sexta-feira, 29 de maio de 2020
Vamo-nos tornando como as nossas mães
Hoje levantei-me bastante cedo para regar a horta e o jardim. Como tem estado muito calor, as plantas estavam cheias de sede - como a minha mãe continua a dizer. Por isso, levantei-me pela fresca, tal como ela sempre disse e a vi fazer.
Felizmente - para mim - quando abri a porta, senti um ar mais fresco.
Ontem estive junto ao mar e nem mesmo a maresia impedia o calor intenso. Quando corria uma brisa, apetecia fechar os olhos, respirar fundo e aproveitar bem o momento.
Não gosto mesmo quando há muito calor - como sempre ouvi dizer à minha mãe.
Com o tempo, vamo-nos tornando como as nossas mães. Em tanta coisa. Nos gestos, nas palavras, em muitos gostos.
Talvez seja por isso que as minhas filhas gostam tanto das buganvílias no verão.
quinta-feira, 28 de maio de 2020
Conversa no passadiço com o mar ao lado
- Mãe, põe a máscara. Há mais gente no passadiço.
- É tão bom respirar a maresia!
- Mãe, temos de ter cuidado. Como é possível ninguém aqui usar máscara?!
- Está muito calor e andamos ao ar livre.
- Mas não estamos livres de apanhar o vírus.
- Que não vemos nem ouvimos nem tocamos!
- Mãe, põe a máscara, pela tua saúde.
- Quando não houver ninguém, virei de novo aqui para sentir o mar, como se não conhecesse qualquer máscara.
- É tão bom respirar a maresia!
- Mãe, temos de ter cuidado. Como é possível ninguém aqui usar máscara?!
- Está muito calor e andamos ao ar livre.
- Mas não estamos livres de apanhar o vírus.
- Que não vemos nem ouvimos nem tocamos!
- Mãe, põe a máscara, pela tua saúde.
- Quando não houver ninguém, virei de novo aqui para sentir o mar, como se não conhecesse qualquer máscara.
quarta-feira, 27 de maio de 2020
Conversa sem abraço desconfinado
- Mãe, há tanto tempo não te dou um abraço!
- Pois, filha, é um dos males desta pandemia.
- Mas isto há de mudar, mãe!
- Assim o espero e confio que sim.
- Agora é que vejo como era bom quando nos podíamos abraçar.
- Muitas vezes só damos valor às coisas importantes quando as perdemos.
- Os abraços não estão perdidos.
- Mas é tão longa essa quarentena!
terça-feira, 26 de maio de 2020
A ameixoeira que não gostava de estar só
Há uns tempos, fui a
casa de uma amiga. Dando uma volta pelo jardim e quintal,
contou-me a história de
uma ameixoeira renascida.
Dias depois, surgiu-me, então, esta pequena narrativa que agora partilho de novo
(a primeira vez foi aqui, em julho de 2011).
Obrigada, C.
Por convite do Clube das histórias, este texto será partilhado em breve
e poderá chegar a muitas crianças que, por razões económicas, não estão habituadas a ouvir histórias.
Que bom seria que nenhuma criança se sentisse só!
Obrigada, C.
Por convite do Clube das histórias, este texto será partilhado em breve
e poderá chegar a muitas crianças que, por razões económicas, não estão habituadas a ouvir histórias.
Que bom seria que nenhuma criança se sentisse só!
A ameixoeira que não gostava de estar só
Era uma vez uma
ameixoeira que morava num quintal muito acolhedor. A vizinhança era muito
variada: duas macieiras, três pés de abóbora, um limoeiro, margaridas,
camélias, azáleas, arruda, erva-cidreira, manjericão, lúcia-lima, hipericão…
A ameixoeira dava
frutos muito vermelhinhos. Ameixas escurinhas e aveludadas. Sumarentas e
perfumadas. A família gostava de as
colher e saborear junto à árvore que era a casa onde as
ameixas moravam. Claro que estavam expostas ao vento, à chuva, ao sol, mas era
assim que, naturalmente, desejavam viver. Só não gostavam de cair ao chão
já podres ou secas, porque podiam ser pisadas sem ninguém as apreciar nem
saborear. Se bem que, quando caíam,
ainda tinham a serventia de estrumar a terra, ajudando a que, no ano seguinte,
novos frutos e plantas se desenvolvessem.
Um dia, as folhas da
ameixoeira começaram a secar. De princípio, era uma aqui, outra ali, mas, em
pouco tempo, ficaram todas murchas, escuras e sem viço. Bastava uma pequena
brisa para as fazer cair ao chão. Qualquer aragem as desprendia da árvore e
atirava-as para a terra.
No ano seguinte, o mais certo era a ameixoeira não dar frutos. Era como se uma grave doença lhe
roubasse a vida, tirando-lhe, aos poucos, a seiva e a força.
Ora, junto da ameixoeira,
vivia uma buganvília de cor bem vermelha. No centro de cada flor, raiavam
estames amarelinhos, parecendo alegres e mágicas luzes acesas.
Separava-as apenas um
ou dois metros - a ameixoeira que secava e a buganvília que crescia viçosa.
Como se sabe, as
buganvílias estendem os seus ramos apoiando-se nos suportes que estão próximos
e que as ajudam a trepar. Assim aconteceu.
Os ramos pareciam
braços a estender-se em várias direções. Não como as pernas do polvo que se
agarram ao solo com escondido disfarce para não ser notada a sua presença.
Os ramos da buganvília
crescem sempre com a mesma cor e aos olhos de toda a gente, embelezando os
recantos onde vivem.
Às vezes são um
bocadinho intrometidas porque espreitam às janelas, saltam os muros, entram
pelas portas… São como pessoas muito bonitas, que dão alegria e beleza aos
lugares, mas como também são uma força da natureza, precisam que alguém lhes
oriente o rumo.
Era assim o quintal
onde a nossa buganvília crescia em todas as direções. Um dos ramos foi ter direitinho à velha ameixoeira que parecia desfalecer de tão sequinha e fraquinha.
Um ramo da buganvília
foi ao encontro da árvore raquítica e outro braço – digamos assim – encostou-se
ao tronco, apoiando-o.
Com o tempo, os ramos
deram origem a outros ramos e pareciam gostar daquele amparo que encontravam na
velhinha ameixoeira que, em silêncio e quase escondidinha, ia recebendo
renovada energia.
Apesar de parecerem
abraçá-la, os ramos da buganvília nunca a taparam, para que ela pudesse sempre
respirar à vontade. Na verdade, a buganvília abraçava-a mas
deixava sempre espaço para a ameixoeira.
O tempo foi correndo e
quem passava por lá perto só tinha olhos para a buganvília, porque a ameixoeira,
quase escondida, parecia uma bengala fininha em que a formosa trepadeira se
apoiava mostrando toda a sua beleza e vigor.
Um dia, a dona da casa
foi ao quintal apanhar couves para a sopa e passou perto das duas árvores. Se
estivesse com pressa ou a pensar em mil coisas ao mesmo tempo, nem teria reparado no
que lhe saltou logo aos olhos. A ameixoeira, que parecia até então estar a
desaparecer, tinha novas folhinhas verdes a crescer. Como se renascesse numa nova primavera.
A senhora olhou várias
vezes com atenção, afastou uns raminhos da buganvília com a mão para verificar
se não era a trepadeira que a tinha invadido, mesmo sem querer. As
folhinhas renascidas eram mesmo da ameixoeira. Pelo aspeto, por certo a árvore
até já daria fruto no próximo ano. Via-se também pelo tronco que estava mais forte.
Foi então que a dona
da casa, para quem cada planta tinha uma história como tem qualquer pessoas, logo
chamou a família para ver a ameixoeira renascida.
E o neto, um menino de
cabelo forte aos caracóis, olhou para a avó e disse:
- Ó avó, se calhar a
ameixoeira não gostava de estar sozinha!
A avó sorriu-lhe e imaginou a compota vermelhinha de ameixas que faria
no ano seguinte.
De uma coisa não se podia
esquecer: pôr na mesa um raminho de buganvília ao lado da compota reluzente e
saborosa.
'Acho que o quintal...'
Postal enviado pelo Clube das histórias |
'Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente
só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das
coisas há de ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de
ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são
sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da
intimidade...'
Manoel de Barros
Manoel de Barros
segunda-feira, 25 de maio de 2020
Era uma vez...
Onde vivia uma menina
A casa era bonita
Mas bastante pequenina
A menina brincava
E também muito aprendia
Gostava de matemática
E frases simples já lia
Mas sentia muita falta
De ir ao parque correr
Ver árvores flores
e pássaros
E piqueniques fazer
Mas aquele bicho-vírus
Que era um grande glutão
Andava por todo o lado
A saltar de boca em mão
Então Clarinha ficava
Em casa com os seus pais
Tinha saudades da escola
De lá brincar muito mais
- Clarinha, não desanimes
Que tudo será diferente
Vai chegar a liberdade
Para correres à vontade
Ao sol e com alegria
Depois de se ter fechado
A prisão da pandemia!
domingo, 24 de maio de 2020
sexta-feira, 22 de maio de 2020
MIMOS DE MARÇO em maio
A Editora Lugar da Palavra/ Mimos e Livros Edições,
tem publicado, desde 2018, coletâneas de textos poéticos sobre diferentes meses
(abril, maio, outubro, novembro).
Desta vez, os autores falaram de março.
Devido à pandemia, só agora o livro chegou às nossas mãos.
Partilho, então, o texto que escrevi.
Março com amor e provérbios no caminho
- Um fim de
semana fora. Já merecíamos, amor. Mesmo com chuva e vento.
- Em março,
cada dia chove um pedaço.
- Felizmente,
ainda há magnólias. Estás a vê-las, amor? E ouves os pássaros a cantar nas
árvores?
Parecem arrulhar.
- Quando em
março arrulha a perdiz, ano feliz.
- E não me
podia sentir mais feliz, amor. No restaurante, teremos tempo e sossego para
brindar.
-Vento de
março e chuva de abril, vinho a florir.
- Amor, hoje
só usas provérbios! Diz também palavras tuas!
- Com estas,
sei que concordas; se forem minhas, às vezes, amuas!
- Se
preferes, amor, diz-me então provérbio, ditado, rifão...
- Agora, amor,
caminhemos em silêncio; mas dá-me o calor da tua mão!
quinta-feira, 21 de maio de 2020
Vou pôr brincos de princesa
Hoje fui ao meu quintal
logo de manhãzinha
colher brincos de princesa
pra fazer uma surpresa
à minha neta Clarinha
Como de outras vezes
à tarde vamos falar
É tempo de confinamento
há que viver o momento
e podermos conversar
Há dias vimos imagens
da alegre Carochinha
que ao varrer a cozinha
encontrou a moedinha
e à janela se foi mostrar
pra verem como era bela
em idade de casar
Do que falaremos hoje
eu não posso adivinhar
porque com a Clarinha
ou outra qualquer criança
há sempre a esperança
de poder improvisar
Mas sei que porei os brincos
que no quintal eu colhi
e quando abrir o skype
quero ver a reação
da minha neta Clarinha
que lá no país do Brexit
Não me sai do coração
quarta-feira, 20 de maio de 2020
terça-feira, 19 de maio de 2020
COMPOTA DE AMEIXAS COM CHÁ E CHEIROS
Já não é a primeira vez que partilho, aqui, esta
"receita".
Na verdade, nunca a fiz. Interessou-me
mais pelo sabor da escrita do texto,
apesar da sua simplicidade, do que
a compota em si.
Quando tiver ameixas no meu quintal,
tentarei fazê-la.
Mas, claro, não a ofereço à vizinha. Se ela não gostar de
ameixas.
Ingredientes:
500 g de ameixas frescas e maduras
Um bule de chá com açúcar
Quatro colheres, das de sopa, de rum
Algum tempo, muito afeto
Acessórios essenciais: uma cesta, ervas aromáticas, um
bloco, uma caneta, luz do Sol
Se tiver quintal, percorra-o pela manhã. Lá pelo meio
de uma manhã de Sol. Esqueça as ervas daninhas e tudo o que houver de mais
rasteiro. Os olhos devem ser levantados para além da sua cabeça, junto das
ameixoeiras. Use as duas mãos que ajudarão na procura de ameixas rijas e
maduras. Não importa a tonalidade. Podem ser brancas, rosadas ou vermelhas.
Tenha consigo uma cesta. No fundo, pode pôr hortelã-pimenta, alecrim,
manjericão, lúcia-lima, erva cidreira… Colha os frutos ainda com algumas
folhas. Utilize uma tesoura pequena de poda. Usada mas não enferrujada.
Se não tiver árvores de fruto, procure as ameixas num
mercado tradicional. Se a vendedeira quiser aldrabar no preço, é por uma boa
causa. Porém, não deixe de regatear. E de escolher os frutos bem frescos,
perfumados, coloridos.
Chegando à cozinha, ponha a cesta – mesmo que vá ao
mercado, prefira-a ao saco de plástico – sobre a mesa. Olhe com atençao as cores e os aromas. Pode até fotografar e registar, por
escrito, as suas impressões, porque a memória muitas vezes é curta; as imagens
amontoam-se, esbatem-se, apagam-se.
Utilize um bloco que tenha comprado numa viagem com
momentos de luminosa descoberta. Ponha-o sobre a mesa e vá escrevendo frases
soltas. Poderá reutilizá-las, recortando-as e colando-as no frasco. Evite tapar
os frutos.
Não desligue o telefone nem o ponha em silêncio. Se
alguém telefonar, partilhe o momento.
Lave depois as ameixas, já sem pé nem folhas. Faça-o
numa vasilha grande, sem pressa, mexendo os frutos delicada e amorosamente.
Ao lado, tenha outra vasilha. Antiga de preferência.
Que lhe traga boas recordações de alguém que gostava de si, que se preocupava
consigo, que lhe mostrava sempre um sorriso e que também contava histórias
doces.
Misture e ajeite bem as ameixas nessa vasilha. Sobre
elas, deite devagar o chá. Use um bule que viu sobre a mesa em dias de festa ou
em momentos felizes. Cubra todas as ameixas, independentemente da forma ou do
conteúdo. Ponha a tigela num sítio fresco e tranquilo da cozinha. Dê-lhe espaço
e visibilidade. Vá à arca e procure uma toalha de estopa ou de linho. Pode ser
grossa e enrugada. Aconchegue-a sob a malga. Deixe repousar durante a tarde e
a noite. Aproveite o silêncio aromatizado para escrever mais longamente.
No dia seguinte, levante-se cedo. Abra a janela.
Espreguice-se, esquecendo que a vizinha é madrugadora e curiosa.
Já na cozinha, escorra as ameixas e passe-as para uma
compoteira transparente. O rum irá para o lume com um pouco de açúcar e a calda
que ficou. Logo que tome ponto, deite-a sobre as ameixas, deixando macerar duas
horas. Coloque a compoteira num sítio onde dê o Sol. Vá rodando o frasco para
iluminar todos os frutos e poder observá-los melhor na sua unidade e diferença.
Saboreie o momento. Guarde a cesta (não de esqueça de higienizar a superfície).
Por fim, ofereça ervas aromáticas à vizinha. Ela disse
um dia que não gostava de ameixas.
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