quarta-feira, 21 de novembro de 2012

O rio que mudou de lugar



Aos meus alunos do 11º 1

Atenção, esta é uma "história (simples) sobre a palavra Amor”!
Não se iludam muito, mas também não se desiludam demasiado.
Pelo menos, enquanto houver um qualquer rio que prenda o nosso olhar.

Maria acordou e foi à janela. Via sempre a mesma paisagem, ou melhor, parecia sempre a mesma paisagem, mas, vista com atenção, não era sempre a mesma paisagem.
Ela disse devagar a palavra paisagem. A professora de Português dizia muitas vezes para não repetir as palavras, mas que sinónimo poderia usar?
Hoje, pela manhã, a paisagem era tão diferente que lhe chamou a atenção. No vale, entre o aglomerado de casas e a serra de Valongo, havia um rio. Parecia mais denso do que um rio verdadeiro. Generoso, calmo e sossegado, deixava ver o verde frio e alto da serra.
A jovem olhou de novo. Naquele sítio, só costumava ver campos ou o serpenteado da autoestrada, mas o que via agora era um rio, largo, grosso, macio. Como era possível um rio passar ali? Tinha chovido, mas não o suficiente para formar semelhante massa de água. Por acaso, parecia uma massa gasosa, mas tinha a forma de rio, porque o via em silêncio e pela janela, o que não costuma enganar.
Àquela hora, Maria estava sozinha em casa, porque os pais tinham ido trabalhar e o irmão mais novo saía sempre mais cedo. Ao olhar aquele rio, que se estendia tão próximo, pensou ficar em casa e dizer depois que o despertador não tinha tocado. Não, os pais não iriam acreditar na história e haveria, de certeza, problemas. E se dissesse que ficava a estudar para o teste? É que queria mesmo continuar a olhar para aquele rio improvável. Não, se dissesse aos pais que tinha faltado para ficar a estudar, haveria chatice pela certa, porque sobretudo a mãe não admitia tal coisa. Imaginava-a a franzir o sobrolho, a ficar muito séria, a olhá-la muito fixamente. Nem seriam precisas palavras. Via-se logo que a mãe não concordava e que estava zangada. Não, tinha mesmo de ir para a escola e nem podia atrasar-se muito. Entrava às nove e dez e já passava das oito e trinta.
Oh, agora só faltava esta. O telefone fixo a tocar. E para mais estava na sala. Está bem, vou já. Estou! Sim, mãe, estou quase pronta. O despertador tocou, só estou um bocadinho atrasada. Não te aflijas que chego à hora. Vou já tomar o pequeno-almoço. Não, ainda não vi o pão fresco, mas vou já à cozinha. Ó mãe, ainda não pude aquecer o leite. Não, mãe, não fiquei na cama, estive a olhar pela janela. Ó mãe, achas assim tão estranho eu ficar a olhar pela janela? Eu sei que me levanto sempre em cima da hora e a correr. Achas, mãe, achas que eu vou faltar? Eu estava a olhar o rio. Não, mãe, não estou tolinha, mas parecia que um rio se tinha mudado para perto de nós e eu fiquei a ver. Eu sei, mãe, que não tens tempo para fantasias, mas tu é que me perguntaste por que é que eu tinha estado a olhar pela janela. Ó mãe, não, não estou a gozar, era mesmo um rio aqui no vale. Ó mãe, não, não rebentou nenhum cano, podes estar descansada, eu acho até que o rio não era de água. Estou bem, mãe, estou, só te estou a dizer o que estive a ver pela janela, mas agora tenho de ir, senão chego mesmo atrasada à escola. Eu sei, mãe, que não me justificas as faltas de atraso, isso também só aconteceu uma vez. Pronto, mãe, até logo. Beijinhos.
Maria olhou o relógio. Já eram nove menos um quarto. Tinha de ir a passo acelerado para a escola. Se a professora já estivesse a escrever o sumário, quando ela entrasse, diria logo: pois, Maria, desculpo o atraso, mas não tiro a falta.
Às nove e cinco, estava a fechar a porta de casa. Ainda entrou de novo, para ver se o fogão tinha ficado aceso. Caminhava tão depressa que nem reparava nas pessoas com quem se cruzava. Às vezes, ainda olhava para as nuvens que pareciam coroar a serra, mas hoje nem isso. E o relógio a andar tão depressa. Às vezes, as horas não passam, outras são um cavalo em liberdade, sempre a correr.
Quando estava a chegar à escola, lembrou-se do rio que tinha visto no vale, logo pela manhã. Ainda lá estaria? Entrou na sala atrás da professora. Uf! Tinha chegado a tempo.
Sabia que tinha sido o nevoeiro que tinha criado aquela ilusão, mas enquanto tirava o livro e o caderno da mochila, ia pensando: sou mesmo sortuda, hoje um rio veio visitar-me perto de casa.
De repente, viu que a professora a olhava, à espera de uma resposta para uma pergunta formulada.
-Desculpe, professora, não ouvi a pergunta. Pode repetir, por favor? Estava distraída por causa de um rio que vi no vale, perto da minha casa.
-Também reparei no fenómeno do nevoeiro quando passei lá perto. A Natureza é surpreendente. Às vezes, até um rio parece mudar de lugar. Interrogo-me se a Natureza não o faz por Amor.
Vamos lá, meninos, escrevam o sumário.

D.G. – 21 de novembro 2012

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