente, mas ser, na linguagem, deste tempo. É o caso de Cláudia R. Sampaio, mesmo quando escreve sobre os sentimentos mais antigos de sempre.
“Quando for embora não deixarei migalha de mim”, escreve, “vou e não esqueço”.
Ando feita de crisântemos
luz, banhos de ouro
e perfumes franceses.
Nota-se assim que falo
que um outro eu me substituiu.
Sou agora quase feita de
anúncio de tv,
cara de porcelana e alma
de fermento.
Sonhei.
Os demónios da boca seca
fizeram-me levantar da cama e
suspensa por um fio de vida
redimi-me à margem solta
de um suspiro que ainda
falta.
Desfez-se-me o fermento e
a alma, encolhida,
coube-me perfeitamente na
fronha da almofada.
“Começa pela página 36”, dizia a mensagem, e eu comecei. “Morro todos os dias/especialmente depois do lanche/quando pego no regador fininho/onde despejo o dilúvio dos olhos/e vou regando as plantas/à espera da descendência”.
Cláudia R. Sampaio, 34 anos, publicou o seu terceiro livro, “Ver no Escuro”, pela Tinta-da-China. É poesia de choque, mas um choque silencioso e íntimo, que se rebela devagar mesmo quando se revela depressa.
“Sempre me recusei a arder como os outros./Ardam-se mais à esquerda ou mais à direita/mais a vento de sul ou de norte/mas labaredem-se, sejam fogos que ardem!/Porque pior que a desdita loucura/é toda a gente andar em brasa/mas ninguém chegar a incêndio”.
É frequente recomendar poesia neste Curto, até porque a obra portuguesa agora editada é francamente nova. Nova não por ser recente, mas ser, na linguagem, deste tempo. É o caso de Cláudia R. Sampaio, mesmo quando escreve sobre os sentimentos mais antigos de sempre.
“Quando for embora não deixarei migalha de mim”, escreve, “vou e não esqueço”.
Pedro Santos Guerreiro
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A margemAndo feita de crisântemos
luz, banhos de ouro
e perfumes franceses.
Nota-se assim que falo
que um outro eu me substituiu.
Sou agora quase feita de
anúncio de tv,
cara de porcelana e alma
de fermento.
Sonhei.
Os demónios da boca seca
fizeram-me levantar da cama e
suspensa por um fio de vida
redimi-me à margem solta
de um suspiro que ainda
falta.
Desfez-se-me o fermento e
a alma, encolhida,
coube-me perfeitamente na
fronha da almofada.
Cláudia R. Sampaio
segunda-feira, 28 de março de 2016
Diário de Mariana
Ontem, o dia de Páscoa foi muito fixe. Almocámos em
família e depois recebemos o Compasso em casa dos meus tios.
Vimos - como é costume em casa dos meus tios quando a
família se reúne - cassettes de quando os meus primos e as minhas irmãs eram
pequenos. Na praia de Mindelo, nas festas de anos. Quase sempre em férias - que
é do que eu gosto. Foi então que começámos a ouvir as campainhas do compasso
dlim dlam dlim dlam e disseram todos: Vem aí o compasso.
Daí a nada, a mesa estava sem louça suja. Só ficaram
bolos e amêndoas. O meu tio abriu a porta toda e um grupo de homens entrou. Um
trazia uma cruz, outro tinha um saquinho para as ofertas, outro vinha com umas
folhas e imagens e os outros já não sei porque começaram todos a falar e eu
distraí-me.
Toda a gente se conhecia e um deles perguntou quem lia a
oração. Todos se viraram para a minha tia brasileira. Um depois disse assim:
Muito bem; assim, a leitura é em língua mais doce.
A gente gosta tanto de ouvir os brasileiros a falar. Não
sei é por que é que eles não nos entendem muitas vezes. Uma vez, a minha irmã
mais velha foi ao Rio de Janeiro, falou português e responderam-lhe em
italiano. E falavam todos a mesma língua. Que esquisito.
Antes de saírem, a minha tia perguntou se queriam
amêndoas. Eles disseram que não porque agora não há crianças na rua, como
antigamente.
Depois, fomos ao Monte Crasto, porque a minha avó tinha
saudades de lá ir.
A minha avó tem quase noventa anos e sabe muitos versos.
Começa a dizer os poemas sem nunca se enganar nem se esquecer. Então, quando
estávamos todos sentados, o meu avô disse todo orgulhoso: ó mulher, diz os
versos que sabes sobre o Monte Crasto. E ela disse-os logo. E ainda antes
contou: Um dia, quando eu era pequena, a minha tia Ana chegou a casa com uns
versos de uma amiga dela de Quintela, aqui em Gondomar. Era uma senhora muito
sábia, que gostava muito de ler e de fazer versos. Perguntou quem queria ficar
com a folhinha. Eu quero, tia, disse eu.
E disse os versos que tinha aprendido há mais de oitenta
anos.
Eu acho que vou aprender nem que seja algumas quadras,
porque não sei versos de cor. Não vou conseguir é saber tantos como a minha
avó.
Um abracinho, querido diário
Mariana
domingo, 27 de março de 2016
Diário de Mariana
Afinal, o que se passa?
Querido diário,
Estou mesmo confusa. Tenho uns primos a viver há
muitos anos na Bélgica e dizem que nunca viram coisa assim em Bruxelas.
Explosões num aeroporto, numa estação de metro e toda a gente cheia de medo.
Uns tios do Brasil estão a passar uns dias em nossa
casa. Estão sempre a perguntar se há mais notícias do Brasil porque lá a coisa
também está preta e as pessoas andam muito zangadas e muito revoltadas com o
governo.
Um dia destes, à mesa, falámos de um ataque que por um bocadinho não
aconteceu outra vez em Paris. A minha mãe está sempre com medo que em Londres
aconteça a mesma coisa e atinja a minha irmã. E a Clarinha, é claro. E também o meu cunhado. Se houver qualquer coisa de estranho no metro, acho que nem repara, porque vai sempre a ler. O pior é quando há muito barulho. Nem quero pensar.
Acho horrível este terror em que as pessoas vivem. O
melhor é não se pensar muito no assunto. Eu acho.
Hoje é dia de Páscoa e vamos passá-lo em família. Os
meus primos são muito fixes. Já sei que vamos ver vídeos de quando as minhas
irmãs e os meus primos eram pequenos. Eu, nessa altura, ainda não existia.Agora também não sei se existo, porque a minha mãe diz-me muitas vezes: Mariana, tu não existes!!
Mesmo sendo Páscoa, não vou comer
amêndoas. Foi uma promessa que fiz a mim própria. Às vezes, tenho destas
coisas. E, se calhar, nem digo a ninguém. A gente também não tem de dizer tudo.
Mas contigo, querido diário, sou sincera. Para mim,
és como uma amêndoa bem gostosa - estou a falar brasileiro! Deve ser
influência dos meus tios que estão em nossa casa. Já aprendi várias palavras
que em português não usamos. Daqui a pouco conto. Não se pode contar tudo de
uma vez.
Mas isto que se passa no mundo não me sai da cabeça. Até os coelhinhos de Páscoa devem andar assustados e de dentinhos mais afiadinhos.
Mas isto que se passa no mundo não me sai da cabeça. Até os coelhinhos de Páscoa devem andar assustados e de dentinhos mais afiadinhos.
Um abracinho e Feliz Páscoa
Mariana
quinta-feira, 24 de março de 2016
O diário de Mariana
Sou tia! Uau!
Querido diário,
Vou aproveitar as tréguas de depois de almoço para
te escrever outra vez. Eu acho que ainda não te disse, mas ando nas nuvens por
causa da minha sobrinha. Sim, sou tia, querido diário. É mesmo fixe. Só tenho pena é de morar
longe dela. A minha irmã. o meu cunhado e a minha sobrinha vivem em Londres. Já
a visitei uma vez. Ela é mesmo fofinha. Quando lá fui, eu estava bastante
constipada. Quando cheguei, a minha irmã disse-me logo: Mariana, se pegares na
bebé, põe esta máscara. E logo ma passou para a mão. Depois de eu lavar as mãos, é claro. Quando a pus, parecia a
minha dentista. Mas não deixei de abraçar a minha sobrinha. Tinha andado tantos
dias a passar nisso. A Clarinha só me via uma parte da cara quando pegava nela
ao colo. O que vale é que eu via-lhe a carinha toda. E os olhinhos azuis. Sempre a
olhar para mim e para tudo.
A minha irmã e o meu cunhado contam-lhe histórias.
Eu acho que ela não percebe nada porque é muito pequenina e quer é agarrar os
livros por causa das cores. Mas acho fixe.
A minha mãe até ganhou mais ânimo com a
neta. E diz a minha neta para aqui, a minha neta para ali, a minha neta para
acolá. E depois diz assim: A Clarinha tem de comer a sopa.
Nesses momentos, a
minha irmã mais velha olha pra ela e eu vejo logo que quer dizer que as
avós têm a mania de achar que elas é que sabem. Nem digo nada, porque
quando dou a minha opinião, nunca é bem assim.
Eu gosto muito de ir a Londres e não sou como a minha mãe que está
sempre a pensar que pode haver problemas com o avião ou com terroristas.
Se calhar, um dia também vou emigrar como a minha irmã do meio. Já falei com o
Gi sobre isso. Ficou a olhar pra mim com os olhos meio esbugalhados. Por que é
que os rapazes demoram mais a perceber as coisas???
Se calhar,
até já ou, se calhar, não. Gostava tanto de ser mais independente! Fogo!
Um abracinho
Mariana
Diário de Mariana
'Tou de férias. Fixe!
Querido diário,
Férias! Férias da Páscoa. Boas, pois. Logo que sejam
férias, os dias parecem maiores e mais fixes. Ah, e com mais sol!
Às vezes, nem dá para reparar se está bom tempo ou a
chover- Nas aulas, se olhamos uns minutos pela janela, os profs dizem logo que
estamos distraídos. Devia haver um tempo livre para olhar para fora da escola.
Uma vez, uma profe de português mandou-nos descrever o que víamos pela janela.
Foi das aulas mais fixes até hoje.
Apesar de ter mais tempo livre, tive de me levantar antes
das nove horas. Fogo, a minha mãe não dá tréguas. Disse-me assim: Levanta-te,
Mariana, para aproveitares o tempo. Assim, também podes ler com mais calma o
capítulo que vais apresentar no 3º período.
E logo hoje que me apetecia escrever mais e falar mais
contigo, querido diário.
Já li dez páginas do meu capítulo. E o pior é que temos
de saber coisas para trás e para a frente. Não entendo por que razão os
escritores escrevem tanto. Podiam escrever menos e ficavam com mais tempo
livre. E nós também. Mas até gostei, diga-se a verdade. A minha mãe diz muitas
vezes que os escritores conhecem bem a alma humana. Eu nem sempre lhe digo, mas
até concordo.
Pronto, pra não te chatear, fico-me por aqui, mas acho
que, daqui a bocadinho, estou cá outra vez. A menos que oiça: Mariana, chega
aqui! Depois dizem que só os adultos é que sofrem e se cansam!!
Até breve!
Um abracinho
Mariana
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