Aos
meus alunos do 11º 1
Atenção, esta é uma "história (simples)
sobre a palavra Amor”!
Não se iludam muito, mas também não se
desiludam demasiado.
Pelo menos, enquanto houver um qualquer rio
que prenda o nosso olhar.
Maria
acordou e foi à janela. Via sempre a mesma paisagem, ou melhor, parecia sempre
a mesma paisagem, mas, vista com atenção, não era sempre a mesma paisagem.
Ela
disse devagar a palavra paisagem. A professora de Português dizia muitas vezes
para não repetir as palavras, mas que sinónimo poderia usar?
Hoje,
pela manhã, a paisagem era tão diferente que lhe chamou a atenção. No vale,
entre o aglomerado de casas e a serra de Valongo, havia um rio. Parecia mais
denso do que um rio verdadeiro. Generoso, calmo e sossegado, deixava ver o
verde frio e alto da serra.
A
jovem olhou de novo. Naquele sítio, só costumava ver campos ou o serpenteado da
autoestrada, mas o que via agora era um rio, largo, grosso, macio. Como era
possível um rio passar ali? Tinha chovido, mas não o suficiente para formar
semelhante massa de água. Por acaso, parecia uma massa gasosa, mas tinha a
forma de rio, porque o via em silêncio e pela janela, o que não costuma
enganar.
Àquela
hora, Maria estava sozinha em casa, porque os pais tinham ido trabalhar e o
irmão mais novo saía sempre mais cedo. Ao olhar aquele rio, que se estendia tão
próximo, pensou ficar em casa e dizer depois que o despertador não tinha
tocado. Não, os pais não iriam acreditar na história e haveria, de certeza,
problemas. E se dissesse que ficava a estudar para o teste? É que queria mesmo
continuar a olhar para aquele rio improvável. Não, se dissesse aos pais que
tinha faltado para ficar a estudar, haveria chatice pela certa, porque
sobretudo a mãe não admitia tal coisa. Imaginava-a a franzir o sobrolho, a
ficar muito séria, a olhá-la muito fixamente. Nem seriam precisas palavras.
Via-se logo que a mãe não concordava e que estava zangada. Não, tinha mesmo de
ir para a escola e nem podia atrasar-se muito. Entrava às nove e dez e já passava
das oito e trinta.
Oh,
agora só faltava esta. O telefone fixo a tocar. E para mais estava na sala.
Está bem, vou já. Estou! Sim, mãe, estou quase pronta. O despertador tocou, só
estou um bocadinho atrasada. Não te aflijas que chego à hora. Vou já tomar o
pequeno-almoço. Não, ainda não vi o pão fresco, mas vou já à cozinha. Ó mãe,
ainda não pude aquecer o leite. Não, mãe, não fiquei na cama, estive a olhar
pela janela. Ó mãe, achas assim tão estranho eu ficar a olhar pela janela? Eu
sei que me levanto sempre em cima da hora e a correr. Achas, mãe, achas que eu
vou faltar? Eu estava a olhar o rio. Não, mãe, não estou tolinha, mas parecia
que um rio se tinha mudado para perto de nós e eu fiquei a ver. Eu sei, mãe,
que não tens tempo para fantasias, mas tu é que me perguntaste por que é que eu
tinha estado a olhar pela janela. Ó mãe, não, não estou a gozar, era mesmo um
rio aqui no vale. Ó mãe, não, não rebentou nenhum cano, podes estar descansada,
eu acho até que o rio não era de água. Estou bem, mãe, estou, só te estou a
dizer o que estive a ver pela janela, mas agora tenho de ir, senão chego mesmo
atrasada à escola. Eu sei, mãe, que não me justificas as faltas de atraso, isso
também só aconteceu uma vez. Pronto, mãe, até logo. Beijinhos.
Maria
olhou o relógio. Já eram nove menos um quarto. Tinha de ir a passo acelerado
para a escola. Se a professora já estivesse a escrever o sumário, quando ela
entrasse, diria logo: pois, Maria, desculpo o atraso, mas não tiro a falta.
Às
nove e cinco, estava a fechar a porta de casa. Ainda entrou de novo, para ver
se o fogão tinha ficado aceso. Caminhava tão depressa que nem reparava nas
pessoas com quem se cruzava. Às vezes, ainda olhava para as nuvens que pareciam
coroar a serra, mas hoje nem isso. E o relógio a andar tão depressa. Às vezes, as
horas não passam, outras são um cavalo em liberdade, sempre a correr.
Quando
estava a chegar à escola, lembrou-se do rio que tinha visto no vale, logo pela
manhã. Ainda lá estaria? Entrou na sala atrás da professora. Uf! Tinha chegado
a tempo.
Sabia
que tinha sido o nevoeiro que tinha criado aquela ilusão, mas enquanto tirava o
livro e o caderno da mochila, ia pensando: sou mesmo sortuda, hoje um rio veio
visitar-me perto de casa.
De
repente, viu que a professora a olhava, à espera de uma resposta para uma
pergunta formulada.
-Desculpe,
professora, não ouvi a pergunta. Pode repetir, por favor? Estava distraída por
causa de um rio que vi no vale, perto da minha casa.
-Também
reparei no fenómeno do nevoeiro quando passei lá perto. A Natureza é
surpreendente. Às vezes, até um rio parece mudar de lugar. Interrogo-me se a
Natureza não o faz por Amor.
Vamos
lá, meninos, escrevam o sumário.
D.G.
– 21 de novembro 2012
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