quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Idade: 100 anos; filhos: 5; Ordem para visitar!


Há muito tempo viúva, reza que do marido não terá tido muitas saudades, porque dele não ouvia nunca  palavras cor-de-rosa; para si, ficavam as mais cinzentas ou agrestes. Ou geladas como ventos de inverno.

Não assistiu, portanto, ao centenário da mulher, mas a festa fez-se a preceito. Como ela sempre desejara e programara. Queria os filhos, as noras, os genros, os netos e os bisnetos perto de si. Haveria um bolo bonito e grande e mais uns miminhos doces que lhe tinham oferecido e que queria que todos saboreassem. E, no meio da mesa, uma jarra com flores do jardim. Não as queria compradas porque são caras e vêm de outros países quando as tinha em casa bonitas e mais naturais.

Não haveria refeição completa. Não queria a casa em desalinho nem vê-los a lavar e a arrumar a loiça. Fazia 100 anos e o lugar deles era perto de si. Com tempo e livres de outros afazeres. Se Deus continuava a dar-lhe o dom de falar, de ver e de ouvir, tinha que desfrutar dessas dádivas que, desde pequena, tinha  aprendido a amar e a respeitar.

Estava feliz com todos os que tanto amava à sua volta. Sorria, fazia perguntas, contava peripécias do passado, queria saber projetos de futuro…

Sentia-se uma árvore criadora de fortes e maravilhosos ramos que lhe davam segurança, alegria e a faziam acreditar no futuro. E um pedido irrompeu, em modo decidido de ordem:

- A partir de agora, quero que vocês, meus filhos, me venham visitar todos os dias. 

- Temos de vir todos, mãe, mesmo ao sábado e ao domingo?

 - Porque não? Estão todos reformados, por isso não têm horários a cumprir. E organizem-se para não virem todos ao mesmo tempo. Quero poder falar à vontade com cada um.

- E nós  também temos de vir, perguntou, timidamente, um bisneto.

- Claro que não! Acham que eu não conheço o mundo? Vocês, os novos, têm o tempo muito preenchido e ainda bem que assim é. Estão a construir o vosso futuro.


E o pedido/ordem foi cumprido, depois de feito um pequeno calendário de visitas para não haver coincidências. Agora, que a matriarca está prestes a fazer 101 anos, ninguém sabe se novo pedido surgirá. Talvez se fique pela confirmação da visita diária dos filhos. Uma das noras, habitualmente bem humorada, já disse: uma coisa é certa; continua a ordem para visitar!


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