A casa sempre havia sido uma paixão. Nela tinha nascido e vivido. Era de granito firme e sossegado, tinha um frondoso jardim e um quintal que não era grande mas enorme em fertilidade. E o rio corria sempre ao alcance da sua vista.
Os pais, em tempos, quiseram casá-lo com uma rapariga que eles conheciam desde menina. E, apesar de já não ser nada menina, toda a gente a tratava desse modo. A menina isto, a menina aquilo. E a voz e o jeito de sorrir dela era mesmo de menina.
Para fazer a vontade aos pais e por estar em idade muito mais do que casadoira, ele começou a fazer-lhe a corte. Ela sorria-lhe, mas quando ele lhe queria fazer uns mimos diferentes daqueles a que ela estava habituada, adeus ou até logo. Tinha uma novena, tinha de preparar o retiro, tinha de ir à missa, era a hora do terço, tinha de preparar uma leitura ou um peditório, etc.
Ele começou a cansar-se de não lhe poder dar os mimos desejados nem dela receber os mimos esperados. E os mimos acabaram, mesmo sem terem começado. Era da maneira que podia passar os domingos como queria: ir correr pelos montes ou pelos passadiços junto ao mar.
Quando os pais morreram, ele ficou a morar sozinho na casa. Como já estava reformado, todos os dias tinha flores para plantar, ervas para arrancar, relva para cortar, ramos para podar, etc. A casa estava sempre num brinco e, para a aprimorar ainda mais, mandou fazer um grande azulejo com a sua fotografia, de todas a melhor e mais bonita. Achava um primor vê-la na parede com mais sol.
Um dia, nesses passeios de domingo, que manteve porque a vida tinha de continuar, conheceu um amor, um grande amor, o seu maior amor. Era como se já se conhecessem desde o tempo em que o amor é amor. E o cupido acertou de tal maneira que foi ficando na casa de seu amor para do amor estar mais próximo. Fica só hoje. Só mais esta noite. Amanhã é domingo e podemos correr juntos, etc etc etc. E os dias foram passando, as semanas e até os meses.
Mas a lembrança da casa que fora o seu berço não o abandonava. Como estará tudo? Deve estar uma selva. Parece que a casa é mais importante do que eu - dizia o seu amor. Claro que não - respondia com amor. E tinha pena de o seu amor não conhecer a casa. Muitas vezes o seu amor prometera ir ver a casa, mas, chegando o dia, sugeria nova corrida ou um petisco como ele nunca provara. Ainda bem que o seu amor, quando se dispunha a falar dela, o aconselhava a nunca vender a casa.
Um dia, mesmo sem querer contrariar o seu amor, trocou-lhe as voltas e, sem nada lhe dizer, foi em corrida até à sua casa. Já não podia mais. Tinha de ver como estava. Quando chegou, nem queria acreditar, as ervas daninhas cresciam por toda a parte e em plena liberdade. E que desgosto ver uma hera que havia trepado pela parede e já lhe cobria parte do retrato. Nem teve coragem de entrar. Pôs-se a caminho da casa do seu amor. Ia desnorteado, meio zonzo e nem ouviu a buzina do carro que o atropelou. Morreu poucas horas depois.
Na mesma semana, o amor, que fora o seu amor, veio conhecer a casa. E foi amor à primeira vista. Tinha era de cortar a erva. E plantar uma nova hera para cobrir todo o retrato. Sempre ficava mais barato do que mandar tirá-lo da parede.