quarta-feira, 24 de abril de 2013

Saí à rua, claro!



Imagem da net 

 

Hoje, na despedida de uma aula, disse mais ou menos isto: meninos, um bom feriado e festejem a liberdade que o 25 de Abril nos trouxe. Nem imaginam o bem que é viver em liberdade. 
Um aluno perguntou então: a professora saiu à rua no primeiro 25 de abril? Respondi que sim, claro.

Saíram  todos da sala de aula e, enquanto punha os livros na pasta, ia recordando esse dia de abril de 1974.

Logo pela manhã, fui para as aulas na Faculdade de Letras do Porto. O curso de Românicas funcionava onde é atualmente o ICBAS. Viam-se muito poucas pessoas na rua e algumas ouviam o rádio portátil com muita atenção, tentando compreender todas as palavras. O Porto estava estranhamente varrido de movimento.

Uma revolta estava a acontecer em Lisboa e a queda do Governo estava para breve, ia-se dizendo de boca em boca.  
Depois de quase cinco décadas de fascismo, os mais velhos não sabiam se haviam de rir ou de chorar. Não estavam habituados à liberdade e tudo era religiosa incerteza. Os mais novos participavam da surpresa assustada.

Voltei para casa porque não haveria aulas. O sobressalto era enorme e aumentava a cada minuto.

À tarde, tu e eu atravessámos a ponte Luís I e fomos festejar numa rua de Gaia onde alguém falava da alegria que era a conquista da liberdade. Não me lembro do orador, mas era, com certeza, uma das poucas pessoas politizadas da época.

Ao fim da tarde, já havia muita gente nas ruas. Tinham-se aberto muitas portas à Liberdade, desabando muros negros de medo.  
Felizmente há Dias assim! 


4 comentários:

  1. Tinha oito anos quando se deu o 25 de abril.

    Estava na terceira classe (Na época andar na escola tinha classe; agora tem anos!) e a meus olhos oferecia-se, aberto, o caderno de aritmética.

    Era uma conta de dividir, daquelas que têm vírgulas no divisor e no dividendo. Lembro-me perfeitamente disto, porque eu gostava da “matematicazinha”, mas naquele dia, que, à distância destes anos que já passaram, recordo cinzento (estava nublado, ao contrário do dia de hoje), não me apetecia mesmo nada fazer a contita.

    Lembro-me de desejar não ter de a fazer…

    Eu sei que o que vou contar a seguir vai soar a romanesco, mas garanto que é a mais pura das verdades.

    Dizia eu: lembro-me de desejar não ter de fazer a tal contita. Eis então que, inesperadamente, entra na sala a dona Amélia, a funcionária da escola. Abeira-se da professora Cândida e sussurra-lhe qualquer coisa que nós não entendemos. Eu, pelo menos, não percebi nada. Nada do que foi dito, porque, pelo semblante da professora, algo de grave tinha acontecido.

    Lembro-me de se ter levantado e de nos dizer para arrumarmos os livros nas pastas e nas carteiras, que eram inclinadas e cuja tampa abria para guardar o material escolar.

    Lembro-me de nos ter dito para nos dirigirmos ao átrio da escola e esperarmos pelos nossos pais, que nos viriam buscar. Avisou-nos, com ar austero, que não saíssemos sem eles chegar. Estava a acontecer algo muito sério no país e não devíamos andar nas ruas sozinhos.

    Convém recordar que, naquele tempo, uma grande maioria das crianças ia só para a escola, porque os perigos que espreitam, agora, a cada esquina, na época, resumiam-se ao mítico homem do saco! (É claro que havia alguns perigos, mas não estavam nem tão banalizados nem eram tão divulgados! E é assim que a ignorância se torna condição de felicidade!).

    Lembro-me, e isso ficou em mim bem gravado, que a primeira coisa que pensei foi: “Uau, que bom! Já não tenho que fazer a conta!...”
    E para mim, nos meus oito anos, o 25 de abril fez sentido, porque me satisfez o desejo de recusar algo que me era imposto!

    Ainda hoje, sempre que vejo uma contita daquela natureza, sou incapaz de reter um sorriso e um suspiro de satisfação.

    Gostaria era que, atualmente, as minhas contas não fossem só as de subtração.
    Valha-me Deus! Parece que ultimamente não consigo nem somar nem multiplicar! E o pior é que isto é maleita que afetou uma grande maioria da população portuguesa!

    Preciso(amos) de um outro 25 de abril!

    Beijinho
    IA

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  2. Mesmo as contas são sempre bem contadas por ti! Obrigada!
    Imagina-se muito bem a situação!
    Naquele momento, os Capitães de Abril deviam estar a pensar que já era possível tranquilizar a grande maioria dos portugueses, o que não sabiam era que estavam também a tranquilizar uma menina que, assim, não tinha de acabar a conta!

    Se calhar não seria necessário outro 25 de Abril, mas precisávamos de alguém que fizesse melhor as contas! Não a menina que eras nessa altura, é claro, mas os rapazotes de agora!
    Um beijinho
    M.

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    1. Estou a achar que isso do rapazote é cá comigo!
      A minha histórica é bem menos romanesca: mandaram-me embora para casa (andava eu na escola então primária)e que fosse depressinha, porque tinha havido uma revolução e os aviões andavam todos no ar. Pudera! Onde é que haviam de andar?!
      E lá fui, conforme todos os outros, a correr para casa (bem pertinho da escola), qual menino bem mandado (eu sei... já foi há muito tempo e ando a perder qualidades).
      Beijinhos às duas.
      VO

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  3. Por acaso, para mim, os "rapazotes" eram os do Governo que fazem as contas e nos (des)governam!

    Se me referisse a ti, nunca empregaria essa palavra; diria amigo, homem, professor, investigador...

    Mas ainda bem que houve essa interpretação, porque assim contaste a tua experiência.

    Um beijinho
    M.

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