segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

A travessa cavalinho e a festa dos Reis



Tenho esta travessa há muitos anos. Trouxe-a de casa dos meus pais. Vive agora pendurada numa parede. Sempre que a olho, vejo-a na mesa da minha infância, com batatas, bacalhau e hortaliças a fumegar, no tempo em que se festejava o Dia de Reis. A comemoração não era bem como a do Natal, mas não faltava a aletria nem o leite-creme nem as rabanadas, tudo feito ao fim da tarde para ser saboreado  ainda quentinho.
Agora, que eu saiba, poucas pessoas, no nosso país, festejam os Reis Magos - Belchior, Gaspar e Baltasar - vindos do Oriente e que, seguindo a sua estrela, se deslocaram até Belém para visitarem e oferecerem ouro, incenso e mirra a Jesus, recém-nascido.
Atualmente muito se fala do Oriente por guerras e conflitos que alastram, destroem e matam. Que bom seria que terminassem como termina agora a época de Natal.
A partir de hoje, arrumam-se presépios, árvores e enfeites de uns dias natalícios, dos quais ficaram boas ou más memórias. Às vezes, são objetos que trazem ao de cima muitas recordações. Como acontece com esta velhinha travessa que já cavalgou décadas. Não fosse ela uma travessa cavalinho.

Quero ir ao encontro de alguém, mas não de encontro a qualquer coisa!


Por todo o lado, incluindo na comunicação social, ouvimos as expressões 

Ao encontro de 

De encontro a

Ambas existem, mas o seu significado é bem diferente, apesar de serem usadas, por distração ou desconhecimento, como se o significado fosse o mesmo.

Se vamos ter com alguém ou concordamos com certas ideias, vamos ao encontro dessa pessoa ou dessas formas de pensar ou agir, como, por exemplo:

'Fui ao encontro dos  meus amigos, como tínhamos combinado.

'Ele é generoso e vai sempre ao encontro das necessidades dos outros


Porém, ir de encontro a significa esbarrar, ir contra qualquer coisa, como, por exemplo:

'A criança ia a correr tanto que foi de encontro ao muro.


Num mundo de tantos choques e tantos desencontros, saibamos então distinguir:

. ir ao encontro de - satisfazer, dar resposta, aproximar-se de alguém ou de ideias, sem choque físico.

. ir de encontro a - colidir, chocar


Acrescento, então:

Hoje vou ao encontro de uma pessoa amiga. Espero não escorregar na rampa do café e ir de encontro à  porta de entrada.


Que este Dia de Reis de 2025 vá ao encontro dos desejos de cada um e que os políticos não vão, mais uma vez, de encontro às ideias de todos os adversários, mesmo que sejam boas para o país.


sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Olhemo-nos uns aos outros!

 Primeiro (não) olhar

A menina era uma boa aluna. Raramente se queixava dos professores. Havia, porém, uma professora que dirigia quase sempre o seu olhar para o melhor aluno à sua disciplina, o que não era confortável. A professora parecia querer ter o seu aval do que dizia e do modo como agia. Os outros alunos sentiam-no e, claro, a adolescente que era boa aluna à disciplina, mas talvez nem tanto como o colega de turma, também. Passados alguns anos, a professora e a ex-aluna encontraram-se por acaso. Reconheceram-se, falaram do tempo de escola, a professora elogiou-a, desejou-lhe muitas e bem merecidas felicidades. E, curioso, passado tanto tempo, a imagem do não olhar na sala de aula não deixou de dizer presente. 


Segundo (não) olhar

A mãe foi ao médico com a filha. Era a mãe que precisava da consulta. A filha, já adulta, levaria o carro e faria companhia à mãe. A consulta era num hospital particular para a marcação ser mais rápida, apesar de ambas não dispensarem e reconhecerem toda a importância do SNS. Após a consulta, o médico, que parecia apressado e com pouca paciência, comunicou o diagnóstico. Fê-lo, olhando apenas a filha, como se a pessoa mais velha, a principal interessada e, felizmente, na posse de todas as suas faculdades, não estivesse ali. E ia pensando que o ato médico é também um ato de comunicação. Cada vez mais. O olhar com empatia pode melhorar muita coisa. A falta dele pode estragar muita coisa também. 


Terceiro (não) olhar

A visitante chegou ao pequeno museu no país estrangeiro. Estava feliz, porque já há muito tempo queria conhecer aquele espaço, onde tinha vivido um grande poeta. À hora marcada, havia quatro pessoas para a visita guiada. Três delas eram falantes da língua do país e uma vinha de fora. O guia, um jovem estudante, bem informado sobre todo o espólio do museu, ia dialogando com os visitantes. Ou melhor, com todos menos com a visitante que não dominava a língua daquele país. O seu olhar ia, portanto, ao encontro daqueles que o entendiam por completo. A visitante olhava-o para compreender melhor a sua mensagem e ficar mais informada, mas o olhar não lhe era retribuído, com alguma tristeza sua. Terminada a visita, a visitante saiu. O guia estava distraído, mas a senhora, que estava junto dos objetos à venda, sorriu-lhe e desejou-lhe bom dia. Até ali, a visitante tinha prometido a si própria que não voltaria, mas, depois daquela saudação empática, talvez voltasse um dia. 


FELIZ ANO NOVO!