sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Quadragésimo terceiro dia

 

Diário à espera de melhores dias



 

 

Nota 1. Árvores floridas anunciando a primavera que germina e os frutos de verão que se desejam.

 
Nota 2. Fragilidade resistente às intempéries.
 


Nota 3. Novos desenhos de crescimento.





quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

À espera de melhores dias

 

 Quadragésimo segundo dia

 

Nota 1. Há pouco, ouvi um homem velho, que vivia num lar, a propósito das vacinas que já todos tinham tomado. Dizia-se feliz por isso, mas muito triste quando recebia visitas da família. Então, porquê? Quiseram saber. E ele logo respondeu: - Porque não os posso abraçar.


Nota 2. Está confinada em casa, como milhares e milhares de outras pessoas. Não recebe ninguém. O filho vem só de vez em quando, desde que se separou da mulher, e nada de aproximações para manter a distância física recomendada. Os netos deixaram de vir, porque, dizem, convivem com amigos e podem espalhar bicharada. Pensa como dantes era feliz sem saber, dando e recebendo abracinhos. Agora, o corpo parece gelar-lhe de solidão. De vez em quando, fala disto ao marido, ele olha-a com apressada compaixão, porque há sempre um jogo de futebol que vai começar e que ele quer ver. Um dia, sozinha, cruzou os braços, apoiou as mãos nos ombros e aconchegou-se num abraço.


Nota 3. Num grupo do whatsapp, alguém escreveu ao saber que as notícias sobre covid-19 tinham melhorado: 'Quando puder, vou abraçar à maluca'. Logo surgiu outra mensagem ainda mais divertida: 'Comigo, muita gente vai ficar pisadinha'.

 

Nota 4. Felizes os seres vivos que se podem abraçar, ao sabor do sol, da chuva e do vento.


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

À espera de melhores dias

 

Quadragésimo primeiro dia

 

Nota 1. Há dez dias, e para variar, mudei o nome desta página e agora, passados mais dez dias desta quarentena ou confinamento, mudo-o outra vez. Mesmo variando, a palavra 'variante' não me lembra tanto as estirpes de covid-19, nem as estradas que dantes se podiam percorrer à vontade, mas que agora nem por isso. Como estaremos daqui a dez dias? Haverá mudanças? Haverá novas variantes?


Nota 2. Partilho agora o pequeno texto que escrevi em janeiro, e que foi publicado este mês na coletânea Mimos de fevereiro, com a chancela Mimos e Livros, 2021:


Segundo

Chegaste em fevereiro. Logo no primeiro dia. Logo ao início da tarde. De sol e de luz, apesar de ser fevereiro. Não havia chuva nem vento, nem o céu estava cinzento, como é comum dizer que acontece neste segundo mês do ano.

Nem sempre as verdades feitas se cumprem. Às vezes desdobram-se. Como eu me desdobrei. Como tu te desdobrarias anos mais tarde. Como já me tinha desdobrado dois anos antes noutro ser amado cuja voz eu ouvia, nesse dia, pelos corredores brancos do hospital. Ou era a saia azul que dançava em alegre e despreocupada correria?

Perguntaram-me à chegada: É o primeiro? Não, é o segundo, respondi eu. Sem saber se era menino ou menina, porque o tempo só o anunciava na hora da abertura à nova luz. Dei-te um nome que também a prenuncia(va).

E serias sempre serena e calma, firme e corajosa.

Recordo tudo ao segundo desse mês segundo, desse nascimento segundo, dessa luz segunda que se uniu à primeira, clareando ainda mais os meus caminhos, já iluminados pela bênção anterior.

É ao segundo que o círculo se desenha na memória:

            Chegaste em fevereiro. Logo no primeiro dia. Logo ao início da tarde. De sol e luz, apesar de ser fevereiro. Não havia chuva nem vento...

            ... e abrias nova janela celebrando o claro firmamento.



 Nota 3. Que novas janelas se vão abrindo, porque bem precisamos delas. Felizmente, e para variar, hoje está um bonito dia de sol.

 

 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Notas dos dias que vivemos

 

Quadragésimo dia

 

Hoje passei toda a manhã com a minha mãe e, mais uma vez, apreciei o quadro. Ela tem vários gatos que vão nascendo, aparecendo e ficando. Os que tem agora são quase todos irmãos e a mãe também lá mora. O pai é que não deve ser o mesmo, porque, de vez em quando, a gata esquiva-se sem dizer água vai. Só não sei se vai e vem em noites de lua cheia. Ora, a minha mãe também tem um canário que foi dado por dois bisnetos no Natal. O canário é muito bonito, muito cantador, de cor rosada e vive numa gaiola que está no parapeito da janela da cozinha que dá para o pátio. Os gatos andam sempre por ali porque é também no pátio que têm o abrigo. Quando está sol - como esteve hoje - saltam para o parapeito exterior da janela, levantam ufanamente a cabeça e não arredam pé, ou melhor, as patitas, num cenário de paraíso à janela. O canário baloiça, o gato esfrega a pata no vidro, o sol vai entrando, o cantar do pássaro vai-se ouvindo...

Enquanto fazia o almoço e a minha mãe dormitava, eu ia apreciando aquela aproximação quase de primeiro namoro.  Até poderia dar-lhe um título: idílio ao sol!

Ou, como o tempo está incerto, talvez outro que o olhar e os dentes afiados do felino me sugeriram: o sol é que nos une, mas ainda bem que há o vidro da janela que nos separa!

 

 

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Notas dos dias que vivemos

 

Trigésimo nono dia

 

Nota 1. Há flores que nascem em sítios quase improváveis, mas que não deixam de ser flores. E bonitas. E quase únicas. Estas nasceram há poucos dias num parque, perto do centro de Londres.



Nota 2. 'Bela Flor'

 de Maria Gadú

'A flor que vem me lembra
A flor que é quase igual
A flor que muito pensa
A flor que fecha ao sol

Parece a mesma flor
Só muda o coração
Quando se unem são
A flor que inspirou a canção

Bela flor, pouco disse
Gémea flor, que cresceu no Rio
Bela flor, pouco disse
Gémea flor, que cresceu no Rio

Que dance a linda flor, girando por aí
Sonhando com amor, sem dor, amor de flor
Querendo a flor que é, no sonho a flor que vem
Ser duplamente flor, encanta, colore e faz bem

Bela flor, pouco disse
Gémea flor, que cresceu no Rio
Bela flor, pouco disse
Gémea flor, que cresceu no Rio

Oh, flor, se tu canta essa canção
Todo o meu medo se vai pro vão
Pra longe, longe que eu não quero ir
Mas deixe seu rastro pólen, flor
Pra eu poder te seguir

Bela flor, pouco disse
Gémea flor, que cresceu no Rio
Bela flor, pouco disse
Gémea flor, que cresceu no Rio'


domingo, 21 de fevereiro de 2021

Notas dos dias que vivemos

 

Trigésimo oitavo dia


Nota 1. Os números de infetados e de óbitos por covid-19 estão a descer. Está a valer a pena o confinamento. Felizmente.

Nota 2. O dia de ontem foi de cheias iminentes. O rio Douro afastava, pela força das águas, qualquer barco de recreio ou outras aproximações. Via-se que este rio não estava para passeios ou para brincadeiras. Nem sequer nas margens.

Nota 3. À noite, houve a primeira parte do festival da canção - aquele programa que agora pouca gente vê e que antigamente quase toda a gente via. Na altura, as opções também eram poucas. E era uma emoção a noite do festival nacional e ainda muito mais quando a canção vencedora ia à Eurovisão. E a tristeza que era ver Portugal ficar tantas vezes nos últimos lugares. O Salvador Sobral, há dois anos, e de uma vez por todas, fez esquecer muita coisa. Mas houve muitas outras músicas que ficaram.

 

 

sábado, 20 de fevereiro de 2021

Notas do tempo que vivemos

 

Trigésimo sétimo dia


Nota 1.  Ao serão (acho piada a esta palavra) de 26 deste mês, próxima 6ª f., vai haver o lançamento online de mais uma antologia Mimos de...  Estes referem-se a fevereiro. No final da coleção, haverá Mimos de todos os meses do ano. Existem textos muito interessantes e as capas dos vários volumes também são bonitas, o que ajuda a colorir muitos dos momentos atuais, tão pintados de cinzentão.


 

Nota 2.

O vento nada mimou

enquanto a noite dormia

e muitos seres acordou

- desvairada correria!

 

E resolveu convidar

uma chuva agreste e fria.

Noite, querias sonhar

mas só o vendaval se ouvia!

 

Abro a porta para ver

este constante soprar

e já apetece dizer:

Ó vento, e se parasses de correr?!

É sábado! Vai-te também confinar!!!

 

 Nota 3. Um convite para quem quiser participar de outra coletânea - poesia ou prosa poética. Chama-se 'Livro Aberto' e vem de Alenquer. A iniciativa tem já várias edições, mas é  a primeira vez que estou a participar. Podemos fazê-lo até final deste mês. Enviei dois pequenos textos em prosa poética, tentando mimar as palavras que escrevi. Os outros o dirão melhor do que eu.

Aqui vai o link para quem quiser ver ou participar:

https://m.facebook.com/groups/1596125733996271/permalink/2913404125601752/?sfnsn=mo

 

Nota 4. Sábado feliz para todos. Com mimos e com um livro aberto, se possível, e se for essa a vontade de cada um.


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Notas dos dias que vivemos

 

Trigésimo sexto dia

 

Nota 1 e única em dia único para os investigadores e amantes do espaço. Ontem, pelas nove da noite, aqui em Portugal continental, uma sonda da Nasa chegou a Marte, o planeta vermelho. As amostras que irão ser recolhidas pelo robô, que pousou numa cratera, chegarão à terra em 2031, permitindo ver a evolução dos minerais e sinais de habitabilidade naquele planeta tão distante. Alguns canais de televisão iam divulgando imagens do momento, também de júbilo dos muitos cientistas que tornaram possível a viagem.


 A grande parte de nós, grande parte parte da comum Humanidade, continuará também, cá por baixo (ou ao lado, nem sei!) recolhendo amostras diárias dos sempre desejados sinais de vida. Sem deixar de olhar as estrelas (e não só), é claro!


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Notas dos dias que vivemos

 
Trigésimo quinto dia
 
 
Nota 1. Este ano, nem me lembrei que era Carnaval. Também não sou muito chocarreira, mas acho piada a certas tradições do nosso país, sobretudo do interior. Fui um ano a Montalegre, numa 6a f, dia 13, à beira da semana do Carnaval, e diverti-me no meio dos folguedos com muitos chapéus e roupas de bruxas dentro. Trouxe de lá chás variados que davam para curar todos os males e maleitas da terra e já não sei se estavam incluídas as do céu. Nessa noite, o Padre Fontes (um dos principais impulsionadores daquelas atividades) mexia com grande colher de pau um enorme panelão, donde fumegava uma bebida que ele dizia ser punção mágica e que dava a provar aos mais destemidos que, a partir de certa altura, já eram quase todos.

 
Toquinho & Vinícius - Marcha da Quarta-feira de cinzas
 
Nota 2. Ontem foi 4ª f. de cinzas, tema  poeticamente tratado na canção que tem esta letra e que até parece referir-se à pandemia que vivemos: 

 'Marcha da 4ª feira de cinzas', de Vinicius de Moraes
 
Acabou nosso carnaval
Ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações
Saudades e cinzas foi o que restou
 
Pelas ruas o que se vê
E uma gente que nem se vê
Que nem se sorri
Se beija e se abraça
E sai caminhando
Dançando e cantando cantigas de amor
 
E no entanto e preciso cantar
Mais que nunca e preciso cantar
E preciso cantar e alegrar a cidade
 
A tristeza que a gente tem
Qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir
Voltou a esperança
E o povo que dança
Contente da vida feliz a cantar
Porque são tantas coisas azuis
E há tão grandes promessas… 
 
Nota 3. Também tenho recordações de 4ªs feiras de cinzas da minha infância, dias que começavam na igreja onde havia a unção da cinza que lembrava: 'És terra e em terra te hás de tornar' e não se podia comer carne nem tocar em objetos de Carnaval.  Eram as privações depois dos excessos (que, para muitos, de excesso não tinham nada, bem pelo contrário). 
 
Nota 4. O FCP venceu a Juventus,
Vitória em que não acreditei.
E fiquei muito contente
porque a jogar também estava
quem do mundo da bola é Rei! 



 

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Notas dos dias que vivemos

 

 Trigésimo quarto dia


Nota 1. Durante a manhã, andei a 'recadar', como uma das minhas filhas costuma dizer. A comida da cadela estava no fim, e também as batatas e as cebolas, queria ver se a minha mãe tinha tido reação à vacina covid-19, apetecia-me pão fresco, precisava de broa para fazer uma receita de polvo que vi na televisão... Quando cheguei a casa, pensei: vou almoçar e depois escrever umas notas para o meu diário. Porém, abri o computador e ideias - pouco mais que nenhumas. Só me vinham à cabeça as magnólias que tinha visto e uma tulipa que começou a irromper numa taça do pátio.

Nota 2.  Liguei então a televisão. Falava-se de Cármen Dolores, que faleceu ontem aos 96 anos, deixando uma bela obra sobretudo de atriz e de grande leitora (diseuse) de poesia. Muitos elogios tem também merecido o seu lado humano. Rui de Carvalho, um colega de profissão e amigo da atriz, também ele com mais de noventa anos e de grande talento,  interveio via skype e aconselhou: 'Gozem a vida. Vivam a vida'.

Nota 3. Poucos minutos depois, o resumo das notícias da uma da tarde: Covid-19, jogo FCP-Juventus de logo à noite, julgamento do pai e madrasta de Valentina. Desliguei o televisor. É que hoje, peço desculpa, quanto a estes temas, sinto-me negacionista. Sobre covid-19, vejo logo os números, um ou outro especialista e já chega; sobre o FCP, os prognósticos do fim e do início devem ser os mesmos; violência sobre crianças, não, por favor!

Nota 4. Depois do café, ficou um pouco de chocolate. Pronto, lá vou eu cair em tentação.

'(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates (...)'. Álvaro de Campos

 

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Notas dos dias que vivemos

 

Trigésimo terceiro dia

 

1. Comecei a ler o livro de Luís Sepúlveda:  História de um caracol que descobriu a importância da lentidão, escrito, segundo o autor, para responder a uma pergunta de um neto: 'Por que razão o caracol é lento?' Não acabei, mas também não faz mal, fazendo jus ao título. A introdução é muito engraçada e as ilustrações, muito bonitas.


2. Terminei, ontem à noite, dois textos que mandei para o Concurso 'Textos de Amor' do Museu Nacional da Imprensa. Por mais pequeno que seja, nestes casos, custa-me sempre concluir. Ou porque falta alguma coisa, ou tem coisas a mais, ou está piroso, ou já não gosto, ou não tem interesse, etc, etc, etc. Depois, lembrei-me do que uma professora, que tive há muitos anos, dizia: 'Chega-se a uma certa altura e o que está está'. Por isso, depois de muita alteração e correção, lá mandei. Assim, não penso mais no assunto. 

Ainda se podem mandar Textos de Amor até amanhã: http://museudaimprensa.pt/?go=semananamorados

3. Hoje fui com a minha mãe à primeira toma da vacina Covid-19. Para já, um acontecimento nas nossas vidas para que a vida não seja tão facilmente interrompida. Fomos ao Multiusos de Gondomar, um vasto espaço (do arquiteto Siza Vieira) com muito boas condições. A grande maioria dos utentes, que iam chegando para a vacina, eram idosos e vinham acompanhados de familiares mais novos. Alguns reconheciam outros, ficavam contentes e com muitas novidades para contar, o que também faz bem à saúde.

4. Também lá encontrei uma pessoa que eu conhecia e que acompanhava um familiar. Como não o via há muito tempo, perguntei: 'Então, a esposa?' Respondeu-me depois de uma ou duas pausas: 'Pois, estamos separados há cinco anos'. Rematei como pude, enquanto me ia lembrando que o melhor, de facto, é não fazer perguntas como a que fiz, ou outras tão ou mais inconvenientes: 'Então o bebé está para quando?', ficando a saber que o queriam, mas sem o conseguir! Ou outra também muito má: 'Que bom, vai ser mãe!', sendo logo esclarecida: 'Não estou grávida. Tenho é engordado bastante!' Desta vez, só fiz a primeira, felizmente, senão teria de tomar uma dose de sensatez!!!

 

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Notas dos dias que vivemos

 

Trigésimo segundo dia

 

Nota 1. Desculpa, mudei-te o nome, mas não deixas de ser o meu querido diário, neste tempo de confinamento. Gosto muito da rotina mas dispenso a monotonia. Já o deves saber porque nos encontramos aqui, diariamente, há mais de um mês. Passo a chamar-te 'Notas dos dias que vivemos', mas, para mim, não perdes a identidade. Nem para os nossos amigos, espero, que nos leem e com quem partilhamos muitos momentos de dias em que diferentes formas de calor humano são tão necessárias e tão bem-vindas.

Nota 2. E foi calor humano que senti hoje, ao abrir o blogue, e vi vários e bons comentários amigos. Ainda tinha um pouco de café quente na caneca. Estava a saber-me bem e ainda me soube melhor.

Nota 3. Ouvi há dias uma comentadora de televisão, a propósito de uma notícia de um jornal: 'No dia a dia, não tentemos fazer tudo'. Isto a propósito do stress que convém não aumentar. Concordei com a ideia, porque serenidade é precisa (mas às vezes deve ser tão complicado: teletrabalho, aulas dos filhos online, casas pequenas, só um computador ou nenhum, internet nem vê-la ou com falhas...). 

Nota 4. Ontem li o livro de Luís Sepúlveda: História de um gato e de um rato que se tornaram amigos.


Não sei se o autor pensou mais nas crianças quando o escreveu, mas é uma bonita história sobre a prática e o valor da amizade, boa em qualquer idade.

 

Nota 5. Hoje quero ler outro do mesmo autor. São livros pequenos e com muitas ilustrações, que também aprecio, embora qualquer criança desenhe muito melhor do que eu.

Vou lê-lo ao sol no meu quintal. Tenho lá uma mesa e uns bancos onde raramente me sento. Tenho de contrariar a ideia de educação antiga de que o quintal era para plantar, tratar e colher. Agora acrescento para mim: também é para desfrutar. E apanhar sol. E olhar o céu. E ver as árvores. E ouvir os pássaros. E ver a Castanha (a minha cadela) a correr e a descansar perto de mim. E respirar melhor a leitura. Ou simplesmente a olhar sem fazer nada. Que me desculpem todas as pessoas que têm os dias sem momentos de paragem ou lazer, mesmo em confinamento. Também já os tive assim e sei bem como é. Mas, nessa altura, não havia máscara nem restrições sanitárias.


domingo, 14 de fevereiro de 2021

Querido diário, em dia de enamoramento(s)!

 Trigésimo primeiro dia

 
Foto tirada em Paris por Robert Doisneau - fotógrafo francês (1912-1994)

 

'A Invenção do Amor

Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas
janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios

de aparelhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da
nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor

Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia
quotidiana

Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e
fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado

Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo

Um homem uma mulher um cartaz de denúncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rádio já falou A TV anuncia
iminente a captura A polícia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta
fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique Antes
que a invenção do amor se processe em cadeia

Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivos

(...) '

Daniel Filipe, in 'A Invenção do Amor e Outros Poemas'

O poeta nasceu na ilha da Boavista, Cabo Verde, em 1925. Viveu 39 anos.


 

sábado, 13 de fevereiro de 2021

Querido diário, uma canção e um concurso - a lembrar Amor

 
Trigésimo dia
 
Se houvesse mais amor
 e não tanta violência
Era mesmo de festejar
E mais amor celebrar
Com toda a veemência!

 
AMÁLIA RODRIGUES "MEU AMOR, MEU AMOR"
 
 
  Poetas que tratam tão bem o Amor, este concurso é um convite à participação. Aqui vai o link e o cartaz. Também vou mandar dois textos, mas em prosa poética. Pelo menos, assim espero.
 
http://museudaimprensa.pt/sitemuseuwpress/?p=3733

 

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Querido diário

 

Vigésimo nono dia 

 

Ontem, ao visitar o blogue Bem-Vindo ao Paraíso, de Isaura Afonseca, vi este vídeo. Gostei de voltar a ouvir esta música dos Pink Floyd, embora custe rever algumas imagens de tempos de outro triste tempo, mais ainda do que o nosso, apesar de tantas pandemias. E, como muita coisa é como as cerejas, lembrei-me de já ter ouvido várias vezes: 'antigamente é que era bom!' E eram jovens a dizê-lo. Eu logo rebatia que, felizmente, não sabiam o que era viver num país sem liberdade. E os mesmos acrescentavam: 'o meu avô também diz que antigamente era muito melhor'. Porém, para a grande maioria das pessoas, a vida era mesmo muito pior.

Hoje ouvi que um estudo recente revela que há muitos jovens universitários a passar uma fase muito difícil, a nível económico, afetivo e de saúde mental. De facto, a vida é sempre incompleta, imperfeita, mas em reconstrução. Tenhamos esperança que sim.

Pink Floyd - Another Brick In The Wall (HQ)

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Querido diário

 

 Vigésimo oitavo dia


Sempre que posso e me agrada o tema, vejo o documentário que passa na rtp 2, pelas 20.30.

Ontem era sobre o grande chapéu que surge num pequeno mas famoso quadro de Vermeer e que  pode ser revelador da globalização do comércio, reiterado pelo mapa que vemos em grande plano. Johannes Vermeer nasceu em Delft, Holanda, em 1632 e morreu 43 anos depois. O quadro é este:

Soldado e moça sorrindo, pintura de 1657

O chapéu é feito de pele de castor, caça e negócio chorudos que se estenderam da Europa ao Oriente e América do norte, provocando até a guerra dos castores. O sorriso da jovem e a dimensão do chapéu poderão significar uma crítica à vaidade, à riqueza, lembrando tanto sacrifício e tanta morte para as satisfazerem. Na época, os homens usavam chapéu e os que eram feitos de pele de castor eram os preferidos por serem impermeáveis à chuva que na Holanda é abundante. Eram, contudo, extremamente caros.

E, querido diário, só um toquezinho pessoal e final: a janela, no quadro, está aberta. Será para arejar o ambiente, tal como deve ser também nos dias de hoje?

 

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Querido diário

 

Vigésimo sétimo dia

 

Vem o meio da semana

e o meio da pandemia?

O mundo continua em espera,

acelera e desacelera,

sempre sempre tentador,

tal como um imenso amor.

Está pra breve o reencontro?

Mundo, para quando esse Dia?

 

Louis Armstrong - What A Wonderful World

 

 

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Querido diário

 

 Vigésimo sexto dia

 

Hoje está bom para estar em casa. Há tempestades vividas e anunciadas. Não ouvi trovoada. Felizmente.

Os casos covid estão a diminuir. Felizmente! Os especialistas recomendam: nada de alívio ainda!

Trump começa hoje a ser julgado no Senado pelo papel que teve ou não teve na invasão do Capitólio, em Washington DC.

Gondomar que, há uns anos, foi tão conhecido pelos piores motivos, tem sido referido pelo bom serviço que está a prestar no processo de vacinação à população. Felizmente.

Ir ao cinema sem sair de casa.

Já conhecia o trabalho da Medeia Filmes desde o último confinamento. Uma boa iniciativa, apesar de nem sempre gostar dos filmes que exibem. Ontem, no Expresso Curto, vi a síntese dos filmes de agora e dos próximos dias. É muito fácil de aceder e é gratuito. Vale a pena conhecer. E ver, é claro.

https://medeiafilmes.com/cinemas/quarentena-cinefila-raridades

 O que retirei do Expresso Curto de ontem:

 'E porque já tenho saudades de ir ao cinema, tenho seguido mais uma Quarentena Cinéfila da Medeia Filmes, este ano sob o mote “Raridades”. De hoje até quarta-feira (cada obra fica patente 48 horas) é exibido “Alguns dias em Setembro”, de Santiago Amigorena, com Juliette Binoche e Nick Nolte. Seguem-se “Eu e tu”, de Bernardo Bertolucci (11 fevereiro); “A uma hora incerta”, de Carlos Saboga (15 fevereiro); “Sem destino”, de Monte Hellman (18 de fevereiro); “A adolescência tardia de Jean-Michel Basquiat”, de Sara Driver (22 de fevereiro); e ASAS (1966), de Larisa Shepitko (25 de fevereiro)'.

 


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Querido diário

 

Vigésimo quinto dia

 

É tempo das camélias e elas continuam a florir.

 


Os alunos continuam em casa e hoje voltam a ter aulas online. Muitas casas são frias e húmidas, dizem estudos feitos. E é nelas que vivem muitas crianças e jovens, muitos deles sem computador ou internet. E sem uma alimentação adequada, em muitos casos. As desigualdades e retrocessos não são suposições mas evidências. Há professores que preferem que os alunos desliguem as câmaras para que não se sintam invadidos na sua frágil privacidade. Só que às vezes, deixam de 'estar' na aula e não há ninguém para os acompanhar.

As aulas em presença vão fazer falta. Para alunos e professores se ouvirem, se verem, para exporem a matéria, para tirarem dúvidas... No entanto, na fase em que estamos da pandemia, diz quem sabe que não havia outro remédio. Logo, terá mesmo de ser assim. E sei que, por estes dias em que não houve aulas, muitos professores fizeram formação. Ajuda muito, mas não resolve tudo. Há quem fale em 'pandemia social'. Não gosto nada de ser catastrofista, mas há tantas frentes a clamar ajuda. Nem todas com justeza, mas muitas, sim. Tantas margens que já não deviam ser margens! 

E, entretanto, as camélias vão florindo. Mas, também para isso, elas precisam de clima favorável.


 

Desculpa, querido diário, 

que o futebol não é tudo!

Mas é triste estar a ganhar

e, mesmo no fim, empatar,

vendo Braga por um canudo!!!!