'Algumas casas são como animais no dorso dos quais subimos, deixamos de as frequentar com a impressão de nos haverem abandonado ou morrido'.
Há dias, no velório da mãe de uma amiga, ela dizia-me: 'agora tenho de tomar conta da casa, somos também filhas das nossas casas'.
Embora partilhe desta ideia, quando posso, vou-me despojando de algumas coisas de que não preciso e que podem fazer mais jeito a alguém. Depois do falecimento da minha mãe, mais vontade tenho de o fazer. A minha mãe, talvez por ter vivido a escassez de bens essenciais durante a segunda guerra mundial, aproveitava tudo e achava que tudo podia fazer falta, sem deixar, contudo, de ser generosa.
Enquanto ela pôde, se alguma coisa se rasgava ou estragava, fosse o que fosse, logo a cosia ou consertava. E ponteava meias, coisa que as novas gerações nem sabem o que é. Nestes casos, quando a pessoa morre, são precisas muitas horas para separar o que pode ser útil a outros, respeitando o que fez parte de toda uma vida, e que resultou muitas vezes do trabalho amoroso, paciente e manual.
Estes contextos ainda acentuam mais o que penso há muito tempo: quero conservar sobretudo o que para mim e para a família mais chegada é importante, para não dar muito trabalho às minhas filhas quando eu morrer.
Contudo, como dizia essa minha amiga, também me sinto filha de casas que, de uma maneira ou outra, me foram abrigando ao longo da vida, embora com a distância que o tempo e um natural abandono mútuo vão ditando. Por exemplo, tenho ainda presente a casa - com a sua frondosa laranjeira - onde vivi a infância e parte da adolescência, a casa mais moderna - mas sempre com flores e verduras - onde vivi até casar, etc.
Ah, e a casa de lavoura das minhas tias, onde brincávamos muitas vezes perto de abundantes cebolas, batatas, alhos, alfaias agrícolas, hortaliças acabadas de colher nos campos; no meio do austero afã para que todas as tarefas se cumprissem a tempo e horas, etc.
E a casa dos meus avós paternos, para onde eu e a minha irmã nos escapávamos sempre que podíamos, porque era apetecível pela sua alegre vozearia e estridentes gargalhadas.
Quando nos abeiramos de casas da nossa vida, ou nos lembramos delas, impossível não ouvir palavras ditas e ouvidas dentro ou fora das suas quatro paredes - ainda que estas estejam em ruínas ou só se ergam na nossa memória. Tal como acontece com os nossos pais, ainda que já nos tenham morrido.
Por muito que se corra por aqui, por ali, e por além, a casa dos nossos pais está sempre presente na memória. Belo texto.
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Poéticos e cordiais cumprimentos.
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Poema: “”Dois Corpos em Chama””…
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Gosto das casas. De todas as casas onde vivi. Por ter vivido nelas. Porque me abrigaram e protegeram. Me guardaram sonos e cansaços nos tempos em que mesmo os grandes males eram mais leves e nos parecia que uma amizade tudo empurra e resolve. Tempos houve em que, anualmente, mudava de casa. A casa de meus pais é a mais presente, talvez mesmo um bocadinho idealizada. Hoje é tudo diverso. Ainda que ali vivesse, era todo um outro mundo. A volta atrás não existe.
ResponderEliminarTambém não acumulo tralha. Mas vivo com uma pessoa que guarda as mínimas coisas dos santos do seu altar. O sótão está atravancado:). As gentes são muito diversas.
Sem grande nostalgia, as casas onde vivi, ou passei alguns tempos, também moram na minha memória e acho que pacificamente.
EliminarNão mudo de casa há décadas. Felizmente pela trabalheira que dá, embora a mudança também seja boa em muitos casos, dentro ou fora do tempo que 'tudo empurra ou resolve'.
Quanto a coisas acumuladas e que podem ser úteis a outras pessoas, também são alívio quando as partilho, mas quem as guarda terá o mesmo direito, porque contam histórias que vão contando a nossa vida.
Um bom dia, Bea. Por cá, o frio chegou e tem ficado.
Adoro deambular pelas boas recordações... Obrigada :))
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A melancolia é nefasta ...
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Beijos. Bom fim de semana.
As casas por onde passamos não trazem apenas boas recordações, mas quase sempre nos falam de um tempo que vivemos e que guardamos.
EliminarUm beijinho e boa semana
Aos 66 anos ... já dei aos filhos a casa que herdei...🙏
ResponderEliminarE ficaram contentes com certeza e as casas vão-se renovando. Triste é quando começam a cair de velhas e desprezadas.
EliminarUm bom dia, Gracinha, sempre com os seus belos olhares.
Bom dia
ResponderEliminarLembrei-me
Naquela casa velhinha
Onde meu avô nasceu
Foi de meu pai hoje é minha
E depois de um filho meu
JR
Bom dia, Joaquim
EliminarNão sei se os versos são seus. Seja como for, contam muito sobre muitas histórias das casas. E das pessoas que nelas vivem ou viveram.
Boa quinta-feira.
Bom dia
EliminarOs versos não são meus mas ouvia uma canção ou fado quando era pequeno com essa quadra .
JR
Às vezes também me acontece vir-me à memória palavras ou versos que ouvi na infância ou juventude.
EliminarAs casas das nossas memórias. Delicado texto. Ele se basta para para que ouçamos essas vozes!
ResponderEliminarUm abraço,
Obrigada. No meu caso, quase todas existem ainda. Menos a casa dos meus avós paternos, perto da qual brincávamos até ao sol se pôr, até as nossas mães nos chamarem. Não havia tantos medos, mas também não havia outras coisas importantes para a vida que hoje, felizmente, existem.
ResponderEliminarOutro abraço