Merse
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Naquele «pic-nic» de burguesas, Houve uma coisa simplesmente bela, E que, sem ter história nem grandezas, Em todo o caso dava uma aguarela. Foi quando tu, descendo do burrico, Foste colher, sem imposturas tolas, A um granzoal azul de grão-de-bico Um ramalhete rubro de papoulas. Pouco depois, em cima duns penhascos, Nós acampámos, inda o sol se via; E houve talhadas de melão, damascos, E pão de ló molhado em malvasia. Mas, todo púrpuro, a sair da renda Dos teus dois seios como duas rolas, Era o supremo encanto da merenda O ramalhete rubro das papoulas.
Cesário Verde
Nota:
Tantas sensações neste poema: visuais, olfativas, tácteis, gustativas...
Muitos poemas também contam histórias.
E mostram muitos dos sabores de coisas simples e belas.
Que dariam coloridas "aguarelas".
Os olhos de Cesário Verde, que viveu no século XIX, ainda guiam e as suas palavras continuam a pintar.
Só os génios o conseguem.
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quarta-feira, 23 de maio de 2012
De tarde
"Oh, é só isto?"
Beijo pouco, falo menos ainda.
Mas invento palavras
Que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.
Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo:
Teadoro, Teodora
Manuel Bandeira
Foi uma oportunidade para vermos que a riqueza de um poema não advém da sua extensão.
Nota:
Como o prometido é devido, levei este poema para o 11º 2. Os alunos ouviram-no em silêncio.
No final, uma aluna disse: "Oh! é só isto?"
segunda-feira, 21 de maio de 2012
Dalton Jérson Trevisan - Prémio Camões 2012
"Dalton Jérson Trevisan é o escritor distinguido com o
Prémio Camões, acabou de anunciar o júri em Lisboa. Esta distinção foi
atribuída por unanimidade.
O escritor brasileiro, que completa dia 14 de junho 87
anos, foi premiado pela sua "dedicação ao fazer literário", disse
Silviano Santiago, um dos membros do júri.
O escritor brasileiro tem-se destacado no conto e "O
Vampiro de Curitiba" (1965) é uma das suas obras mais conhecidas.
Recentemente, escreveu "Vozes do Retrato - Quinze Histórias de Mentiras e
Verdades"
(1998), "O Maníaco do Olho Verde" (2008), "Violetas e Pavões"
(2009), "Desgracida" (2010) e "O Anão e a Ninfeta" (2011).
Dalton Trevisan é também conhecido por viver afastado
da vida pública. O escritor não dá entrevistas e não gosta de ser
fotografado. Assina apenas como D. Trevis e vive "escondido" dos media em Curitiba, cidade onde nasceu.
"Escondeu-se no anonimato para vencer um concurso de
contos no Paraná, em 1968. Gosta de filmes de bangue-bangue [cowboys] e
de passear pelas ruas da capital paranaense", diz a biografia publicada
no site da sua editora, o grupo editorial "Record".
Dalton Trevisan, antes de ter livros impressos, chegou a
publicar os seus contos em folhetos. Licenciado em Direito, foi crítico
de cinema e, em 1996, recebeu, no Brasil, o prémio Ministério da
Cultura de Literatura. Os seus livros já foram traduzidos para inglês,
espanhol e italiano.
No site do brasileiro "Record", lê-se ainda que,
em 1945, a sua vida esteve em risco, após sofrer um acidente com o
forno de olaria. "Trevisan foi internado com fratura de crânio, mas
recuperou para editar, a partir do ano seguinte, a revista 'Joaquim',
que duraria até 1949."
A "Joaquim" lançou escritores como António Cândido,
Mário de Andrade e Otto Maria Carpeaux e poemas inéditos, como "O Caso
do Vestido", de Carlos Drummond de Andrade".
Um conto do "Prémio Camões" 2012
Encontrei este curtíssimo conto de Dalton
Trevisan.
Tanta coisa contada, sentida, sugerida, imaginada...
em tão poucas palavras!
Dois velhinhos
Dois pobres inválidos, bem
velhinhos, esquecidos numa cela de asilo.
Ao lado da janela, retorcendo os
aleijões e esticando a cabeça, apenas um podia olhar lá fora.
Junto à porta, no fundo da cama, o
outro espiava a parede úmida, o crucifixo negro, as moscas no fio de luz.
Com inveja, perguntava o que
acontecia. Deslumbrado, anunciava o primeiro:
— Um cachorro ergue a perninha no
poste.
Mais tarde:
— Uma menina de vestido branco
pulando corda.
Ou ainda:
— Agora é um enterro de luxo.
Sem nada ver, o amigo remordia-se no
seu canto. O mais velho acabou morrendo, para alegria do segundo, instalado
afinal debaixo da janela.
Não dormiu, antegozando a manhã.
Bem desconfiava que o outro não
revelava tudo.
Cochilou um instante — era dia.
Sentou-se na cama, com dores espichou o pescoço:
entre os muros em ruína, ali no
beco, um monte de lixo.
Texto extraído do livro
de Dalton
Trevisan Mistérios de Curitiba, Editora Record — Rio de Janeiro,1979.
Caso do Vestido
Nossa mãe, o que é aquele
vestido, naquele prego?
vestido, naquele prego?
Minhas filhas, é o vestido
de uma dona que passou.
de uma dona que passou.
Passou quando, nossa mãe?
Era nossa conhecida?
Era nossa conhecida?
Minhas filhas, boca presa.
Vosso pai evém chegando.
Vosso pai evém chegando.
Nossa mãe, dizei depressa
que vestido é esse vestido.
que vestido é esse vestido.
Minhas filhas, mas o corpo
ficou frio e não o veste.
ficou frio e não o veste.
O vestido, nesse prego,
está morto, sossegado.
está morto, sossegado.
Nossa mãe, esse vestido
tanta renda, esse segredo!
tanta renda, esse segredo!
Minhas filhas, escutai
palavras de minha boca.
palavras de minha boca.
Era uma dona de longe,
vosso pai enamorou-se.
vosso pai enamorou-se.
E ficou tão transtornado,
se perdeu tanto de nós,
se perdeu tanto de nós,
se afastou de toda vida,
se fechou, se devorou,
se fechou, se devorou,
chorou no prato de carne,
bebeu, brigou, me bateu,
bebeu, brigou, me bateu,
me deixou com vosso berço,
foi para a dona de longe,
foi para a dona de longe,
mas a dona não ligou.
Em vão o pai implorou.
Em vão o pai implorou.
Dava apólice, fazenda,
dava carro, dava ouro,
dava carro, dava ouro,
beberia seu sobejo,
lamberia seu sapato.
lamberia seu sapato.
Mas a dona nem ligou.
Então vosso pai, irado,
Então vosso pai, irado,
me pediu que lhe pedisse,
a essa dona tão perversa,
a essa dona tão perversa,
que tivesse paciência
e fosse dormir com ele...
e fosse dormir com ele...
Nossa mãe, por que chorais?
Nosso lenço vos cedemos.
Nosso lenço vos cedemos.
Minhas filhas, vosso pai
chega ao pátio. Disfarcemos.
chega ao pátio. Disfarcemos.
Nossa mãe, não escutamos
pisar de pé no degrau.
pisar de pé no degrau.
Minhas filhas, procurei
aquela mulher do demo.
aquela mulher do demo.
E lhe roguei que aplacasse
de meu marido a vontade.
de meu marido a vontade.
Eu não amo teu marido,
me falou ela se rindo.
me falou ela se rindo.
Mas posso ficar com ele
se a senhora fizer gosto,
se a senhora fizer gosto,
só pra lhe satisfazer,
não por mim, não quero homem.
não por mim, não quero homem.
Olhei para vosso pai,
os olhos dele pediam.
os olhos dele pediam.
Olhei para a dona ruim,
os olhos dela gozavam.
os olhos dela gozavam.
O seu vestido de renda,
de colo mui devassado,
de colo mui devassado,
mais mostrava que escondia
as partes da pecadora.
as partes da pecadora.
Eu fiz meu pelo-sinal,
me curvei... disse que sim.
me curvei... disse que sim.
Sai pensando na morte,
mas a morte não chegava.
mas a morte não chegava.
Andei pelas cinco ruas,
passei ponte, passei rio,
passei ponte, passei rio,
visitei vossos parentes,
não comia, não falava,
não comia, não falava,
tive uma febre terçã,
mas a morte não chegava.
mas a morte não chegava.
Fiquei fora de perigo,
fiquei de cabeça branca,
fiquei de cabeça branca,
perdi meus dentes, meus olhos,
costurei, lavei, fiz doce,
costurei, lavei, fiz doce,
minhas mãos se escalavraram,
meus anéis se dispersaram,
meus anéis se dispersaram,
minha corrente de ouro
pagou conta de farmácia.
pagou conta de farmácia.
Vosso pais sumiu no mundo.
O mundo é grande e pequeno.
O mundo é grande e pequeno.
Um dia a dona soberba
me aparece já sem nada,
me aparece já sem nada,
pobre, desfeita, mofina,
com sua trouxa na mão.
com sua trouxa na mão.
Dona, me disse baixinho,
não te dou vosso marido,
não te dou vosso marido,
que não sei onde ele anda.
Mas te dou este vestido,
Mas te dou este vestido,
última peça de luxo
que guardei como lembrança
que guardei como lembrança
daquele dia de cobra,
da maior humilhação.
da maior humilhação.
Eu não tinha amor por ele,
ao depois amor pegou.
ao depois amor pegou.
Mas então ele enjoado
confessou que só gostava
confessou que só gostava
de mim como eu era dantes.
Me joguei a suas plantas,
Me joguei a suas plantas,
fiz toda sorte de dengo,
no chão rocei minha cara,
no chão rocei minha cara,
me puxei pelos cabelos,
me lancei na correnteza,
me lancei na correnteza,
me cortei de canivete,
me atirei no sumidouro,
me atirei no sumidouro,
bebi fel e gasolina,
rezei duzentas novenas,
rezei duzentas novenas,
dona, de nada valeu:
vosso marido sumiu.
vosso marido sumiu.
Aqui trago minha roupa
que recorda meu malfeito
que recorda meu malfeito
de ofender dona casada
pisando no seu orgulho.
pisando no seu orgulho.
Recebei esse vestido
e me dai vosso perdão.
e me dai vosso perdão.
Olhei para a cara dela,
quede os olhos cintilantes?
quede os olhos cintilantes?
quede graça de sorriso,
quede colo de camélia?
quede colo de camélia?
quede aquela cinturinha
delgada como jeitosa?
delgada como jeitosa?
quede pezinhos calçados
com sandálias de cetim?
com sandálias de cetim?
Olhei muito para ela,
boca não disse palavra.
boca não disse palavra.
Peguei o vestido, pus
nesse prego da parede.
nesse prego da parede.
Ela se foi de mansinho
e já na ponta da estrada
e já na ponta da estrada
vosso pai aparecia.
Olhou pra mim em silêncio,
Olhou pra mim em silêncio,
mal reparou no vestido
e disse apenas: — Mulher,
e disse apenas: — Mulher,
põe mais um prato na mesa.
Eu fiz, ele se assentou,
Eu fiz, ele se assentou,
comeu, limpou o suor,
era sempre o mesmo homem,
era sempre o mesmo homem,
comia meio de lado
e nem estava mais velho.
e nem estava mais velho.
O barulho da comida
na boca, me acalentava,
na boca, me acalentava,
me dava uma grande paz,
um sentimento esquisito
um sentimento esquisito
de que tudo foi um sonho,
vestido não há... nem nada.
vestido não há... nem nada.
Minhas filhas, eis que ouço
vosso pai subindo a escada.
vosso pai subindo a escada.
Carlos Drummond de Andrade
Plantar uma floresta
Quem planta uma floresta
Planta uma festa.
Planta a música e os ninhos,
Faz saltar os coelhinhos.
Planta o verde vertical,
Verte o verde,
Vário verde vegetal.
Planta o perfume
Das seivas e flores,
Solta borboletas de todas as cores.
Planta abelhas, planta pinhões
E os piqueniques das excursões.
Planta a cama mais a mesa.
Planta o calor da lareira acesa.
Planta a folha de papel,
A girafa do carrocel.
Planta barcos para navegar,
E a floresta flutua no mar.
Planta carroças para rodar,
Muito a floresta vai transportar.
Planta bancos de avenida,
Descansa a floresta de tanta corrida.
Planta um pião
Na mão de uma criança:
A floresta ri, rodopia e avança.
Planta uma festa.
Planta a música e os ninhos,
Faz saltar os coelhinhos.
Planta o verde vertical,
Verte o verde,
Vário verde vegetal.
Planta o perfume
Das seivas e flores,
Solta borboletas de todas as cores.
Planta abelhas, planta pinhões
E os piqueniques das excursões.
Planta a cama mais a mesa.
Planta o calor da lareira acesa.
Planta a folha de papel,
A girafa do carrocel.
Planta barcos para navegar,
E a floresta flutua no mar.
Planta carroças para rodar,
Muito a floresta vai transportar.
Planta bancos de avenida,
Descansa a floresta de tanta corrida.
Planta um pião
Na mão de uma criança:
A floresta ri, rodopia e avança.
Luísa Ducla Soares
A gata Tareca e Outros Poemas Levados da Breca
Lisboa, Teorema, 1990
domingo, 20 de maio de 2012
"O coiso"
Telejornal das oito. Francisco Louçã aparece discursando e insurgindo-se contra a palavra utilizada por um ministro a propósito do desemprego: o coiso.
FL refere, então, a possibilidade de conjugar o verbo coisar: eu coiso, tu coisas, ele coisa...
Diz que quem diz coiso nem sabe a palavra certa nem conhece o problema de que está a falar. E, no entanto, o tal coiso, ou seja o desemprego, atinge mais de um milhão de pessoas.
São coisas que acontecem ou são coisas que não deviam acontecer?
Cristina Carvalho
Por sugestão da Rosário (cf comentário ao poema "Impressão digital), consultei o link
http://gatoduppsala.wordpress.com/acerca-da-autora-cristina-carvalho/, li e partilho agora o que de lá retirei, para além da fotografia da autora:
"Maria Cristina Nunes da Gama Carvalho Meira da Cunha (Lisboa, 10 de Novembro de 1949) é uma escritora portuguesa.
Publicou o seu primeiro livro, “Até Já Não É Adeus” em 1989. É filha do professor e poeta Rómulo de Carvalho (António Gedeão) e da escritora Natália Nunes. Publicou contos em várias revistas e jornais, nomeadamente no Jornal de Letras e Revista Egoista. Publica em Março de 2009 o romance “O Gato de Uppsala”, na Sextante Editora.Trata-se de uma história de amor entre dois jovens, Elvis e Agnetta, uma história feliz de iniciação, de descoberta e sonho: a viagem, a pé, desde Uppsala até Estocolmo, movidos pelo desejo de descobrir o mistério do mar e de ver uma das maravilhas do seu tempo – o grande e rico Vasa – navio de guerra mandado construir por Gustavus II Adolphus, rei da Suécia. Quis o destino que, no dia 10 de Agosto de 1628, dia da viagem inaugural, a vida de Elvis e Agnetta fosse salva por um gato. [[Ficheiro:O_Gato_de_Uppsala.jpg ]]"
Quando puder, quero ler, talvez o livro que é referido, porque até agora desconhecia por completo esta autora. Para mais, filha de peixe...
http://gatoduppsala.wordpress.com/acerca-da-autora-cristina-carvalho/, li e partilho agora o que de lá retirei, para além da fotografia da autora:
"Maria Cristina Nunes da Gama Carvalho Meira da Cunha (Lisboa, 10 de Novembro de 1949) é uma escritora portuguesa.
Publicou o seu primeiro livro, “Até Já Não É Adeus” em 1989. É filha do professor e poeta Rómulo de Carvalho (António Gedeão) e da escritora Natália Nunes. Publicou contos em várias revistas e jornais, nomeadamente no Jornal de Letras e Revista Egoista. Publica em Março de 2009 o romance “O Gato de Uppsala”, na Sextante Editora.Trata-se de uma história de amor entre dois jovens, Elvis e Agnetta, uma história feliz de iniciação, de descoberta e sonho: a viagem, a pé, desde Uppsala até Estocolmo, movidos pelo desejo de descobrir o mistério do mar e de ver uma das maravilhas do seu tempo – o grande e rico Vasa – navio de guerra mandado construir por Gustavus II Adolphus, rei da Suécia. Quis o destino que, no dia 10 de Agosto de 1628, dia da viagem inaugural, a vida de Elvis e Agnetta fosse salva por um gato. [[Ficheiro:O_Gato_de_Uppsala.jpg ]]"
Quando puder, quero ler, talvez o livro que é referido, porque até agora desconhecia por completo esta autora. Para mais, filha de peixe...
sábado, 19 de maio de 2012
Escura noite clara
Hoje tive insónias. Liguei a televisão
e não é que vi dois programas, no canal 2, que me fizeram esquecer que não
conseguia dormir?! Um programa foi “Bairro Alto” – com uma conversa com a ceramista
e pintora Bela Silva. O outro sobre histórias – ditas infantis, mas, no
fundo, são para todas as idades.
Bela Silva
Não conhecia Bela Silva, artista
plástica que já viveu em diversos países e continentes e que dedica os seus
dias à criação de peças de arte, incluindo azulejos. Com ideias arrumadas, vontade
firme, sorriso aberto, falava dos sucessos e insucessos da sua atividade. Fiquei
motivada em conhecer um bocadinho da sua obra e fui à net ver o que podia
visitar.
Quanto às histórias, falavam delas no
programa “Sociedade civil” e estava lá um belíssimo poeta e também contador de
belas histórias: José Jorge Letria.
Todos lembravam a necessidade de
ouvirmos e contarmos histórias.
Mesmo sendo escura a noite, dava vontade, claramente, de dizer: Era uma vez…
Os dois irmãos
Bela Silva
Eu conheço dois meninos
que em tudo são diferentes.
Se um diz: “Dói-me o nariz!”
o outro diz: “Ai, meus dentes!”
—–
Se um quer brincar em casa,
o outro foge para o monte;
e se este a casa regressa,
já o outro foi para a fonte.
—–
É difícil conviver
com tanta contradição.
Quando um diz: “Oh, que calor! ”,
“Que frio!” - diz o irmão.
—-
Mas quando a noitinha chega
com suas doces passadas,
pedem à mãe que lhes conte
histórias de Bruxas e Fadas.
—–
E quando o sono esvoaça
por sobre o dia acabado,
dizem “Boa noite, mãe!”
e adormecem lado a lado.
Maria Alberta Menéres
sexta-feira, 18 de maio de 2012
Verticalidade
a Bernardo Sassetti
ébrio
da melodia do vento
que
lhe dedilhava
o
rosto
a
melena caída a intervalos
sobre
a objetiva
apeteceu-lhe
beber
o
azul
apanhá-lo
na lente
guardá-lo
para além da retina
para
mais tarde recordar
quiçá
tocando…
não
deu pelo vazio
sob
o pé
no
compasso
do
sem passo
as
mãos abriram-se
dedilhando
o azul do vento
ausente
o cinza-ocre da falésia…
não
morreu
voou!
agora
toca
para os outros anjos
que
lhe invejam
as
mãos
ciano puro!
IA,
Porto, 13 de maio 2012
quinta-feira, 17 de maio de 2012
O que a professora disse à aluna
A aluna, inteligente e muito dedicada ao estudo, iria apresentar um trabalho sobre uma obra literária. Antes da aula, ainda no corredor, abeirou-se da professora e disse: professora, não estou preparada, não posso apresentar o meu trabalho, estou muito cansada, não consigo...
A professora, pacientemente, recordou-lhe a data em que o trabalho tinha sido proposto. A aluna, porém manteve a sua recusa em apresentar o trabalho. A professora insistiu: se adiasse a apresentação dela, teria de o fazer com os outros e, nesta altura do ano, não havia tempo para tal.
A aluna agitava-se. Corava. Calava-se. Murmurava...
A professora entrou na sala de aula. Escreveu o sumário. Passou para a apresentação dos trabalhos. Chegou a vez da aluna. A professora olhou-a e fez-lhe sinal para apresentar o trabalho. A aluna , um pouco hesitante, levantou-se do lugar e veio para junto do quadro.
A aluna começou a apresentar. E mostrava que estava dentro do assunto, apesar de já ter apresentado trabalhos melhores.
A professora, ao lado dela, foi-lhe dizendo que falasse mais alto, sem receio, porque o que dizia estava certo.
A aluna olhava mais para o chão do que para os colegas. Via-se que era terrível o medo de errar.
A professora disse então: sabes uma coisa, se eu tivesse a tua idade, a tua inteligência e a tua beleza, eu estaria feliz a apresentar um trabalho como este. Não entendo esse stresse.
A aluna riu-se.
A professora riu-se também. quarta-feira, 16 de maio de 2012
Cores de Haikus
Cores de haikus:
Registo de pequenos momentos do quotidiano
- uns pela observação do presente,
outros pela lembrança do passado.
A menina a correr
Ganhava asas no cabelo
O menino segurava na mão o poema que tinha escrito
E as palavras faziam-lhe festas nos dedos
A trepadeira do muro enleou-se no silvado
E os picos estranharam a maciez das outras folhas
A ameixoeira caiu.
Não aguentou tantos frutos.
O tronco estava frágil e o vento foi mais forte
A romãzeira tem flores laranja
Que dão romãs rosa
A flor de laranjeira
É neve perfumada suspensa nas folhas em concha
O meu avô sabia compreender a razão das nuvens.
E tinha tempo para explicar o que sabia.
Descobri a olaia
Quando um menino a pôs num poema.
Olhai-a, dizia ele
As boninas são florzinhas
Que enfeitavam os muros da minha infância.
A mãe sorriu e a família
repercutiu o eco
A rosa vermelha trepava no muro cinzento
Em busca de luz mais clara
O pai deu a cara
Mas o filho deu-lhe um beijo
As buganvílias parecem flores enormes
Pela junção das pequeninas
A menina pegou no búzio
E hoje, mulher, ainda ouve o som.
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