terça-feira, 6 de março de 2018
Concertos vs desconcerto
A Igreja da Nossa
Senhora da Lapa, no Porto, atrai muitas pessoas, tanto para os atos de culto como para
espetáculos musicais.
Há uns meses, assisti a um concerto com o Coro
"Bavo cantorij" da Catedral de St Bavo, Haarlem, Holanda.
O coro, constituído por mais de duas
dezenas de jovens, todos vestidos com longas túnicas vermelhas, cantaram peças
sacras de Monteverdi, Chilcott, Scarlatti (impossível não me recordar de Mafra
e do Memorial do Convento) e de
muitos outros compositores.
A junção harmoniosa de tantas vozes
juvenis difundia-se na igreja que estava cheia, apesar de o dia ter sido
chuvoso.
Felizmente, há igrejas que vivem em prol
da apaziguadora espiritualidade, também alcançada pela música, tão bem tocada e
cantada nesse concerto. O som do monumental órgão de tubos ecoou na bela
igreja, com os cantores sentados nas altas cadeiras que ladeiam o espaço junto
dos degraus do altar-mor. O som denso da música e a cor rubra das vestes desenhavam belos quadros a compor o concerto. Depois desses, houve muitos mais. E muitos haverá com certeza porque a música é privilegiada naquela igreja.
Sempre me seduziram os concertos de
música clássica em igrejas. Pela espiritualidade. Pelo silêncio largo (embora
haja sempre um ou outro telemóvel distraído que, felizmente, nessa noite não se
ouviu). Pelo prazer encantatório da música
que parece exalar dos rostos disponíveis e atentos.
Felizmente vão-se tornando também
habituais os concertos para crianças, muitas vezes em igrejas. E os músicos, de
diferentes idades, revelam alegria, motivando as crianças e incutindo hábitos
de respeito, de concentração, de gosto pela música...
Perguntei muitas vezes aos meus alunos
se imaginavam a vida sem música e logo me respondiam que não. Claro que a
música a que se referiam seria bem mais frenética do que a escutada
nas igrejas.
Julgo também que nunca esquecerei um sarau que
ajudei a preparar numa escola onde trabalhei.
Dois jovens músicos, alunos da
escola, - um tocava violino e o outro
flauta - encantaram o auditório que era heterogéneo: alunos, professores,
funcionários e encarregados de educação. Tocavam com tal profunda verdade que
todos se sentiram encantados e ficariam muito mais tempo a ouvi-los porque era
notório que estava a ser boa e doce a sensação.
A música ajudava a estabelecer a união entre todos, independentemente das idades, da formação e dos gostos de cada um.
Sem música, o desconcerto do mundo tocaria ainda mais fundo dentro de nós.
A música ajudava a estabelecer a união entre todos, independentemente das idades, da formação e dos gostos de cada um.
segunda-feira, 5 de março de 2018
domingo, 4 de março de 2018
"A vida é uma presa, vai-te a ela" - disse o poeta
Naquela noite, o Salão árabe do Palácio da Bolsa, no Porto, estava cheio. O Porto parece estar quase sempre em
festa, o que é muito bom também.
Mais uma vez reparei que nas ruas cresce o número de
turistas (apesar de há muito decrescer o número de moradores). E as casas vão
sendo recuperadas, reavivando os belos tons dos azulejos: amarelos,
azuis, ocres...
E, no programa, podia ler-se um poema do "mais
brilhante poeta do Al-Andalus, no século XI, e que nasceu em Beja", tal
como se podia ler no desdobrável do evento.
"Solta
a alegria! Que fique desatada!
Esquece
a ânsia que rói o coração.
Tanta
doença foi assim curada!
A
vida é uma presa, vai-te a ela!
Pois
é bem curta a sua duração.
E
mesmo que a tua vida acaso fosse
De
mil anos plenos já composta
Mal
se poderia dizer que fora longa.
Que
seres triste não seja a tua aposta
Pois
que o alaúde e fresco vinho
Te
aguardam na beira do caminho.
Que
os cuidados não sejam de ti donos
Se
a taça for espada brilhante em tua mão.
Da
sabedoria só colherás a turbação
Cravada
no mais fundo do teu ser.
É
que dentre todos, o mais sábio
É
aquele que não cuida de saber."
Al-Mu'tamid, séc. XI, in Adalberto
Alves, O Meu
Coração É Árabe (1987)
E os músicos - portugueses, espanhóis e marroquinos,
com as suas vozes torneadas e prodigiosas, transmitiam, de facto, uma forte
mensagem de paz e de pluralidades que tem de prevalecer e não os conflitos
políticos e religiosos que parecem estar cada vez mais presentes e próximos.
Pensando mais na morte do que na vida, ao contrário do que seria de esperar.
Pensando mais na morte do que na vida, ao contrário do que seria de esperar.
sábado, 3 de março de 2018
Um livro em fim de semana de chuva
O dia está chuvoso, para além do vento, da trovoada... Amanhã, pelas previsões, não será muito diferente.
A leitura um pouco mais prolongada talvez venha a calhar.
E por que não Homens imprudentemente poéticos de Valter Hugo Mãe?
Poéticos são os ambientes, as
personagens, os diálogos, os temas que emergem, sem ruído, de um Japão mágico e
mítico que é o pano de fundo da obra. Temas como o amor, a morte, a perda, a
miséria, a procura, a natureza, o medo, a esperança, a culpabilidade, a ternura
irrompem de espaços e de tempos ancestrais que as palavras do narrador-autor
põem amorosamente a nu, diante dos nossos olhos incautos e curiosos.
Há cenários de cerejeiras,
pássaros e violetas, onde vejo seres inocentemente belos e humanos (como Matsu,
a rapariga cega; a senhora Kame, "a mãe perto") a convocar candura, inocência, delicadeza.
Mas também os homens os transmitem, como os vizinhos inimigos: Itaro, que faz
leques com as canas de bambu que recolhe e Saburo que molda taças de barro.
Existe uma beleza onde coabita a
delicadeza e a rudeza.
Registei algumas frases que me tocaram
pelo seu sentido poético:
"A beleza carece de nenhum motivo,
p.77; "(...) a menina dizia: para os cegos as flores são ainda coisas de
ver. Mapeava-os pelos perfumes". p. 90; "As taças eram terra
adulta.", p.107; "A memória
era o resto da realidade", p. 141.
Na descrição dos ambientes, surgem casos
de amálgama com laivos de Mia Couto: "Alguns peixes barulhavam na
água" - p.79.
O
não uso da dupla negação também é notório:
"Viu nada", p.113; "Tinha nenhum recipiente", p.141.
A ausência do ponto de interrogação também ocorre quando
o contexto o dispensa, tal como foi prática de
José Saramago; "O artesão gritou: quem é.", p.117.
No tempo em que VHM não usava
maiúsculas, mesmo no seu nome, ouvi-o dizer a um auditório constituído por
alunos e professores que, para se aplicarem outras regras, era
necessário conhecer bem as que são convencionais. Repeti-o
várias vezes nas minhas aulas, lembrando-me das palavras prudentes do autor desta obra Homens imprudentemente poéticos.
sexta-feira, 2 de março de 2018
Como hoje há clássico...
O gol
A esfera desce do espaço
veloz
ele a apara
no peito
e a pára
no ar
depois
com o joelho
a dispõe a meia altura
onde
iluminada
a esfera
espera
o chute que
num relâmpago
a dispara
na direção
do nosso
coração.
Ferreira Gullar
quinta-feira, 1 de março de 2018
segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018
Terna é a neve!
Nos arredores de Londres, a neve chegou acompanhada de muito frio. A mãe levou a menina à janela para ver a neve a cair e alguma da sua brancura já espalhada.
A menina, que já viu o Frozen vezes sem conta e as paisagens frias de neve intensa do filme, olhou o exterior da casa e disse para a mãe:
Mamã, esta neve é bebé!
sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018
O Porto é divertido?
"O inquérito, realizado a 15.000 pessoas em todo o
mundo, avalia as cidades com base na gastronomia, cultura, simpatia,
acessibilidade de preços, felicidade e condições de vida.
O Time Out City Life Index 2018 elaborou o ranking das cidades mais
excitantes do mundo para se viver e visitar em 2018. No total, a lista é
composta por 32 cidades."
Nesta lista, o Porto surge em segundo lugar, a seguir a Chicago. Lisboa é a oitava.
Realmente, o Porto está na moda!
Os preços e as rendas das casas continuarão mais facilmente a subir, o que, para muitos, não é lá muito divertido!
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018
Armar professores - mais uma Trumpalhada!
"Pois disse, não é erro, não há um erre a mais na palavra, Donald Trump não admite amar professores, “admite armar professores”. E não, não foi uma frase no meio de nada, foi mais de um minuto a falar sobre o assunto, em que o Presidente dos Estados Unidos precisou de levar uma cábula (apanhada pelo fotógrafos) para dizer a pais que perderam os filhos coisas como “eu ouço-vos”.
Mas o Presidente norte-americano não só ouviu, também falou. E falou numa sala com sobreviventes e familiares do tiroteio de há uma semana na escola secundária de Stoneman Douglas, em Parkland (Florida), onde Nikolas Cruz, um ex-aluno de 19 anos, entrou e disparou a eito. Morreram 17 pessoas.
“Se tivessem um professor armado, ele poderia acabar com o ataque muito depressa”, disse Trump, afirmando que as escolas poderiam armar 20% dos professores para travar “maníacos” que tentem atacá-los.
“Se o treinador tivesse uma arma no cacifo, não teriam de ter fugido, ele teria disparado sobre o atirador e seria o fim de tudo aquilo”, afirmou o presidente. “Para um maníaco - e porque todos eles são um cobardes - uma zona livre de armas é o mesmo que dizer ‘vamos lá atacá-los porque não vão disparar de volta’… [Dar armas a professores] é certamente algo que vai ser discutido”, garantiu. Trump pediu que quem concordava com a solução erguesse as mãos. Alguns levantaram. Outros não.
“Quantas crianças têm de ser baleadas?”, perguntou ao Presidente um pai de uma rapariga de 18 anos que foi assassinada. Um grupo de alunos juntara-se em frente à Casa Branca para protestar, exigindo que sejam tomadas medidas para controlar o uso de armas.
O New York Times mostra como a NRA, organização que faz lóbi pelo uso de armas, tem canais nas redes sociais altamente virais. E o Vox analisa dados que mostram a dimensão do problema americano, num trabalho assinado por um jornalista que escolhe o seguinte título para o seu artigo: “Eu faço a cobertura violência com armas há anos. As soluções não são um grande mistério”.
A Amnistia Internacional culpa Trump por um retrocesso mundial nos recursos humanos (no El Pais)."
Mas o Presidente norte-americano não só ouviu, também falou. E falou numa sala com sobreviventes e familiares do tiroteio de há uma semana na escola secundária de Stoneman Douglas, em Parkland (Florida), onde Nikolas Cruz, um ex-aluno de 19 anos, entrou e disparou a eito. Morreram 17 pessoas.
“Se tivessem um professor armado, ele poderia acabar com o ataque muito depressa”, disse Trump, afirmando que as escolas poderiam armar 20% dos professores para travar “maníacos” que tentem atacá-los.
“Se o treinador tivesse uma arma no cacifo, não teriam de ter fugido, ele teria disparado sobre o atirador e seria o fim de tudo aquilo”, afirmou o presidente. “Para um maníaco - e porque todos eles são um cobardes - uma zona livre de armas é o mesmo que dizer ‘vamos lá atacá-los porque não vão disparar de volta’… [Dar armas a professores] é certamente algo que vai ser discutido”, garantiu. Trump pediu que quem concordava com a solução erguesse as mãos. Alguns levantaram. Outros não.
“Quantas crianças têm de ser baleadas?”, perguntou ao Presidente um pai de uma rapariga de 18 anos que foi assassinada. Um grupo de alunos juntara-se em frente à Casa Branca para protestar, exigindo que sejam tomadas medidas para controlar o uso de armas.
O New York Times mostra como a NRA, organização que faz lóbi pelo uso de armas, tem canais nas redes sociais altamente virais. E o Vox analisa dados que mostram a dimensão do problema americano, num trabalho assinado por um jornalista que escolhe o seguinte título para o seu artigo: “Eu faço a cobertura violência com armas há anos. As soluções não são um grande mistério”.
A Amnistia Internacional culpa Trump por um retrocesso mundial nos recursos humanos (no El Pais)."
Pedro Santos Guerreiro, In Expresso Curto de hoje
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018
Há tantas raposas na terra!
Em muitas noites, nos arredores de Londres, é frequente ouvir as raposas que regougam, roncam, uivam, gritam.
Paula Rego, numa entrevista, com o
seu encantamento infantil, confessou:
"Em Londres, não saio à noite porque tenho medo das raposas" (talvez
por, na calada da noite, saírem das tocas, nos parques, e procurarem alimento
nas ruas onde encontram sacos de lixo acessíveis).
Na minha infância, em que o tempo era mais
de castigo do que prémio, ouvia-se: "Se não estudares, tens uma
raposa" (reprovação).
E, por falar em raposas, lembrei-me da
fábula de Esopo "A raposa e o queijo".
Recordei-a:
Estava um corvo num ramo de uma árvore
e, no bico, segurava um queijo. Passando uma raposa, logo desejou a iguaria que
não estava ao seu alcance por se encontrar demasiado alta. Para tal, elogiou a
voz do corvo, pedindo que cantasse. O corvo, ingenuamente seduzido, abriu a
boca para começar o seu canto, deixando logo cair o queijo. A esperta raposa,
tendo conseguido o que pretendia, fugiu veloz levando consigo o desejado pitéu.
Também sobre uma raposa é um conto de
Teolinda Gersão, incluído no livro A mulher que prendeu a chuva, "O casaco de raposa vermelha".
Não esqueço esta narrativa que me
fascinou, tendo, muito resumidamente, dela retido:
Uma bancária deseja intensamente comprar
um casaco de pele de raposa vermelha que viu numa montra de uma loja. Faz todos
os cálculos do dinheiro de que pode dispor e o desejo de adquirir o casaco
torna-se obsessivo.
Chega, finalmente, o dia tão desejado em
que vai buscar o casaco e, vestindo-o, começa a correr em direção à floresta, tal qual uma raposa verdadeira.
Paralelamente a estes pensamentos,
surgem os pequenos livrinhos que o meu pai nos comprava na Feira do
Livro do Porto e cujas personagens eram, recorrentemente, as raposas, as
cegonhas e os lobos. Parece que me estou a ver sentada na soleira da porta
segurando um desses livrinhos na mão.
Um dia, ouvi uma vizinha falar de outra
vizinha chamando-lhe manhosa e vingativa e logo me lembrei de uma história em
que a raposa convidou a cegonha para almoçar, servindo a comida em pratos
rasos, uma vez que a cegonha lhe tinha oferecido um almoço em jarras altas onde
só um longo bico caberia.
Mesmo de raposa.
Mesmo de raposa.
sábado, 17 de fevereiro de 2018
"Conscientemente escrevo..."
Poema do Futuro
Conscientemente escrevo e, consciente,medito o meu destino.
No declive do tempo os anos correm,
deslizam como a água, até que um dia
um possível leitor pega num livro
e lê,
lê displicentemente,
por mero acaso, sem saber porquê.
Lê, e sorri.
Sorri da construção do verso que destoa
no seu diferente ouvido;
sorri dos termos que o poeta usou
onde os fungos do tempo deixaram cheiro a mofo;
e sorri, quase ri, do íntimo sentido,
do latejar antigo
daquele corpo imóvel, exumado
da vala do poema.
Na História Natural dos sentimentos
tudo se transformou.
O amor tem outras falas,
a dor outras arestas,
a esperança outros disfarces,
a raiva outros esgares.
Estendido sobre a página, exposto e descoberto,
exemplar curioso de um mundo ultrapassado,
é tudo quanto fica,
é tudo quanto resta
de um ser que entre outros seres
vagueou sobre a Terra.
António Gedeão, in 'Poemas Póstumos'
Outro filme que revi: "Café Society" de Woody Allen
Gostei particularmente de rever ambientes e adereços
dos anos trinta; o desempenho do ator Jesse Eisenberg, que aprecio bastante, no
papel do jovem Bobby, que, querendo singrar na vida, sai de Nova York e vai
para Hollywood, onde um tio é um famoso agente ligado à indústria do cinema.
O guarda-roupa, a música (não podia faltar o som
encantatório do saxofone), os diálogos, nomeadamente no espaço da família judia
de Bobby, contribuem para contar histórias em que sobressai a do jovem Bobby e
de Vonnie, Kristen Stewart, por quem se apaixona, tal como o tio rico, Phil,
com quem ela, secretária, vem a casar, depois de este se ter separado da
mulher.
Bobby, apesar de casar com uma mulher adorável,
também chamada Verónica, não consegue esquecer o seu grande amor, Vonnie. Esta
parece sentir igualmente grande prazer nos passeios que dá com Bobby,
aproveitando a ausência do marido e o desconhecimento de Verónica, grávida pela
segunda vez.
Para além disto, senti a falta do fino humor mais contundente dos
primeiros filmes de Woody Allen.
O facto de, aparentemente, Vonnie amar os dois
homens, Phil e Bobby, tão diferentes, incluindo a idade, poderá ser
interpretado como uma espécie de completude que se busca e que raramente
coabita numa única pessoa. Será?
E Phil, a entrar no outono da vida e a
pretender viver cenários primaveris com Vonnie, tão bela e tão jovem.
Quando o filme terminou, desliguei o computador. Bastavam-me as imagens que acabava de ver.
sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018
Rever "Julieta"
Revi o filme "Julieta" de Almodóvar.
No ecrã, reencontrei rostos recorrentes em filmes deste realizador,
como é o caso de Rossy de Palma, que, neste caso, faz o papel de uma empregada
doméstica numa casa junto ao mar, onde vive uma mulher, ainda jovem, doente, em
coma, cujo marido trabalha na pesca.
Este homem, Xoan, vai conhecer Julieta
no comboio, numa viagem noturna, e apaixonam-se, vindo a viver juntos e a ter
uma filha, após a morte da primeira mulher.
Nessa viagem em que se conheceram, segue
também um homem mais velho, desesperando de solidão. Dirige a palavra a Julieta,
mas esta inquieta-se e muda de lugar. Numa das paragens seguintes, o homem sai
do comboio e suicida-se.
Anos mais tarde, Xoan, quando a filha é
adolescente, depois de uma discussão com Julieta por ciúmes que esta demonstra,
vai para o mar e morre, porque o barco naufraga devido a uma grande tempestade.
Entretanto, a filha, muito ligada ao
pai, depois de um retiro, afasta-se da mãe e, propositadamente, não permite que
ela saiba onde se encontra.
Já no outono da vida, Julieta começa a
procurar a filha, numa busca ansiosa e contínua.
Ora, neste filme, existem temas
recorrentes de Almodóvar: a doença (como o coma), os conflitos entre pais e
filhos, a homossexualidade, a busca do passado, a solidão, a culpabilidade...
Julieta sente culpa pelo suicídio do velho
homem que queria comunicar com alguém e de quem ela, assustada, se afastou; pela
morte do companheiro após uma discussão; pelo desaparecimento
da filha com quem poderia ter dialogado mais...
Comove-me a canção final, em tom plangente,
na voz de Chavela Vargas: "Si no te vas".
É necessário viver intensamente, sentir
muito, conhecer muito para realizar filmes que são espelhos em que, por uma questão ou por outra, muitos de nós se reveem.
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