Em criança, nunca fui habituada a dizer ‘você’ aos meus pais, avós, tios, isto é, aos mais velhos. Também não os tratava por tu, porque o tempo não era para grandes aproximações.
Essa prática devia-se sobretudo à minha mãe e às minhas tias (eram 13 irmãos) que, não tendo casado, ficaram na casa antiga e de lavoura, onde todos nasceram.
Elas prestavam muita atenção às palavras e às formas de tratamento. Não tinham estudos - exceto o irmão padre - mas cuidavam muito da expressão linguística, sobretudo as que gostavam de ler. Apesar de alguma austeridade, tinham bom humor e as palavras incorretas que ouviam davam sempre para serem contadas com graça na varanda ou na cozinha.
Pois bem, graças sobretudo a esse ramo da família, os meus irmãos e eu sempre aprendemos a dizer: - o pai/ a mãe quer? Em vez de dizer: Você quer?
Estava implícita alguma (às vezes muita!) formalidade.
Tive muitos alunos que diziam: - Ó professora, você…
E como aqui no Norte trocamos os vês pelos bês, o você saía bocê. Por aí não vinha mal ao mundo, porque cada região poderá ter a sua forma de pronunciar as palavras e nenhuma é mais correta do que outra. Tal como diz o provérbio, cada terra tem seu uso, cada roca tem seu fuso!
Nesses momentos, eu chamava a atenção para a forma de tratamento - eu era muito mais velha e havia uma hierarquia - apesar de o diálogo se estabelecer com bastante naturalidade, aconselhando-os a dizer: - A professora… em vez de você. Isso valia para, por exemplo, o desempenho ser melhor em futuras entrevistas de emprego, etc., em que todos esses elementos contam.
Muitos alunos nem sequer tinham pensado no assunto, porque assim haviam sido habituados. E alguns até acrescentavam: - Mas não é falta de respeito!
Reparo que já escrevi muitas linhas e ainda não cheguei à peripécia que queria contar. Não estivéssemos nós no tempo das cerejas!
Pois bem, um dia destes, o meu neto, que tem três anos, disse-me: Avó, você já vai embora?
Não consegui conter o riso.
Donde viria o você, se em família quase todos nos tratamos por tu e é palavra pouco usada cá em casa? E, como a fama das avós é serem permissivas, logo ouvi: - Mãe, deve ser dos desenhos animados que o deixas ver.
E não é que a forma de tratamento, que sempre tentei evitar ou corrigir, me fez achar graça vinda do meu neto? Não devo ser a única. Ele há coisas!
Seja como for, quando o ouvir dizer você, vou corrigir, até porque há muita proximidade entre nós e tratamo-nos por tu. Não sei é se consigo fazê-lo sem me rir.