quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Muita coisa no mesmo saco

 

 

Sábado passado, fui a um workshop de costura, bem perto da minha casa. Éramos cinco mais a monitora que nos ia apoiando e ajudando nos cortes e na costura.

Quando de lá saímos, cada uma trazia o saco que tinha feito. A manhã tinha sido bem passada a construir, a falar, a rir, a aprender, a tomar cafezinho com palmiers, etc.

E impossível não me lembrar da minha adolescência em que a minha mãe nos mandava, a mim e à minha irmã, para a costura. Em pequena, tinha gostado de fazer roupa para as bonecas , mas para a nossa roupa não tinha jeito nem gostava. E até me sentia mal ao ver a outra rapariga, também aprendiz, que levava muito a sério a costura e punha questões sobre os pontos ou os alinhavos com muito esmero e seriedade.

E também me lembrei de uma almofada em patchwork que fiz numa retrosaria da rua das Flores, no Porto, já há alguns anos. Já tenho saudades de lá passar. Gosto muito das cores das retrosarias e das linhas e dos botões e dos tecidos e dos cestinhos com mil coisas pequenas e organizadas...

E como correu bem, já marcámos a próxima sessão para fazermos uma almofada com tecidos e rendas que tenhamos em casa. Depois mostro. E, com certeza, outras coisas me virão à memória, mesmo que não goste muito de meter tudo no mesmo saco.

 

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

As casas

 

 'Algumas casas são como animais no dorso dos quais subimos, deixamos de as frequentar com a impressão de nos haverem abandonado ou morrido'.

In Valter Hugo Mãe, Contra Mim, Porto Editora, 2020, p.32

 

Há dias, no velório da mãe de uma amiga, ela dizia-me: 'agora tenho de tomar conta da casa, somos também filhas das nossas casas'.

Embora partilhe desta ideia, quando posso, vou-me despojando de algumas coisas de que não preciso e que podem fazer mais jeito a alguém. Depois do falecimento da minha mãe, mais vontade tenho de o fazer. A minha mãe, talvez por ter vivido a escassez de bens essenciais durante a segunda guerra mundial, aproveitava tudo e achava que tudo podia fazer falta, sem deixar, contudo, de ser generosa.

Enquanto ela pôde, se alguma coisa se rasgava ou estragava, fosse o que fosse, logo a cosia ou consertava. E ponteava meias, coisa que as novas gerações nem sabem o que é. Nestes casos, quando a pessoa morre, são precisas muitas horas para separar o que pode ser útil a outros, respeitando o que fez parte de toda uma vida, e que resultou muitas vezes do trabalho amoroso, paciente e manual.

Estes contextos ainda acentuam mais o que penso há muito tempo: quero conservar sobretudo o que para mim e para a família mais chegada é importante, para não dar muito trabalho às minhas filhas quando eu morrer.

Contudo, como dizia essa minha amiga, também me sinto filha de casas que, de uma maneira ou outra, me foram abrigando ao longo da vida, embora com a distância que o tempo e um natural abandono mútuo vão ditando. Por exemplo, tenho ainda presente a casa - com a sua frondosa laranjeira - onde vivi a infância e parte da adolescência, a casa mais moderna - mas sempre com flores e verduras - onde vivi até casar, etc.

Ah, e a casa de lavoura das minhas tias, onde brincávamos muitas vezes perto de abundantes cebolas, batatas, alhos,  alfaias agrícolas, hortaliças acabadas de colher nos campos; no meio do austero afã para que todas as tarefas se cumprissem a tempo e horas, etc.

E a casa dos meus avós paternos, para onde eu e a minha irmã nos escapávamos sempre que podíamos, porque era apetecível pela sua alegre vozearia e estridentes gargalhadas.

Quando nos abeiramos de casas da nossa vida, ou nos lembramos delas, impossível não ouvir palavras ditas e ouvidas dentro ou fora das suas quatro paredes - ainda que estas estejam em ruínas ou só se ergam na nossa memória. Tal como acontece com os nossos pais, ainda que já nos tenham morrido.

 

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

ChatGPT??????

 

Ontem à noite, à mesa, surgiu o tema/questão do ChatGPT, entre alheiras, batatas cozidas e espargos (tentei comprar grelos, mas não arranjei). Pois é,  no meio de um prato tão comum, embora bom e ainda a fumegar, vem à baila o ChatGPT.

O quê? O que é isso? 

O que se sabia: decorre da inteligência artificial. E logo se quis experimentar, embora alguns de nós não gostem nada de telemóveis à mesa. Íamos escrevendo um tema ou questão e logo aparecia a resposta em texto correto e competente.

Fiquei estupefacta.

E também logo imaginei muitos alunos a escrever apenas o assunto pedido na escola e a tê-lo de imediato no seu ecrã. Enquanto o diabo esfrega um olho. 

Julgo que a grande maioria dos professores já se confrontou com cópia de trabalhos retirados da net, mas aparecer um texto, consoante o pedido do momento é que é mais difícil de imaginar, sem ter de ficar à espera. Outro dilema para muitos professores na correção de textos: isto é original ou a autoria é artificial?

Ora, o último podcast Efeito Borboleta de Raquel Varela e Joel Neto é sobre o assunto e fica-se a perceber bem melhor o que é o Chat GPT.

Deixo aqui o link. Vale a pena ouvir. E é relativamente curto.

 https://podcasts.apple.com/pt/podcast/chatgpt/id1610328684?i=1000593580087

Ah! Apesar de ter achado o Chat GPT surpreendente, quero continuar a escrever os meus textos por mim, com as minhas ideias, com as minhas palavras, recorrendo apenas à minha inteligência natural. Na quantidade que me foi sendo atribuída. 

 

domingo, 15 de janeiro de 2023

Quando o café se acaba

 

Hoje podia levantar-me mais tarde. Fazer as coisas que queria fazer, seguindo a ordem que quisesse. Até começar e não acabar. Ou fazer um bocado aqui e outro bocado acolá. Tudo ao meu ritmo. A manhã estava por minha conta. 

E dei conta que havia sol. Podia abrir as janelas. Não a porta da cozinha para que a Castanha não entrasse logo para me farejar a mesa. O velho e saudoso Dunas tinha o privilégio de livre circulação. Tal como as pessoas, os cães também têm diferentes privilégios.

E, como o tempo estava bom, podia ir à minha cidade com o mar ao fundo, aquela que agora é referida em todos os telejornais com imagens da Câmara Municipal e de quem se deixou corromper e de quem corrompeu, aproveitando-se de serviços públicos. Alegadamente, como sempre se acrescenta. Tal como sempre se ouve esses seres a dizerem que estão de consciência tranquila. 

O que será consciência e quando é que está tranquila nessa versão, pergunto. Como o uso vai mudando a língua, daqui a algum tempo vão aparecer outros significados para consciência tranquila, tipo mentir segura e descaradamente, não ter consciência nenhuma, estar-se nas tinhas para os outros, achar-se acima do comum dos mortais, etc.

Mas nada como começar o domingo com cheirinho a café a espalhar-se pela cozinha. Antes de o pôr a fazer, cortei umas fatias de pão e pus a compota em cima da mesa. Mas, oh, a lata do café estava vazia. Que desconsolo. Felizmente tinha alternativa, embora de consolo menor. 

Mesmo acabado o café, outro dia estava a começar. 

Bom domingo! 

 

domingo, 8 de janeiro de 2023

Ainda uma almoço de Natal - uma alegre tradição.

 

Foi ontem o nosso almoço de Natal: de um grupo de amigos de longa data. Desta vez, com francesinhas. E que boas que estavam. E que quentinhas com o molho espesso e saboroso. Eu tinha dito à minha amiga anfitriã: para mim, não ponhas bife. Não é que eu seja vegetariana, mas dispenso.

Éramos uns doze à volta da mesa numa cozinha grande, com janela grande donde víamos a chuva abundante a cair e um limoeiro pequeno cheiinho de limões. Antes tínhamos visto na televisão a fúria libertina das águas das chuvas ruas abaixo na baixa do Porto. E as escadas de belas estações, como a de S. Bento, eram entradas abertas às fortes enxurradas. E o assunto continuou já à mesa. Era forte de mais para não continuar.

E como gostamos de livros, veio também à baila, já não sei por quê, Contra Mim de Valter Hugo Mãe e muito do que ele conta da sua infância e juventude, onde cabe uma escola primária, que frequentou em Paços de Ferreira, com réguas que alguns pais ofereciam às professoras, o que, felizmente, seria impensável nos dias de hoje. E logo surgiram relatos de momentos da nossa infância com algumas reguadas dentro. E a razão, ou a falta dela, de as professoras o fazerem. 

Como sempre, de vez em quando, lá se levanta uma voz: eu ainda não acabei! E lá continua a contar e a intercalar parênteses, logo motivo de mais risota.

Quando nos reunimos, há sempre muitos assuntos - uns que começam e nem acabam; outros que nem se sabe como começam, uns que se soprepõem, outros que se cruzam no meio de graças e de boa disposição. E, sobretudo, há muita amizade e muito gosto em estarmos juntos à volta da mesa, como já fazemos há bastantes anos, sobretudo por esta altura.

Na casa aonde formos, lá chega cada um com o seu saco de presentes, mais uma sobremesa, mais uma entradinha... E quando de lá saímos, o saco vem de novo cheio com presentes recebidos, mais umas tuperwares com umas sobras de doces ou salgadinhos. E todos os anos, no momento de troca de prendas, ou falta ou sobra alguma. Já é alegre tradição.

Vivam estes momentos de convívio e amizade. Também ajudam a abrandar algumas tempestades.

 

sábado, 7 de janeiro de 2023

Onde falo da casa e até de um motor

 

Vivo na minha casa há uns quarenta anos. Estávamos na flor da idade quando a construímos (com a grande ajuda dos meus pais) e na flor da idade tudo parece ser eterno. E, nesse tempo, ainda mais. A vida, muito mais efémera do que parecia, não era fácil, mas, atualmente, ainda será mais difícil para muitos casais com velhas e novas instabilidades que não param de bater à porta.

Vem isto a propósito da minha casa da qual continuo a gostar, mas jamais faria igual quarenta anos depois. Para ir à rua, tenho escadas, para ir ao quintal, escadas tenho. Para que o saneamento funcione bem, tenho de ter um motor de escoar águas pluviais. E que cumpra a sua função.

Como o período de seca foi longo, o motor de escoamento de águas teve tempo de funcionar e avariar sem eu dar conta. As máquinas também precisam de atenções porque  adoecem e avariam, o que aconteceu e eu não sabia. Pois bem, no primeiro dia deste ano, a chuva foi tão intensa e tão prolongada que a água, sem nada que a impedisse de circular à vontade, me entrou na parte de baixo da casa tão depressa como eu subia as escadas há quarenta anos.

Tive de chamar os Bombeiros para me ajudarem a resolver o problema, mas os meios de que dispõem não são muitos, apesar da boa vontade e da celeridade em prestarem os serviços. Valeu-me também a solidariedade de um vizinho que foi cedendo a sua máquina, embora estivesse atento a uma iminente inundação. E agora o meu receio é grande quando vejo que as previsões são de mau tempo por estes dias.

Valeu a última semana de sol para limpar e secar muita coisa, mas não bastou para me consertarem o motor de escoamento de águas. Peço ao S. Pedro que guarde as chuvas por uns dias, mas não me está a ouvir porque, coitado, este e outros pedidos devem ser mais do que muitos.

O tempo foi-me ensinando que uma casa não é só o nosso bom abrigo no imediato, embora saiba também que as novas gerações estão mais disponíveis para as mudanças, o que considero um bem.

Ah, e se fosse agora, tinha feito um pequeno pátio fora da cozinha. Para algumas refeições, para me sentar um pouco ao ar livre com os meus novelos, com um livro, ou sem nada, só para olhar o céu e as árvores que, felizmente, continuam perto. Sem ter de subir ou descer escadas, é claro. 

 

domingo, 1 de janeiro de 2023

Um belo presente

 

Há dias, recebi um presente. Um belo presente. Um presente diferente. De uma querida amiga. Um poema para cada uma de um pequeno grupo de amigas. O meu foi este que agora partilho. Ela lá sabe por que o escolheu. Obrigada, Idalina.

(Bea, um bom motivo de gratidão, pegando nas suas palavras do seu blogue Erva Príncipe)


LÍNGUAS

 

Contenho vocação pra não saber línguas cultas.

Sou capaz de entender as abelhas do que o alemão.

Eu domino os instintos primitivos.

 

A única língua que estudei com força foi a portuguesa.

Estudei-a com força para poder errá-la ao dente.

 

A língua dos índios Guatós é múrmura: é como se ao

dentro de suas palavras corresse um rio entre pedras.

 

A língua dos Guaranis é gárrula: para eles é muito

mais importante o rumor das palavras do que o sentido

que elas tenham.

Usam trinados até na dor.

 

Na língua dos Guanás há sempre uma sombra do

charco em que vivem.

Mas é língua matinal.

Há nos seus termos réstias de um sol infantil.

 

Entendo ainda o idioma inconversável das pedras.

É aquele idioma que melhor abrange o silêncio das

palavras.

 

Sei também a linguagem dos pássaros – é só cantar.

 

                                          Barros, Manoel de, Poesia Completa, 2016, Relógio d´Água, p. 363


No primeiro dia

 

Ultimamente, com os afazeres domésticos e familiares, tenho visto notícias de forma intermitente. Vejo umas coisas aqui, oiço outras coisas acolá, leio uma crónica ou títulos ou subtítulos, livros continuam à espera, oiço bocados de podcasts, etc.

Hoje poderá ser um dia em que me começo a organizar melhor. Espero que sim. A chuva e a ventania mandam ficar em casa, o que, para mim, é quase sempre muito bom, sobretudo se tenho tempo e calma suficientes. Há tantas coisas pequenas e boas para fazer em casa, quando há computador, livros, rádio, televisão... Para além de dar o lugar às coisas da casa que também nos organizam a vida.

Comecei este post a falar de notícias e meti-me por outros caminhos, enquanto oiço a chuva a cair e o vento a soprar. Ah, e ouvi agora um trovão.

Na Ucrânia, não sei se haverá tempestade assim, mas neve e frio haverá com certeza nesta manhã, como em muitas manhãs, tardes e noites. E os bombardeamentos a fazerem-se ouvir e a destruir esperanças que, em paz, julgamos serem possíveis.

Ontem ouvi que um grupo de crianças continuou a cantar num espetáculo de Ano Novo, enquanto armas iam atingindo o alvo que mentes cruéis não param de definir. Muita gente não tem água potável, eletricidade, medicamentos, etc.

Quase ao mesmo tempo, vi o psicopata Putin com uma taça de champanhe na mão, a brindar não sei a quê. Nos seus bunkers, a neve nunca lhe cairá em cima nem nada lhe faltará. E a culpa fica de fora. E nem o ruído de uma taça de champanhe a partir-se ele ouvirá.

Oxalá que as crianças da Ucrânia possam continuar a cantar. E não sejam cada vez menos. E a esperança possa ser cada vez maior.