quinta-feira, 31 de maio de 2012

Nuno Higino na ESG

 
Enquanto Nuno Higino falava, eu ia registando algumas das suas palavras.
Eis algumas frases que registei.

Entre aspas, é claro:
Os poetas...
...são amantes da realidade; criadores da realidade.
...podem gerar novos mundos; criar novas formas de viver a   
   realidade, fazendo com que esta seja outra.

Há pessoas que nunca escreveram poemas e são poetas.

A poesia  …
…é como roubar um ranquinho e metê-lo na nossa terra.
…não nos pertence; não tem proprietário.
…é uma questão de atenção. É como as pessoas que se amam.

Um poema muito curto que Nuno Higino escreveu e que cita:
As mães
Sopram as manhãs
E elas ardem

Um poema muito curto de Sophia e que Nuno Higino cita:
Cortaram os trigos
Agora a minha solidão 
Vê-se melhor!

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Beethoven - O génio da música

Pollock

Estava um silêncio fora do habitual no pátio das galinhas e Cecily Fischer, a irmã do padeiro, olhou à sua volta desconfiada. Nesse momento, as galinhas começaram a cacarejar de medo. Cecily atravessou depressa o terreiro e escancarou a porta do galinheiro.
— Ludwig! Ora bem! Agora sei quem é que tem andado a roubar-me os ovos!
— Não, não, Menina Fischer — mentiu o rapazinho. — O Kaspar atirou o meu lenço aqui para dentro e eu vim buscá-lo!
Ludwig van Beethoven vivia com o seu pai, mãe e os dois irmãos, Kaspar e Nikola, na casa do padeiro, no nº 934 da Rheingasse, em Bona, na Alemanha. Em 1774, era um rapazinho todo enxovalhado, de quatro anos de idade, com cabelo despenteado e unhas sujas. Ludwig ia à escola com os seus irmãos mas detestava as aulas. Estudava Francês, Italiano e Latim, mas tinha notas muito baixas. Na Matemática, era tão fraco na multiplicação que, se tinha de calcular quantos eram três vezes quatro, escrevia três quatros e adicionava-os!
O Kaspar e o Nikola eram muito bons alunos. Mas, quando se tratava de Música, ninguém era tão brilhante aluno como Ludwig! Quando começou a tocar cravo era tão pequeno que tinha de se pôr de pé num banco para chegar ao teclado. Também aprendia a tocar violino. O seu pai, Johann, era cantor. Foi ele quem lhe deu as primeiras lições, mas era muito severo: ao chegar a casa, já tarde na noite, ia tirar Ludwig da cama para praticar. E quando este tentava tocar de memória, o pai ficava muito zangado!
— Que asneirolas estúpidas estás para aí a arranhar? — gritava. — Toca pela pauta, caso contrário nunca serás um músico a sério!
Por vezes, quando o pai estava com visitas, Ludwig aproximava-se à socapa do cravo e tocava alguns acordes. Nessas ocasiões, Johann perdia as estribeiras:
— O que estás aqui a fazer? Vai-te embora se não queres levar um puxão de orelhas!
Mas até mesmo o seu mal-humorado pai tinha de admitir que o filho estava a fazer grandes progressos. Em pouco tempo, o rapazinho já andava a aprender a tocar viola e órgão. E já era muito melhor músico do que ele! Quando fez sete anos, o pai decidiu que era chegada a altura de Ludwig dar o seu primeiro concerto. Ouvira contar como, alguns anos antes, Leopold Mozart tinha levado em digressão Wolfgang, o seu filho genial, que tinha dado uma série de concertos.
— Ludwig também há de ganhar dinheiro! — disse ele.
O concerto realizou-se em 26 de Março de 1778. Todos os anúncios diziam que o rapaz tinha apenas seis anos de idade. Johann mentiu quanto à idade do filho para que as pessoas pensassem que Ludwig era tão esperto como Wolfgang Mozart.
*
Johann estava a fazer um buraco num ovo! Ludwig fez uma careta de nojo enquanto observava o pai a sorver o ovo cru e depois comer duas ameixas secas!
— Vai cantar hoje à noite — pensou Ludwig.
O seu pai comia sempre ovo cru e ameixas secas antes de cantar.
— Dá-me frescura à voz! — dizia ao seu jovem filho.
Quando começou a crescer, Ludwig apercebeu-se de que quase toda a gente que ele conhecia estava ao serviço do Arcebispo de Colónia. A vida no palácio do Arcebispo era muito faustosa, porque o Arcebispo era uma pessoa importante. Foi um dos poucos “Eleitores” que escolheram um novo imperador quando morreu o velho. Adorava boa comida, a caça e a música. O Eleitor tinha a sua própria orquestra. O avô de Ludwig tinha sido o seu kappelmeister — mestre de capela — o chefe dos músicos da corte. O sonho de Johann era que Ludwig viesse também a ser kappelmeister.
Quando Ludwig tinha dez anos, Christian Gittlob Neefe passou a ser o novo organista do Eleitor. Este óptimo músico apercebeu-se de que Ludwig era um génio com necessidade de um professor calmo e compreensivo que o animasse a compor. O senhor Neefe não tardou a declarar que o rapaz era “um jovem génio de talento muitíssimo promissor. Certamente tornar-se-á um outro Wolfgang Mozart se continuar como começou!”. E assim o Senhor Neefe nomeou Ludwig seu organista assistente.
*
— É altura de ir para o andar de cima, Mamã!
Os meninos estavam todos excitados. Era o aniversário da mãe e todos os anos o celebravam com um concerto. Enquanto a Mãe estava a descansar, punham uma cadeira especial debaixo de um dossel e decoravam-na com folhas e flores. Por volta das dez horas estava toda a gente pronta e os músicos começavam a afinar os seus instrumentos.
— Já aí vem! Todos calados!
A Mãe desceu as escadas. Estava linda. Johann conduziu-a à sua cadeira especial. Os músicos começaram a tocar e o som da música maravilhosa espalhava-se pela vizinhança. Após o concerto, comeram e beberam. Depois, todos tiraram os sapatos e dançaram em meias, para não incomodar os vizinhos que estavam a dormir.
*
Ludwig estava sentado à janela do seu quarto, que dava para o terreiro. À sua frente encontravam-se os manuscritos das suas primeiras composições musicais importantes. Eram três sonatas para cravo. Tinha-as trabalhado durante várias semanas, reescrevendo longas passagens até finalmente se dar por satisfeito. Escreveu a dedicatória: A Sua Eminência o Arcebispo Eleitor de Colónia, meu gracioso Soberano, composto por Ludwig van Beethoven, aos onze anos de idade.
*
— Tragam-me a lista de todos os músicos da minha orquestra!
Em 1784, havia um novo Eleitor em Bona. O Arquiduque Maximiliano era irmão do Imperador. Era um homem muito gordo que gostava de boa comida e de boa música.
— O que é isto? Johann van Beethoven tem uma voz já muito gasta! Dizes que o seu filho Ludwig é ainda jovem, mas muito capaz. Toca órgão, é? Estou desejoso de o ouvir a tocar!
Ludwig já não andava todo enxovalhado! Agora que era músico da corte, tinha de parecer muito arranjado e limpo. Usava uma casaca elegante, calções pelos joelhos, meias de seda, sapatos com laçarotes e um colete bordado com bolsos, que apertava com cordão de oiro genuíno. Tinha o cabelo aos caracóis dos lados e rabo-de-cavalo atrás. Até tinha uma espada num cinto de prata, que usava em ocasiões especiais.
Aos 16 anos, o Senhor Neefe decidiu que ele iria estudar com Mozart em Viena. Após uma longa viagem, Ludwig Beethoven chegou a Viena em 7 de Abril de 1787. Alguns dias mais tarde encontrou-se com Mozart, que o convidou a tocar. Ludwig sentou-se ao cravo e tocou maravilhosamente. Mas Mozart não parecia muito impressionado.
— Bom, preparou bem essa peça — disse, num tom bastante frio.
— Posso fazer muito melhor do que isto! — gritou Ludwig.— Dê-me uma melodia e mostrar-lhe-ei o que posso fazer com ela!
Os dedos de Ludwig voavam sobre o teclado. Estava a tocar para o grande Wolfgang Mozart. Transbordava de inspiração. A melodia simples que Mozart lhe sugerira tornou-se uma obra-prima quando Beethoven a transformou numa composição maravilhosa. Mozart estava enlevado. Por fim, foi ter com uns amigos que estavam na sala ao lado.
— Aquele é Ludwig van Beethoven — disse. — Um dia, todo o mundo falará dele.
Ludwig van Beethoven tornou-se um dos compositores mais importantes de todo o mundo. Compôs mais de 600 peças, incluindo 9 sinfonias, cinco concertos para piano, um concerto para violino, uma ópera, 32 sonatas para piano e muitos quartetos de cordas, trios e obras de música coral. Mas Beethoven compôs muitas destas obras-primas depois de ficar surdo. Entre as suas composições encontram-se a “Sonata ao Luar”, a Sinfonia “Pastoral” (nº6) e o “Hino da Alegria”, da sua Sinfonia nº 9.
Ludwig van Beethoven morreu em 1827.
Ann Rachlin; Susan Hellard
Beethoven
Porto, Campo das Letras, 1997
(Adaptação)
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terça-feira, 29 de maio de 2012

"Tempestade Indiana"

  
A companhia internacional de teatro itinerante 
 Footsbarn Travelling Theatre   
fez uma adaptação do clássico Tempestade
de William Shakespeare.

Através da imensa arte teatral, todos estes profissionais vão ligando países: 
Portugal, França, Índia...
Cidades portuguesas: Guimarães, Porto ...
Públicos: amantes do teatro, comunidades locais...

Da representação, saliento: muito trabalho cénico, muito movimento, muitas linguagens, muita imaginação, muitos adereços, muita expressividade, muitas vozes, muitas talentos, muita música, muitas luzes e sombras...

...uma Tempestade de criatividade. Que poderá conduzir a diferentes bonanças.

Recordo uma frase da peça:
"We are such stuff as dreams are made on."  
" Somos da mesma substância que os sonhos."

  

Nota - No mosteiro de S. Bento da Vitória (espaço magnífico), 

no Porto, os assentos eram desconfortáveis. 

É caso para dizer: nem tudo é perfeito!

domingo, 27 de maio de 2012

Nuno Higino



O escritor Nuno Higino vem à ESG dialogar com alunos do 10º ano.

Será na próxima 5ª f de manhã.

Os alunos estão a preparar poemas. E questões.

Oxalá todos os rostos se abram à saída.



A D. Primavera


A D. Primavera tinha uma hera
Que crescia de mais no seu jardim
Mas a D. Primavera não cortava a hera
Porque dizia que a hera não era
Nenhuma erva ruim

A D. Primavera tinha uma bicicleta
Para a D. Primavera poder passear
Não queria ser atleta
E muito menos poeta
Tinha era a duas rodas que arrumar

À sua porta não o podia fazer
Porque tinha de entrar e sair
A porta vizinha vinha mesmo a calhar
E que ninguém viesse criticar
Senão tinham mesmo de a ouvir

A D. Primavera tinha um menino
Bem malandro por sinal
Mas se o menino era menino
Só com a idade ganharia tino
Os malvados dos outros é que só viam o mal

A D. Primavera tinha um gato
Que pateava  os carros dos vizinhos
Um dia estragou  deles um sapato
E a D. Primavera assanhou-se que nem bravo pato
Queixando-se de quem ao gato não fazia miminhos

Não acham que a D. Primavera
Anda por aí em muitas ruas
Dos outros sempre a queixar-se
Do mal que lhe fazem sempre a lamentar-se
Porque as faltas nunca são suas!


Nota:
Hoje, vinha no carro, e ocorreu-me a D. Primavera, 
nome que ouvi há dias.
Juntei-lhe algumas peripécias de que me lembrei, tentando rimar.
Porém, não tenho a pretensão de não ter também uma 
costelita de D. Primavera.
Acho que mais vezes dela falarei.
Coitada da D. Primavera - será que ela conhece o verão?

sábado, 26 de maio de 2012

A Origem do Mundo


Klimt


De manhã, apanho as ervas do quintal. A terra,
ainda fresca, sai com as raízes; e mistura-se com
a névoa da madrugada. O mundo, então,
fica ao contrário: o céu, que não vejo, está
por baixo da terra; e as raízes sobem
numa direcção invisível. De dentro
de casa, porém, um cheiro a café chama
por mim: como se alguém me dissesse
que é preciso acordar, uma segunda vez,
para que as raízes cresçam por dentro da
terra e a névoa, dissipando-se, deixe ver o azul.


Nuno Júdice, Meditação sobre Ruínas"
  

Nota:
A IA fez anos. O normal são os aniversariantes 
receberem prendas.
Mas como ela é, claramente, generosa, enviou 
um postal de fim de semana aos amigos (prática habitual). 
E lá vinha este poema de Nuno Júdice 
que ela me havia mostrado num manual. 
Eu tinha gostado logo do poema. 

Hoje, ao dar-lhe os parabéns, recordou-me: 
olha que já o enviei.

Parabéns pelo teu aniversário. 
E pelo Mundo de Generosidade que partilhas.

 

sexta-feira, 25 de maio de 2012

O Constante Diálogo


Há tantos diálogos

Diálogo com o ser amado
                   o semelhante
                   o diferente
                   o indiferente
                   o oposto
                   o adversário
                   o surdo-mudo
                   o possesso
                   o irracional
                   o vegetal
                   o mineral
                   o inominado

Diálogo consigo mesmo
                   com a noite
                   os astros
                   os mortos
                   as ideias
                   o sonho
                   o passado
                   o mais que futuro

Escolhe teu diálogo
                           e
tua melhor palavra
                         ou
teu melhor silêncio.
Mesmo no silêncio e com o silêncio
dialogamos.



Carlos Drummond de Andrade, in 'Discurso da Primavera'

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Ana Loureiro

 Desdobrável e marcadores oferecidos na exposição

Exposição de desenho da arquiteta Ana Loureiro

Registos da História do Concelho de Paredes
Da Idade Média ao Século XXI

Até 5 de junho, na Câmara Municipal de Paredes

Bela exposição. Belos trabalhos. 

Alguém disse: "são mesmo os desenhos da Anita. Só podiam ser dela. Desde pequena que a vejo desenhar nos cadernos que a acompanham sempre".

E a mãe, amorosamente, fez uns marcadores, a partir de desenhos  realizados, neles colocando poemas de trovadores.

Muito trabalho, muito afeto, muito amor pelo património, na imensidão de traços que contam histórias de muitas pessoas e de muitos lugares. 

Feliz união da criatividade e do real.


Um dos poemas dos marcadores 
(de um trovador de Paredes):

 Meu senhor arcebispo, and' eu escomungado,
porque fiz lealdade; enganou-m'i o pecado.
Soltade m', ai, senhor,
e jurarei, mandado, que seja traedor.

Se traiçon fezesse, nunca vo-la diria;

mais, pois fiz lealdade, vel por Santa Maria,
Soltade m', ai, senhor,
e jurarei, mandado, que seja traedor.

Per mha malaventura tive um castelo em Sousa

e dei-o a seu don' e tenho que fiz gran cousa:
Soltade m', ai, senhor,
e jurarei, mandado, que seja traedor.

Per meus negros pecados, tive um castelo forte

e dei-o a seu don', e ei medo da morte.
Soltade m', ai, senhor,
e jurarei, mandado, que seja traedor.
Diego Pezelho  - Cantiga de Escárnio e Maldizer - séc. XII


Nota (porque continuo com problemas na publicação dos comentários):


O seu a seu dono


A Ana Loureiro tem vindo, há três anos a esta parte, a fazer o levantamento das cantigas do concelho de Paredes e tem já muita coisa interessante e importante. Tem sido motivada a publicar. Seria uma bela ideia.

Reitero, então, que a mãe da Ana distribuía, amorosamente, os marcadores, mas estes haviam sido feitos pela filha.

Continuação de bom e partilhado trabalho!

Rosa Quiroga

É mulher do Teatro: atriz, encenadora, formadora... 
Nasceu e vive em Gondomar.

Ontem à noite, esteve na Biblioteca Municipal de Gondomar para falar da obra de Anton Tchékhov - O tio Vânia.

Os participantes da Comunidade de leitores puderam partilhar as suas leituras da peça de teatro, escrita no século XIX, mas que continua atual. Só os génios conseguem esta intemporalidade.

Também se leram excertos em voz alta. E repetiu-se a leitura. Porque ler implica pausas, silêncios...

Com Rosa Quiroga, aprendeu-se. 

É bem verdade o que afirmou: a arte ajuda a viver melhor.

A menina do pinhal

Van Gogh

quarta-feira, 23 de maio de 2012

De tarde

Merse

Naquele «pic-nic» de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,

Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,

Nós acampámos, inda o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão de ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda

Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas.


Cesário Verde 

Nota: 
Tantas sensações neste poema: visuais, olfativas, tácteis, gustativas...
Muitos poemas também contam histórias.
E mostram muitos dos sabores de coisas simples e belas.
Que dariam coloridas "aguarelas".
Os olhos de Cesário Verde, que viveu no século XIX, ainda guiam e as suas palavras continuam a pintar
Só os génios o conseguem.


"Oh, é só isto?"


Beijo pouco, falo menos ainda.

Mas invento palavras

Que traduzem a ternura mais funda

E mais cotidiana.

Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.

Intransitivo:

Teadoro, Teodora

Manuel Bandeira


Nota:
Como o prometido é devido, levei este poema para o 11º 2. Os alunos ouviram-no em silêncio. 
No final, uma aluna disse: "Oh! é só isto?" 

Foi uma oportunidade para vermos que a riqueza de um poema não advém da sua extensão.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Dalton Jérson Trevisan - Prémio Camões 2012

"Dalton Jérson Trevisan é o escritor distinguido com o Prémio Camões, acabou de anunciar o júri em Lisboa. Esta distinção foi atribuída por unanimidade.

O escritor brasileiro, que completa dia 14 de junho 87 anos, foi premiado pela sua "dedicação ao fazer literário", disse Silviano Santiago, um dos membros do júri.

O escritor brasileiro tem-se destacado no conto e "O Vampiro de Curitiba" (1965) é uma das suas obras mais conhecidas. Recentemente, escreveu "Vozes do Retrato - Quinze Histórias de Mentiras e Verdades" 
(1998), "O Maníaco do Olho Verde" (2008), "Violetas e Pavões" (2009), "Desgracida" (2010) e "O Anão e a Ninfeta" (2011).

Dalton Trevisan é também conhecido por viver afastado da vida pública. O escritor não dá entrevistas e não gosta de ser fotografado. Assina apenas como D. Trevis e vive "escondido" dos media em Curitiba, cidade onde nasceu.

"Escondeu-se no anonimato para vencer um concurso de contos no Paraná, em 1968. Gosta de filmes de bangue-bangue [cowboys] e de passear pelas ruas da capital paranaense", diz a biografia publicada no site da sua editora, o grupo editorial "Record". 

Dalton Trevisan, antes de ter livros impressos, chegou a publicar os seus contos em folhetos. Licenciado em Direito, foi crítico de cinema e, em 1996, recebeu, no Brasil, o prémio Ministério da Cultura de Literatura. Os seus livros já foram traduzidos para inglês, espanhol e italiano. 

No site do brasileiro "Record", lê-se ainda que, em 1945, a sua vida esteve em risco, após sofrer um acidente com o forno de olaria. "Trevisan foi internado com fratura de crânio, mas recuperou para editar, a partir do ano seguinte, a revista 'Joaquim', que duraria até 1949." 

A "Joaquim" lançou escritores como António Cândido, Mário de Andrade e Otto Maria Carpeaux e poemas inéditos, como "O Caso do Vestido", de Carlos Drummond de Andrade". 

Um conto do "Prémio Camões" 2012


  Encontrei este curtíssimo conto de Dalton Trevisan. 

Tanta coisa contada, sentida, sugerida, imaginada...
 em tão poucas palavras!




Dois velhinhos

Dois pobres inválidos, bem velhinhos, esquecidos numa cela de asilo.

Ao lado da janela, retorcendo os aleijões e esticando a cabeça, apenas um podia olhar lá fora.

Junto à porta, no fundo da cama, o outro espiava a parede úmida, o crucifixo negro, as moscas no fio de luz.

Com inveja, perguntava o que acontecia. Deslumbrado, anunciava o primeiro: 

— Um cachorro ergue a perninha no poste.

Mais tarde: 

— Uma menina de vestido branco pulando corda.

Ou ainda: 

— Agora é um enterro de luxo.

Sem nada ver, o amigo remordia-se no seu canto. O mais velho acabou morrendo, para alegria do segundo, instalado afinal debaixo da janela.

Não dormiu, antegozando a manhã.

Bem desconfiava que o outro não revelava tudo.

Cochilou um instante — era dia. 

Sentou-se na cama, com dores espichou o pescoço:

entre os muros em ruína, ali no beco, um monte de lixo.



Texto extraído do livro de Dalton Trevisan  Mistérios de Curitiba, Editora Record — Rio de Janeiro,1979.