quinta-feira, 16 de maio de 2024

Quem fala assim não está afónico!

 

Tenho seguido, ainda que de forma intermitente, o caso da exoneração de Ana Jorge da Santa Casa da Misericórdia. 

Tinha visto a entrevista com a ministra do trabalho e solidariedade em que disse e repetiu que a ex-provedora não tinha feito nada no cargo e a acusava de inação. Falava de rosto fechado, com secura e ar cáustico de justiceira.

Vi depois Ana Jorge a defender-se com muitos números à mistura, muita citação de documentos, tudo com alguma lentidão, o que já mostrou ser característica sua, como é fechar os olhos de vez em quando, o que não a revela desempoeirada, ainda que séria.

Fiquei com curiosidade e quis ver e ouvir as explicações da atual ministra. E, pelas seis da tarde, estava eu no sofá, com um trabalhinho nas mãos, para ver e ouvir o que pudesse. 

Aparece então a ministra, saúda ‘afavelmente’, como referiu, os interlocutores, diz que está constipada e pode ficar afónica e expõe longamente factos, documentos, números, etc, que incriminam Ana Jorge e, no seu entender, justificam a exoneração.

Retive sobretudo a forma veloz de se expressar, a capacidade de argumentar durante umas duas horas, sempre a encostar com força a ex-provedora às cordas. Havia momentos quase de êxtase crítico do poder, embora tivesse dito que sabe que este é finito.

Não vi tudo, mas não me lembro de ouvir referir uma única coisa que a ex-provedora tivesse feito bem. Quem fala assim achará que é perfeito e devem-lho ter incutido desde tenra idade. 

Crucificar assim alguém na praça pública, ainda que tenha cometido erros de gestão, nem parece de alguém em cujo título está a palavra solidariedade.

No final da audição, referiu, ufana e vigorosamente, o nome do novo provedor da Santa Casa, como um trunfo que só ela detinha. Minutos depois, era noticiado que  o nomeado, Paulo Alexandre Sousa, já teve problemas num banco onde trabalhou em Moçambique, tendo tido uma sanção pesada.

Uma Santa Casa de santos ou pecadores?



Nota de hoje, 6a f:

Dizem as notícias que, após recurso, o tribunal deu razão ao provedor agora nomeado. 

Vá-se lá saber a razão de tal trabalho num banco em Moçambique ter sido omitido pela ministra no currículo que evidenciou do provedor. 

Se me permitem a ironia: isso ficou por dizer por causa da possível afonia!



terça-feira, 14 de maio de 2024

O aeroporto e a churrasqueira

 

Estive a ver as notícias sobre o anúncio da construção do novo aeroporto e, logo a seguir, passou uma reportagem em Alcochete, local escolhido para o efeito. As pessoas interrogadas mostravam agrado pela escolha e estavam confiantes sobre o desenvolvimento mais que provável que o aeroporto traria consigo. Num diálogo curto com um habitante, o jornalista perguntou se não o incomodaria o ruído dos aviões e logo se ouviu a resposta: que não, de maneira nenhuma.

Ora, recuei umas dezenas de anos e dei comigo no apartamento onde vivi durante os meus primeiros cinco anos de casamento. Um dia, tivemos a notícia de que em breve haveria uma churrasqueira na loja que dava para a rua, mesmo por baixo do nosso apartamento. Ficámos radiantes. Quando chegássemos tarde do trabalho ou não apetecesse cozinhar, o problema estava resolvido. 

Pois bem, a churrasqueira abriu e a alegria continuava. Não sabíamos era que essa alegria seria breve. Os dias foram passando e o fumo voando e passando na minha varanda. O tempo não contemplava as exigências atuais, por isso o cheiro e o fumo mantinham-se e circulavam à vontade. O meu dia mais feliz da semana passou a ser a segunda-feira porque a loja estava fechada.

O tal senhor de Alcochete, que diz não se importar com o ruído dos aviões, ainda  vai poder desejá-los durante muito tempo, porque construir um aeroporto não é a mesma coisa que abrir uma churrasqueira.

Se não for vegetariano, ainda poderá comer sossegadamente muitas vezes frango no churrasco. E o melhor é aproveitar enquanto não chegam os ruídos dos desejados, porque não faltará ocasião para dizer, enquanto tapa os ouvidos: parem  de chatear o Camões!


segunda-feira, 13 de maio de 2024

Por falar em cores

 

Desde que me conheço, em nossa casa sempre vi entusiasmo pelo FCP. Já casada e com filhas adolescentes, cheguei a ser sócia e a assistir a alguns jogos. Eu própria me surpreendia com o entusiasmo que exteriorizava e me fazia levantar bem alto o cachecol azul e branco que levava comigo e que se juntava a tantos outros na cor e calor da festa.

As minhas filhas iam também muitas vezes aos jogos e era vê-las muito jovens, alegres e bonitas com os cachecóis azuis amarrados à cintura.  Com o tempo, elas  foram perdendo o entusiasmo e agora só sabem aquilo que os media anunciam, repetem e toda a gente conhece. 

No meu caso, há anos que não vou ao Dragão nem a outro campo qualquer, mas continuo a ser adepta do FCP - um pouco como quando se diz ‘sou católico mas não praticante’. Nem sequer conheço o nome de todos os jogadores, mas as vitórias do FCP continuam a dar-me alegria.

Porém, estas feias macacadas muito faladas recentemente - embora já muito antigas - e ontem ainda mais divulgadas envergonham - ou deviam envergonhar - quem as pratica e quem as apoia. Infelizmente uns e outros já estão tão habituados a esses esquemas de ilícitos lucros dourados que nem param para refletir ou mudar.

Ainda bem que algumas coisas poderão mudar com a nova direção do clube, mas vai ser tarefa muito difícil porque árvores muito enraizadas custam a arrancar.

E como seria bom, mesmo arrumados os (meus) cachecóis, ter a alegria de ver o clube sem esta péssima, continuada e alargada macacada de ‘bilhetes dourados’. Seria oiro sobre azul.



sábado, 11 de maio de 2024

A bela aurora

 

Estas fotos chegaram-me agora de Londres, onde também as belas cores róseas da aurora boreal foram vistas há poucas horas, tal como cá em Portugal.

Pelo que li, esta tempestade solar poderá tornar-se ainda visível durante o fim de semana. Vou tentar olhar o céu.





quarta-feira, 8 de maio de 2024

Ontem foi um dia em cheio!


Ontem, dia 7 de maio, o dia nasceu com o sol a brilhar. E entrou no Auditório Municipal de Gondomar através de grupos de meninos e meninas do primeiro ciclo ao ensino secundário, acompanhados por professores e pelos responsáveis pelas Bibliotecas dos diferentes agrupamentos do concelho de Gondomar.

Todos ali estavam para o Primeiro Concurso concelhio de Leitura. Cada aluno  participante tinha escolhido um livro e alguns objetos ligados à respetiva história. A prova consistia na leitura de um excerto da obra e na argumentação a partir do seu conteúdo e dos objetos selecionados.

Tive o privilégio de fazer parte do júri e de assistir de perto a todas as provas, vendo o nervosismo de alguns alunos, a segurança de outros, o à vontade de outros tantos, a preocupação de todos em cumprir bem a função…

E foi bonito, na parte da manhã, ver chegar ao palco, por ordem crescente, o grupo do primeiro ciclo e logo a seguir os participante mais crescidos do 2o ciclo. Todos com o seu livro, os seus objetos, a sua vontade ativa de participar.

O dia ia crescendo e, à tarde, subiram ao palco os concorrentes do terceiro ciclo e ensino secundário. O entusiasmo não parou de aquecer e iluminar a sala onde decorria a atividade que havia sido pensada e organizada ao pormenor. Com todo o cuidado e amor pelas causas da Cultura e da Educação.

E considero que foi um dia em cheio, porque todos aprendemos um pouco mais: os alunos que foram os protagonistas, os professores que os ajudaram, os pais que amorosamente estiveram presentes, os organizadores que novas atividades poderão sonhar, o staff que apoiou para que tudo corresse bem no lugar e no momento certo…

Todos os alunos participantes tiveram um prémio oferecido pela CMG. Os prémios maiores foram para os três alunos que o júri distinguiu (tarefa tão difícil!) em cada um dos ciclos. E foi animador ver as crianças e jovens, felizes, em palco com o seu prémio e diploma pelo desempenho que irradiou de um livro e de trabalho conjunto. 

Um dos jovens terminou a sua prova de argumentação com a palavra Esperança. Oxalá o sentido dessa palavra também se escreva e leia num futuro em cheio.








segunda-feira, 6 de maio de 2024

Para si, minha mãe, Rosa!


 




quinta-feira, 2 de maio de 2024

A palavra lento nunca andou tão depressa

 

Desde que o prof Marcelo, em momento de descompressão comunicativa, como tantas vezes lhe acontece,  atribuiu o adjetivo lento ao ex-primeiro ministro António Costa, por ter raízes orientais, e incluiu rural na caracterização do 1o ministro atual, por não ter nascido nem em Lisboa nem no Porto, tem sido um ver se te avias para estas duas palavras. Foi como se se tivessem escapado de um saco onde estavam à espera de sair para (se) divertirem um pouco mais.

Ele é ‘sabes como é, sou oriental, por isso sou lento’; ‘desculpa, sou rural, daí não se ter percebido bem o que disse’, etc, para não falar de anedotas que logo aparecem e que nos fazem rir - coisa de que bem precisamos.

Mas o que não suscita bom humor, na minha opinião,  é ouvir a mais alta figura da nação caracterizar as pessoas pela terra onde nasceram. 

Sr Presidente, sente-se bem? Será que nascer em Cascais aponta logo para a primeira linha? Ai, senhor presidente, cá para mim, rural porque nascida numa aldeia de Gondomar, o senhor padece da solidão do poder e quando se apanha com muita gente à frente, as palavras saem-lhe sem controlo.

Confesso que não votei em si, mas não gosto que o acusem, como aconteceu num dos discursos do 25 de Abril, com desventuradas e gritadas palavras,

Desculpe, mas também deve evitar falar do neto preferido, ou do seu famigerado filho com quem cortou relações. Também acho que ele o deixa ficar mal e tem comportamentos de caixão à cova. Ah, e ele também deve ter nascido em Cascais. Como o classifica quanto a isso?

Ai, senhor presidente, muita gente, na qual me incluo, anda cansada de tanta coisa que é dita, redita, desdita…por si e não só, apesar de a maioria de nós, cidadãos, não querer outro regime que não seja o democrático.

Sente-se um bocadinho, tente ser um bocadinho mais lento, ainda que não seja oriental, e imagine-se um bocadinho rural, ainda que tenha nascido na zona privilegiada do país. Pode estar certo de que muita gente continua a gostar de si  e não faltarão pessoas a querer ficar nas suas selfies.

Ah, é verdade, um dia destes ouvi Ana Paula Tavares, no podcast ‘A beleza das pequenas coisas’. Retive uma frase que ela disse ‘A velhice tem-me ensinado a virtude da lentidão, ajuda a sermos mais perfeitos e a termos mais  atenção pelas coisas’. 

A poeta e professora nasceu em África. Nem lhe pergunto como a classificaria por isso. Nem o senhor presidente responderia porque todos nós, sejamos lentos, rurais ou o que quer que seja, temos outra grande virtude: podemos aprender até morrer.


quarta-feira, 1 de maio de 2024

O primeiro Primeiro de Maio

 

Estava um belo dia de sol e todos nós ainda estávamos tomados pela surpresa festiva do 25 de Abril de 74, pela estupefacção perante ruas que se enchiam espontaneamente quando, até aí, qualquer pequeno grupo era entendido como subversão.

Quando chegámos ao Porto, nesse primeiro Primeiro de Maio, a grande praça, diante da Câmara Municipal, enchia-se de gente, de bandeiras, de cartazes, de palavras de ordem, de cravos vermelhos, de canções revolucionárias, de alegria, etc.

Era o tempo das calças à boca de sino, de grandes bigodes, de cigarros, de muito espanto perante o que estava a acontecer.

Não sei se fomos de mão dada ou de braço dado, mas tenho bem vivo e presente o mar de gente que tinha vindo até ali, porque as amarras que até aí apertavam e magoavam davam sinais de se desatarem, mesmo para quem não tinha consciência política.

Não esquecerei nunca aquela tarde de sol e de festa do primeiro Primeiro de Maio celebrado no país.

Cinquenta anos depois, não irei para a rua, mas saber que podia ir em Liberdade é sinal de que o 25 de Abril  e o primeiro Primeiro de Maio valeram a pena. 

Oxalá a Festa verdadeira possa continuar.


domingo, 28 de abril de 2024

A natureza no seu esplendor - em Kew Gardens, Londres!





Hoje procurei -te na cidade com mar ao fundo

 

Sabia que estavas lá 

Mas bem mais próximo do que há uns anos

Em que os comboios se enchiam de jovens para mergulhar em ti

No calor da idade e do verão 

Agora aproximas-te cada vez mais 

Quando tantas pessoas se afastam umas das outras

Talvez porque se sentem também afastadas

E não ousam aproximar-se

Com medo de mais um desencantado afastamento


Hoje procurei-te 

E sabia que estavas lá 

Com todas as pedras para que não avances mais

Havendo certeza de impossíveis recuos.


É muito difícil dizer amo-te

Mas abeirando-me de ti

Quero pedir-te

Que não te aproximes mais

Porque o amor não é invasão 

Eu sei que estragámos 

E continuamos a estragar muito do que te engordou

Fazendo-te penar

Peço-te desculpa pela parte que me toca

Mas não impeças ninguém de te vir visitar 

No lugar em que tu moras

Sem extravasares marés de culpabilidades

Ao fundo desta cidade pequena e ‘rural’


Perdemos muita coisa ao longo da vida

Mas a liberdade de te olhar onde moras será um ganho

Que nos ensinará a proteger-te e a dizer mais facilmente 

‘Amo-te, Mar!’


sábado, 27 de abril de 2024

A favor de mim falo e não só, é claro!

 

O título parece um tanto vaidoso, porque o mais comum é dizer-se ‘contra mim falo’. Há dias que penso nisto e hoje resolvi arriscar, não só a pensar em mim, mas em muitas mulheres do meu tempo (não gosto desta expressão, mas à falta de melhor…).

Pois bem, antes do 25 de Abril, a grande maioria das raparigas não prosseguia estudos para além da 4a classe e bastantes até ficavam aquém desse ano de escolaridade. Umas porque tinham de trabalhar para a família, outras porque o destino da mulher seria aprender a ser boa dona de casa e a ser cuidadora - dos filhos, do marido, dos mais velhos… e para isso entendia-se que não eram precisos estudos. O pensamento do governo vigente era até que quanto menos se soubesse, mais submissão  (palavra que detesto) havia, o que dava bastante jeito à ditadura.

Aqui entra a D. Lucinda, a minha professora da 4a classe que muito insistiu para que eu continuasse os estudos. De nada valeu, mas desse elogio nunca me esqueci. E talvez ficasse a germinar, porque uns anos mais tarde retomei os estudos e, felizmente, com sucesso, porque concluí o meu curso na Faculdade de Letras do Porto.

Conheci outros casos que, como eu, apesar de os estímulos serem escassos, não desistiram do sonho de  estudar e fazer outras coisas de que também gostavam e a que tinham direito por mérito próprio. 

Porém, não foi nada fácil sobretudo frequentar turmas em que os outros alunos eram muitíssimo mais novos, fazer exame no liceu em que tudo era desconhecido, etc, mas até à Faculdade, a cujo exame de admissão dispensei, cada aprovação era um passo em frente e um obrigada tácito à minha professora por ter acreditado em mim, ajudando-me a acreditar também mais um bocadinho, num tempo em que o elogio era fugidio, para não dizer ausente.

Talvez por causa disso, às vezes na minha vida sinto ter chegado tarde, mas fui chegando a algumas coisas para as quais não parecia estar predestinada, digo para mim própria em horas de mais otimismo.

E tantos casos houve semelhantes ao meu, sobretudo de raparigas que gostavam de ter continuado a estudar, mas não o puderam fazer na devida altura, faltando-lhes a força de recomeçar mais tarde e tornando a sua vida bem mais triste.

Felizmente, para além de falhas e erros, todas as crianças e jovens têm o direito e o dever de frequentar a escola, um dos maiores bens que o 25 de Abril nos trouxe. E, apesar do cansaço justificado de muitos professores, o trabalho educativo que se faz nas escolas é imenso e com imenso amor. Mas tantas vezes desconhecido. O que vale é que o estímulo fica em muitos alunos, como também me ficou o da minha professora da 4a classe.


sexta-feira, 26 de abril de 2024

Era uma vez na Alemanha


Antes do 25 de Abril de 74, era eu menina e moça e a minha irmã também, fomos passar um tempo a uma cidade no sul da Alemanha, onde tínhamos um tio. Estava casado e pertencia então a uma família alemã cujo patriarca era culto, gentil e simpático, com uma larga experiência de vida e que havia participado na Segunda Grande Guerra.
A língua que todos usávamos era a francesa e à noite, ao jantar e ao serão, falávamos de variadas coisas, o que para nós também era novidade, uma vez que estávamos mais habituadas a ver a televisão, na época canal único.
Uma vez, falávamos de Portugal e o velho e simpático alemão referiu a ditadura que então vivíamos no nosso país. A minha irmã e eu, na nossa ruralidade - como diria o prof. Marcelo - reagimos contra essa afirmação. Como no tempo a confirmação de qualquer ideia estava sobretudo nos livros, ele foi buscar uma enciclopédia e leu o excerto que afirmava a existência de uma ditadura em Portugal.
Quando chegámos ao nosso país, o diálogo daquela noite foi-se avivando em muitos momentos nos quais nem reparávamos antes, porque assim tínhamos sempre vivido, sem qualquer discussão sobre o assunto. 
Alguns anos passaram e Abril de 74 floriu e mudou Portugal. De facto, tínhamos vivido numa longa ditadura de 48 anos que se tinha enraizado demasiado ao ponto de algumas ramificações continuarem a existir.
O velho e simpático patriarca alemão já morreu há muito tempo, porque a vida humana é finita. A Liberdade, essa, esperemos que não.


quinta-feira, 25 de abril de 2024

Um bom sinal? Oxalá que sim.

 

Hoje, no final das celebrações do 25 de Abril, na Assembleia da República, os deputados do PS cantaram

‘Grândola, Vila Morena’ e só as bancadas do Chega e CDS se ausentaram, tendo ficado todas as outras. 

Oxalá seja um sinal de maior união. Se assim for, é bom para a democracia.




quarta-feira, 24 de abril de 2024

Venham mais cinquenta!

 






terça-feira, 23 de abril de 2024

A propósito do pássaro que já não vive na minha cozinha


Hoje cheguei à cozinha 

E não  ouvi o pássaro cantar

Nem esvoaçar na gaiola

Nem baloiçar de alegria


Jazia inerte no chão frio da gaiola

De olhos abertos mas não para a vida que eu queria


Há semanas que somam tristezas

A vida das palavras foge várias vezes

Gravando solidões

No emaranhado triste da interpretação

Do que é dito e do que é calado


E há amanheceres assim

Chega-se à cozinha 

Desejando o cheiro a café acabado de fazer

E vê-se um pássaro morto na gaiola


Como ir ao encontro de um abraço

E ouvir um grito surdo de desilusão 


Abri a janela.

Para um possível e último voo do pássaro

Levado nos braços carinhosos de um anjo 


Fiquei a olhar pela janela

E esqueci - me do café quente.



Os dias têm várias estações, mas não só do tempo!

 

Hoje de manhã cheguei à cozinha e não vi o canário a saltar ou a baloiçar-se alegremente, como de costume. Fiquei triste. Jazia no chão da gaiola. Vivia cá em casa desde a morte da minha mãe. Tinha vivido na casa dela longo tempo. Talvez tivesse morrido de velhice. Nunca gostei de gaiolas, e hoje muito menos. Disseram-me há pouco com um sorriso: Foi ter com a antiga dona. E o sorriso, que também é consolo, soube-me bem. E revi as mãos da minha mãe a pôr bocadinhos de miolo de pão ou pedacinhos de maçã na grade da gaiola.

Ainda tenho bem presentes as imagens de ontem, na Biblioteca da Escola Filipa de Vilhena, no Porto, onde apresentámos, a Cristina Pinto e eu, o nosso livro das Fadas a duas turmas do sétimo ano de escolaridade. Os miúdos mostraram agrado, interagiram, mostraram curiosidade sobre os materiais, etc. Foram momentos bons e felizes.

Sempre que posso, não consigo desligar-me das notícias. E hoje, tal como ontem à noite, fala-se muito dos nomes escolhidos, pelos diferentes partidos, para cabeças de lista das próximas eleições europeias, mas de quem se fala mais é do jovem comentador, atualmente na SIC, para representar o partido do governo. Ainda não tem 30 anos, não tem experiência política, mas são-lhe apontadas virtudes como a da inteligência. E achei piada ao primeiro ministro afirmar que Sebastião Bugalho representa na perfeição os jovens que decidem ficar em Portugal. Porém, acrescento eu, afinal também querem mandá-lo para fora! 

Nunca sabemos como começa, decorre e termina o dia. Espero ver, logo às 8 da noite, na RTP 3, o programa ‘Os filhos da madrugada’ da Anabela Mota Ribeiro. Os convidados nasceram perto do 25 de Abril de 74 e falam da sua experiência de vida. São documentos interessantes e ainda mais nos dias que correm. Para lembrar também que os dias têm diferentes estações e, felizmente, podemos falar delas!


segunda-feira, 22 de abril de 2024

Aqui se fala de uma menina cujo pai tinha um carro e da Berta que nunca nele entraria

 

A minha escola primária ficava a mais de um km de casa. Eu ia a pé, como a grande maioria das crianças, fizesse sol ou estivesse a chover. E os poucos transportes públicos não entravam sequer na equação. Lembro-me de uma menina cujo pai tinha carro e tempo de a levar e trazer. Só a menina entrava no carro e, mesmo quem morava muito perto nunca tinha a sorte de ter boleia. Havia meninas vizinhas que sonhavam chegar a casa de carro. Nem que fosse só uma vez.

Um dia, vinham duas meninas a pé da escola. Uma delas era a menina cujo pai tinha carro, mas, nesse dia só muito dificilmente chegaria a horas, daí o atraso.  Nisto, o carro do pai da menina parou e ela entrou logo de seguida. A outra menina, sorrindo ingenuamente, dirigiu-se com ela também à porta. Seria naquele dia que chegaria de carro a casa. Porém, a porta logo se fechou e o carro arrancou. A menina viu-o desaparecer e continuou em desconsolo o seu percurso a pé. 

Dentro da escola, as aulas decorriam como sempre. As duas filas da frente eram ocupadas pelas meninas que iam fazer o exame de admissão ao liceu, tal como a menina que tinha entrado no carro do pai e fechado logo a porta sem quaisquer palavras de despedida para a menina que ficará em terra. O grupo  sobressaía pelas batas branquíssimas de entremeios de rendas. 

Nas filas a seguir, ficavam as meninas remediadas, de rostos bastante bem alimentados, mas que não iam continuar a estudar. Seguiriam o caminho das avós e das mães. Nas filas de trás, estavam as meninas mais pobres, algumas delas descalças, mal vestidas e muito magras. Eram as que menos sabiam as matérias e as que mais apanhavam com a régua porque não faziam os deveres e não aprendiam a fazer as contas. Eu estava no grupo das remediadas e numa das filas atrás de mim estava a Berta. Nunca mais a vi depois desses tempos de escola primária antes do 25 de Abril de 1974. Não sei se a reconheceria se a visse agora. Quase de certeza que não. Nem ela a mim. Seria mais fácil o reconhecimento se houvesse o espírito de entreajuda, e não degraus a fechar ou a descer cada vez mais.



domingo, 21 de abril de 2024

O regedor Amado

 

Uma das figuras da minha aldeia, na minha infância, era o regedor. Nesse tempo, nunca lhe conheci o nome. Nem quase ninguém, acho eu. Era o regedor e bastava. Para o baixo mas entroncado, a sua voz forte ouvia-se à distância. Só a calava se queria chegar a qualquer lugar pela calada e assim surpreender o infrator.

 Quase toda a gente tinha medo do regedor, porque ele tinha o poder de dar voz de prisão. Por isso, quem roubava alguma galinha, ou hortaliças dos campos, ou fruta das árvores, ou chamava nomes a alguém, etc. logo se dizia que ia ser chamado ao regedor.

O regedor era casado e tinha filhos. A mulher andava por casa e de avental; os filhos escondiam-se no meio do milho e atiravam pedras. Sabia-se que eram eles mas, como eram filhos do regedor, ninguém os acusava. O melhor era não fazer queixa, porque ele podia ficar zangado, saber de coisas que ninguém sabia, inventar outras e, assim, tramar os queixosos, sobretudo os mais fracos.

O tempo foi passando, chegou o 25 de Abril e o regedor perdeu, naturalmente, a função. Recolheu a casa e quem o via a tratar do quintal dizia que parecia mais pequenino e que a terra lhe tinha colhido a voz.

Poucos anos depois, morreu. Desde que tinha deixado de ser regedor, as pessoas da aldeia chamavam-no pelo nome e, no dia da sua morte, diziam umas às outras: Morreu o Amado. 

Dizem que alguém acrescentou num desses momentos: Morreu o Amado. Morreu aquele que nunca o foi.


sexta-feira, 19 de abril de 2024

Mais cego é quem não quer ver...

 

Ouvi o sr primeiro ministro dizer que será ‘clarissimo’ hoje à tarde na AR, como, aliás, sempre foi.

Referia-se ao tema do IRS que o governo diz reduzir muito e que a oposição e os media dizem ser só um pouquinho para a maioria dos portugueses. E, apesar das contas, da argumentação, da justificação, da baralhação, etc, as vozes do poder levantam-se, apontando para uma corrente ‘cristalina’ que os outros querem manchar.

E nem o benefício da dúvida é dado. E nem a possibilidade de reconhecer algum erro parece estar em cima da mesa. E nem a referência às contas do governo anterior é admitida. 

A bela casa de Espinho do sr primeiro ministro fica junto ao mar. Pudesse ele parar um bocadinho e olhá-lo.  Não resolvia todas as ambiguidades, mas tornaria com certeza tudo um pouco mais cristalino.


quarta-feira, 17 de abril de 2024

Marque já! Faça já a sua reserva! Não falte!

 

Não sei se por cansaços acumulados, quando recebo mails que parecem acelerar o tempo e empurrar o destinatário para uma resposta rápida - e afirmativa, é claro - o que faço quase sempre é apagar, ainda que a proposta até tenha interesse. Nem me apetece continuar a esmiuçar muito. É como se ouvisse o que gosto cada vez menos de ouvir: Faz! E agora! E tem de ser depressa!

Cada vez gosto menos de agir sob pressão. Já bastaram e bastam as obrigações e deveres a cumprir em muitos dias.

Hoje, quando abri o mail, logo vi o apelo de uma ‘ativista literária’, a quem reconheço muito mérito pelo trabalho realizado, mas ler numa proposta de atividades e quase logo ‘Não falte’ tira-me a vontade de aderir, seja gratuito ou seja a pagar.

Compreendo que estas técnicas publicitárias surtam efeito na maioria dos casos. E eu, embora faça zapping nos intervalos publicitários, reconheço valor e criatividade sobretudo a frases  - quase sempre curtas  e eficazes - que vendem um produto e ficam na memória.

Mas não, não me digam para marcar já, reservar agora, encomendar no momento, não faltar ao convite… é que fico logo sem vontade de ler ou ver o anúncio. Serei a única pessoa a fazê-lo? De certeza que não. Não sei se também por cansaços acumulados.


segunda-feira, 15 de abril de 2024

‘Milicanquices’

 

Nunca vi esta palavra escrita, mas ouvi-a muitas vezes quando era criança e adolescente. Hoje procurei-a num dicionário online, mas também não estava lá.

Pois bem, a minha mãe usava-a muito quando nos via, a mim e à minha irmã, a fazer coisas que para ela não tinham importância, em vez de fazermos o que ela entendia que devíamos fazer.

Por exemplo, mandava-nos regar os vasos  - as plantas sempre foram essenciais para a minha mãe - e se demorávamos a recortar, por exemplo, fotos de atores e atrizes de cinema do JN, que o meu pai comprava todos os dias, logo ouvíamos. ‘Acabem com essas milicanquices’.

Ontem, domingo, estive em casa. Gosto muito de ficar em casa ao domingo. Organizo a mente, ao mesmo tempo que organizo a mesa da sala agora com trabalhos para apresentar numa escola, a propósito de um livro infantil. A minha mãe diria que eram milicanquices. Ou talvez não. As pessoas mudam com o tempo. Tenho pena de já não poder falar com ela sobre o assunto. E de lhe perguntar se foi ela que inventou a palavra Milicanquices. Cá para mim, foi porque as palavras para ela também eram essenciais, embora não tanto como as plantas.


domingo, 14 de abril de 2024

Afinal, a mentira tem perna comprida!

 

Hoje, as notícias focam-se nos ataques do Irão a Israel. Ontem, prevalecia o tema da baixa do IRS para muitos portugueses e que foi promessa afirmada e reafirmada pela AD em campanha eleitoral. A verba de 1500 milhões de euros era tentadora e cativou muitos votos. Quem não gosta que mais algum dinheiro lhe entre na conta?!

Mas, afinal, havia outra verdade maior que não entrou nesta verdade pequenina do governo e que fez passar por verdade grande e sedutora: 1300 milhões  já vinham do anterior governo e já eram um dado adquirido. Para o ‘choque fiscal’ ficariam apenas 200 milhões de euros.

Ainda assim, o líder parlamentar veio (que remédio!) reafirmar que as pessoas é que não tinham percebido, não tinham estudado, não tinham lido com atenção o seu programa. Todos tinham estado distraídos, menos o governo. 

Esta situação fez-me lembrar a história de um homem que todos os meses dava uma quantia aos netos. Chegado o Natal, deu-lhes a mesma quantia, num envelope bonito e diferente, dizendo que era o seu presente de Natal.

Como acho piada às palavras, verifiquei que o líder parlamentar, na defesa do governo e sobretudo do primeiro ministro, usou a palavra ‘cristalino’, no mínimo cinco vezes, para atestar que o governo estava certo e que todos os outros estavam errados, apesar das imagens e das afirmações registadas.

É pena quando ao poder vem colada tanta sobranceria e vaidade. E a mentira, que se diz ter perna curta, em política, e como mais uma vez e neste caso bem  se comprova, entra de perna comprida.



quarta-feira, 10 de abril de 2024

Fica, ambiente de trabalho!


Há dias que estou sem computador. E, embora haja dias em que não abro o computador, acho que a vida é bem melhor com computador e a funcionar bem. Para mim, é claro.

No fim de semana, ao abri-lo, desmaiou-me. Apagou-se, tentei reanimá-lo, desligando e ligando o cabo, carregando delicada ou apressadamente no botão, mas nada. Fui à loja onde costumo ir. Com novo cabo, de repente, vi o que eu queria: o computador a ganhar vida e a acender-se. Fiquei feliz e vim logo para casa. Logo que pudesse, poderia utilizá-lo, acedendo ao ambiente de trabalho, onde guardo textos que me são queridos e importantes.

Ontem, ao fim da tarde, teria o prazer de voltar a abrir o computador e abrir-me ao meu mundo que também lá mora. Mas, qual quê. Os sinais de vida haviam de novo desaparecido. Não podia crer. E agora? E os textos urgentes para rever? E a história para continuar? Por que raio não faço cópias de coisas que moram no ambiente de trabalho e que podem desaparecer de repente?! Apetecia-me dizer palavrões para aliviar.

Neste momento, o dito - desculpa chamar-te assim, meu necessário e amigo computador - vai ser substituído,  

A vida das pessoas e das coisas é finita, mas, querido e velhinho computador, não leves contigo o meu ambiente de trabalho. 

À hora do almoço, vou ligar para a loja e vou saber como estás. Desculpa, se estou a ser egoísta, mas o que me preocupa mais são os trabalhos do ambiente de trabalho. Ao longo destes anos, ajudaste-me muito. Obrigada. Mas, deixa-me confiar que à hora do almoço vou saber que o que está no ambiente de trabalho continua a alimentar a minha vida.


domingo, 7 de abril de 2024

Ontem, respondi a uma personagem!

 

Faço parte de um grupo de amigos que gosta de ler e de escrever e que costuma participar em coletâneas, nomeadamente, da editora Lugar da Palavra. É uma prática já com mais de uma dezena de anos. Por exemplo, em dezembro, é publicada uma coletânea sobre o Natal; houve já uma edição de doze volumes com o título Mimos de…, dedicados a todos os meses do ano; no momento continua a realizar-se Anjos da prosa e da poesia, etc.

Pois bem, nós escrevemos os nossos textos e partilhamo-los entre nós e são momentos bons a que já nos habituámos.  Quase sempre há elogios, mas também sugestões, deteção de gralhas, etc. 

E é curioso que, apesar de ser uma coisa restrita, há quem faça uma análise ao pormenor, de consolar a alma. 

Como atualmente estamos a escrever para a coletânea Anjos da prosa e da poesia, um dos elementos do grupo falou do momento que estava a viver, através de uma personagem que criou e cujo nome achei sugestivo. Ora, não sei se por causa do nome, dei a minha opinião sobre o texto, escrevendo à personagem e não à autora do texto. Deu-me muito prazer fazê-lo. A personagem também já me respondeu e parece que gostou, assim como ‘a outra metade’, isto é, a autora do texto.

São pequenas coisas que, se lhes acharmos piada, alegram a vida. E, ao fim e ao cabo, todos nós temos um bocadinho de personagem, apesar da realidade que nos convoca a toda a hora. Não acham?


Bom fim de tarde de domingo,


P.S. Em breve, envio o regulamento para a coletânea Anjos da Prosa e da Poesia. 



segunda-feira, 1 de abril de 2024

Se eu tivesse um diário...

 

 ... dispensaria o 'Querido diário' e hoje escreveria:

Nesta Páscoa, tenho a família cá em casa. Antes da sua vinda, fiz uma lista para o supermercado para que não me esquecesse de nada. A folhinha foi deixada em cima da mesa da cozinha e fiz muitos acrescentos, sempre que me lembrava do que cada um gosta.

Na Sexta-Feira Santa, o mais pequenino fez anos e a família de Londres chegou ao aeroporto F. Sá Carneiro, cheiinho de emigrantes de visita à terra e de muitos turistas em busca de novas terras.

Levei um raminho de camélias do jardim para a minha neta e pus na cadeirinha do carro. Ela gostou da ideia e queixou-se da cadeira não ser de pessoa normal, segundo ela, na graça dos seus oito anos.

Chegados à festa de aniversário, eis a correria feliz no reencontro dos primos e amiguinhos. A minha neta vivia momentos sempre desejados: brincar com os primos portugueses, o que só acontece de vez em quando,  como com os primos americanos. Às vezes, fica triste por não ter família mais perto.

E ver crianças contentes e felizes é, por si só, uma festa.

Mas as festas, para mim, não são o meu forte. Sobretudo no antes. Aprecio muito mais o durante e ainda mais o depois. Sobretudo se estou ligada à preparação. Quando sou apenas convidada, o constrangimento é menor.

Mas foi uma festinha bonita e ainda mais bonito foi ver o meu neto, que fazia três anos, a correr feliz.

Ontem, dia de Páscoa, veio o compasso logo de manhã. Não contava com a sua vinda tão cedo. Ficámos no hall da entrada, ainda com sacos de presentes da véspera. Eram simpáticos os elementos da visita pascal. Perguntaram aos meninos se queriam tocar o sino-campainha. Claro que sim. Achei bem o pequeno gesto e lembrei-me de igrejas bastante vazias e ainda mais de jovens.

À tarde, foram a uma caça ao ovo, em Gaia. Vinham divertidos e os meninos com desenho de um coelhinho nas carinhas larocas.

Preferi ficar em casa. Gosto de intervalos em que organizo a casa e a mente. Quando chegaram, havia arroz de polvo e pataniscas. Gostaram e fiquei contente.

Hoje, foram a outro lugar de diversão com priminhos. Para memória desta Páscoa ainda a decorrer e até agora feliz. Felizmente.

Com a casa silenciosa durante horas, escrevi mais uma página de uma história que estou a escrever com uma amiga e parceira de escrita.

Em breve, terei de novo a casa cheia e vou querer ouvir aventuras da tarde.

Já sei o que vou fazer para o jantar. Para já, vou tirar a loiça da máquina e descascar cebolas e cenouras.

PÁSCOA FELIZ!

sábado, 23 de março de 2024

A princesa está doente

 

Nas histórias de encantar, que eu saiba, as princesas nunca adoecem nem perdem a beleza e elegância. Kate, no Reino Unido atual, parecia também uma princesa de uma história de encantar. Capa de jornais e revistas, sempre foi imitada pelo mundo fora. Jovem, bela, elegante, teria e tem acesso a todos os bens possíveis e imaginários em palácios de todas as riquezas, belezas e ajudas. Nada de mal  poderia acontecer a tão amada princesa, futura rainha e só depois vista como mulher.

A sua figura era procurada por todas as câmaras que a fixavam ao pormenor: as joias, a roupa, os sorrisos, os adereços, o cabelo, os gestos, a cintura finíssima...

Nada destoava naquele ser quase divino de perfeição. 

Porém, a doença visitou-a e instalou-se no seu corpo, que parecia imune a tudo o que o pudesse danificar.

Os filhos da princesa, apesar da imensidão de cuidados a que terão acesso, sentirão de certeza o desencanto triste de ver a mãe mais frágil do que a viam antes de ter ficado doente. Tal como uma imensidão de crianças anónimas pelo mundo fora, em vidas tão diferentes mas nos sentimentos tão iguais.

E a fragilidade da princesa doente, como a vimos ontem, sentada sozinha num banco de um jardim palaciano, vestida de forma simples e comum, era bem diferente dos momentos festivos da realeza em que os fotógrafos nada queriam perder para vender toda a força encantatória daquela figura.

Nesse banco de jardim, que já correu o mundo, tendo atrás de si flores pequeninas e singelas, a princesa comunicou a fé nas suas melhoras, pediu recato, pôs-se ao lado de quem foi atingido pela mesma doença, referiu a atenção ao corpo, à mente e ao espírito... Vimo-la aqui como mulher e só depois princesa ou futura rainha.

As vidas humanas, de facto, são tão diferentes em tanta coisa mas nas fragilidades, que a todos acontecem, tão iguais.



quinta-feira, 21 de março de 2024

Não sei se vos acontece, mas há dias em que não gostamos de nós!

 

Se calhar, não era o título mais esperado em início de primavera, mas acontece. A muitos, para não dizer a todos porque não gosto de generalizar. 

Às vezes não gostamos de nós, não só porque o corpo não é ágil nem esbelto como se desejaria, mas, sobretudo, por palavras não ditas, por gestos que foram contidos, isto é, sobretudo por escassez e não por excesso. Embora os excessos também não tragam muitas alegrias, habitualmente.

E, se o desamor acontece, sobretudo por nós próprios, vêm à cabeça coisas que custou ouvir há muito muito tempo, e que ficaram demasiado coladas à alma. Como o caso da menina a quem uma tia chamava palonça com muita frequência. A menina cresceu, viveu muito, mas nunca apagou a mágoa dessa palavra.

Que as palavras de hoje sejam mais elogiosas. Ditas e ouvidas - em modo de gostarmos mais de nós. E dos outros, é claro.

Boa primavera!


quarta-feira, 20 de março de 2024

Ai, os telemóveis!

 

Vi há poucos minutos uma reportagem de uma escola de Gondomar, onde à chegada os alunos deixam os telemóveis numa caixa, não os tendo com eles, nem nas aulas nem nos intervalos.

Um professor justificou os benefícios da medida, nomeadamente nos intervalos das aulas: as crianças e os jovens falarem mais uns com ou outros, correrem mais, libertarem energias, etc. Referiu até que se veem jogos tradicionais, o que há muito não acontecia.

Eu concordo com esta medida e impossível não me lembrar de situações na sala de aula que causavam constrangimentos. Por exemplo, havia alunos que teimavam em pôr as mochilas sobre a mesa para assim esconderem o telemóvel e estar à mão para uso silencioso. E não era nada fácil convencer alguns de que o lugar das mochilas não era sobre a mesa, e, muito menos, o que pretendiam usar sem mostrar.

Mas também os adultos nem sempre são exemplares. Basta ouvir os toques altos e prolongados em momentos em que não são nada desejados.

Também há o oposto, como é habitualmente o meu caso: ando quase sempre com o telemóvel sem som e nem sempre oiço as chamadas. No entanto, ligo depois, sobretudo para os números que conheço. Tenho é de pagar as chamadas, o que é um inconveniente.

Voltando ao tema dos telemóveis nas escolas, oxalá que sirva também para não se ver tanto o que agora é muito frequente, por exemplo, em qualquer restaurante: pais e filhos cada um com o seu telemóvel ou ipad, mesmo enquanto comem. 

 

domingo, 17 de março de 2024

Felizmente continuam sinais de primavera!


 


sexta-feira, 15 de março de 2024

Em Londres, é primavera, disse ela!

  





Já chega!

 

Há muitos anos que leio o semanário Expresso com bastante regularidade, em papel e agora por assinatura eletrónica. Porém, venho a notar que o jornal dá um grande relevo ao partido de A.Ventura. Não os contei, mas uma grande parte dos grandes títulos  de primeira página é sobre esse partido, o que acontece há muito tempo. Para não falar de grandes fotos do líder partidário a ocupar muito espaço de páginas interiores. Ora, quando tal acontece, há a intenção de chamar a atenção para o que se põe em destaque e não apenas com o objetivo de informar. A menos que prevaleçam os jogos de audiências ou a moda populista que vai grassando dentro e de fora da Europa.

Como de costume, hoje, 6ª f., recebi o Expresso online e, mais uma vez, o partido de extremadireita surge logo no primeiro e grande título da capa, o mesmo acontecendo com o Expresso curto. Como se fosse esse o único motivo de interesse e o único tema de conversa.

Ora, irritada, liguei para  o jornal a manifestar o meu desagrado e a solicitar que deixassem de me enviar o semanário, porque não queria encher a minha caixa de correio com notícias, para mim, demasiado tendenciosas. E acrescentei que, na SIC, são frequentes debates com pessoas de uma só cor partidária, a do seu fundador, o que também me desagrada.

A ouvir-me estava uma funcionária, educada e políticamente correta, que me disse que o fim da minha assinatura do jornal não estava para breve, mas, perante a minha insistência, que deixaria de ser avisada previamente da emissão.

Pedi também que desse a conhecer a quem de direito as discordâncias que referi, como leitora e assinante.

Tenho consciência de que isto é apenas uma pequeníssima gota no oceano, mas nós, cidadãos comuns, temos o direito de manifestar a nossa vontade e não aceitar apenas a vontade de outrem. Para mais, por um serviço pago e tão importante como é um jornal.

 


quarta-feira, 13 de março de 2024

Verde mais verde haverá, mas há muita beleza por lá!

 

Ontem, fui pela primeira vez ao Parque de S. Roque - perto das Antas, no Porto.

É bonito, está bem tratado e vemos flores por toda a parte - sejam elas plantadas ou espontâneas.

 Havia alguns visitantes e quem se sentasse ou estendesse na relva a gozar o claro calor do sol.

As subidas e descidas do terreno são compensadas pelos bancos frequentes. Dão para contemplar os múltiplos recantos, para conversar com quem está connosco, para descansar um pouco - na boa preguiça destes espaços bonitos e calmos!!!!






terça-feira, 12 de março de 2024

Gosto dos sinais de primavera

 


Quando vejo estes arbustos - não sei o nome, mas conheço bem as flores - sinto animada e simples alegria. São um sinal de primavera e ainda bem que vêm no tempo certo.

Já vieram as magnólias, os narcisos, as frésias... Para não falar das belas e efémeras camélias. Ah, e também as andorinhas - flores e aves.

 




domingo, 10 de março de 2024

Hoje há lugar para muitos encontros

 

A mesa de voto, onde hoje votei, fica num centro escolar. Bonito, airoso e com muitos trabalhos coloridos feitos pelas crianças. Como era cedo, ainda havia pouca gente. No passeio de acesso, cruzei-me com uma pessoa desconhecida que me disse bom dia. Bom sinal - pensei.

Já na mesa da entrada do local das votações, logo reconheci duas raparigas que conheço desde muito miúdas, mas que já não via há muito tempo. Uma delas colega de escola de uma das minhas filhas, a outra, colega de brincadeira de ambas. O tempo ainda não era de telemóveis nem de jogos eletrónicos e os medos não estavam tão presentes, por isso, a rua era lugar onde a grande maioria de crianças brincava.

Na sala onde votei, encontrei ex-alunas que logo me reconheceram. Fiquei contente e pensei: as rugas e os quilos a mais não me tornaram, pelo menos, irreconhecível. 

Depois da cruzinha no quadradinho que para mim foi o mais certo, saí e pelo corredor fora mais ex-alunos encontrei e também alguns vizinhos - pessoas que, morando perto ou longe, raramente vejo, porque cada um tem a sua vida.

As eleições também têm esta vantagem: vermo-nos uns aos outros e pensar que cada um tem o valor de ajudar a sustentar a democracia. Oxalá que assim continue. 

E gostei dos reencontros de hoje. E dos sorrisos. E das palavras simples e boas. E de sermos todos chamados. Logo à noite, veremos quem são os escolhidos.

 


sábado, 9 de março de 2024

As andorinhas


Hoje, num grupo do whatsapp, falámos de flores. Não das compradas, mas das que nascem pertinho de nós em vasos, canteiros ou no jardim. Algumas aparentemente espontâneas. E vieram à baila as andorinhas - a flor branca e pequenina, que tem nome de ave, e que agora se vê muito menos do que eu via na minha infância.


Peguei no telemóvel e fui fotografar uma andorinha que me tinha nascido num canteiro, sem eu a ter semeado, trazida talvez no bico de algum melro. Como floriu há bastantes dias e a chuva tem sido muita, lá vai murchando e envelhecendo, mas gostei de a ver aqui renascida, lembrando-me momentos puros da minha infância.

Não sou muito saudosa do passado, mas venham mais andorinhas, trazendo com elas a primavera. Falo das flores e também das aves.


sexta-feira, 8 de março de 2024

Hoje, dia 8 de Março, não faltam

 

 ...  flores para distribuir a mulheres.

Não faltam apelos gentis para que votem no partido que hoje se lembra delas. Como se sempre assim tivesse sido. Como se fosse para sempre.


Oxalá a homenagem e gentileza não durem apenas algumas horas como as flores oferecidas,

como os apelos que logo dão lugar a outros e outros para que tudo fique prometido

até às badaladas que fecham este dia.

 

Que não adormeça, pelo menos, algum perfume dos dias.



«Já sei ler e leio bem!»

 


Tenho ido com a Cristina Pinto a escolas do 1º ciclo, pertencentes ao mesmo agrupamento de Valbom, Gondomar, para falarmos do livro que escrevi e que a Cristina ilustrou.


Tem sido uma belíssima experiência, porque as crianças fazem perguntas, interessam-se, entusiasmam-se, dão a sua opinião, veem que as árvores que recortámos e pendurámos, como um bosque, são feitas de papel reutilizado, escutam a leitura de excertos da história com atenção, aderem à proposta de desenhar uma fadinha para juntar ao bosque, logo fazendo perguntas sobre o tamanho, sobre as cores, etc. E, como já tem acontecido noutras escolas, antes do desenho, lá vem a pergunta engraçada de algum menino: posso desenhar um fado em vez de fada?

São espontâneos. Ontem, um menino de óculos de duas cores bem vivas disse-nos com alegre convicção: ando no primeiro ano e já sei ler muito bem. 

E era verdade, mesmo. Enquanto alguns meninos apreciavam a árvore das fadas e da amizade, feita pela Cristina Pinto, a professora sentou-se numa cadeira e o menino bom leitor sentou-se-lhe no colo e leu um pequeno excerto do livro para quem o quis ouvir. O menino estava feliz e a professora também.

É muito bonito ver a ligação afetuosa dos meninos às professoras. E também para nós  - autoras do livro - houve muitos abracinhos. 

Continuamos na próxima semana.  Vai continuar a ser bom, com certeza. Oxalá que também  para as crianças.


quinta-feira, 7 de março de 2024

Apetecia-me fazer como a avestruz, mas ...

 

Como já tenho dito, vi quase todos os debates com os candidatos e candidatas às legislativas e bastantes debates que se seguiam aos referidos debates, embora,  desde o início, já soubesse em quem ia votar. 

Sei que, com tanta sondagem feita, o meu telefone nunca tocou para me perguntarem em quem vou votar ou se faço parte daquele grande grupo dos indecisos que poderão alterar, ou não, todas as previsões. Também não conheço ninguém que tenha sido contactado, mas também é natural porque o espaço em que me movo não é muito alargado. E não faço parte de bolhas (palavra agora muito na moda) mais contactáveis e sondadas.

Confesso que já sinto algum cansaço da campanha eleitoral, que foi muito longa. De promessas que, mesmo os leigos em macrocontas, como eu, que fazem arregalar os olhos de espanto. Como é possível prometer tal coisa? Onde está o respeito pela inteligência do povo?

E a campanha também se foi fazendo nas televisões, mesmo sem os protagonistas. E de que maneira. Basta ver painéis diários formados, na sua grande maioria, por pessoas afetas ao partido do dono da televisão, a ditar o seu sobe e desce e a ter mais olhos para os candidatos da sua cor política.

Por isso, às vezes, digo para mim própria: vou deixar de ver. Tenho tanta coisa para fazer, tantos livros bons para ler, algumas histórias que quero escrever, mas, nem sempre resisto e lá vou eu ver as sondagens, reportagens, etc.

Amanhã, termina a campanha, julgo que ao bater das doze badaladas, quando o sol se tiver posto há muito. No domingo, ver-se-á quem contou melhor a história. Oxalá que todos a possam ler, sem perder a esperança que ainda nos resta.