Se, ao domingo, pelas nove da manhã, passar pela paragem da camioneta, sei que vejo Nilda, de seu nome, e nascida há quase oitenta anos. O cabelo ondulado lembra qualquer atriz dos anos vinte. O fato de saía e casaco, em tons claros, que veste habitualmente quando o dia se prevê de sol, é antigo, tal como a blusa de nylon, com preguinhas no colarinho e botõezinhos doirados. E saltam à vista os brincos compridos, o alfinete e as pulseiras, tudo com preciosas pedras de tão baratas mas bonitas e a condizer. Ah, e também um relógio de pulso que só usa precisamente ao domingo, dia de ir ao Centro Comercial ter com o grupo em que todos esperam por todos, sempre à mesma mesa.
Enquanto não vem o transporte, quem passa diz bom dia e Nilda responde com palavras risonhas. Quando entra na camioneta, logo reconhece passageiros do domingo. E tudo continua próximo e familiar até ao Porto.
Um dia, uma companheira de assento gabou-lhe a roupa que trazia vestida e ela logo se apressou a dizer que era muito antiga, mas que muito estimava porque cada peça que usava tinha uma história. Nem sempre bonita, acrescentou com um sorriso meigo, ainda que amargo e amarelecido.
A roupa vinha-lhe do tempo em que o marido - o dr Esticadinho, como era conhecido - estava vivo. Ele era de compleição estreita, comprida e bem esticada, daí a alcunha.
Fosse inverno ou verão, usava um fato branco, camisa branca e sapatos que limpava com tino e esmero para também não perderem a alvura. Se as nuvens do céu anunciavam chuva, calçava os sapatos com recortes pretos, mas a meia, essa tinha de ser branca como a cal, não como a do muro do caminho que estava suja, mas como a da parede da habitação bem próxima, a única casa bonita da rua, e a única com portão alto.
Quando passava junto à casa alta e de pedra, não havia vez nenhuma que não olhasse lá para dentro. Tinha pena de não ser rico, mas só na Casa do Sol, na ruazinha apertada e sombria do Porto, com cheiro a fritos, se sentia com coragem de o dizer porque as interlocutoras tinham tempo e bom humor.
Quando regressava a casa, é que era um sarilho.
Obrigado!
ResponderEliminarhttps://sintrabloguecintia.blogspot.com/
Eu é que agradeço.
EliminarBoa história 👏😘
ResponderEliminarVai continuar, Gracinha. Ainda não sei aonde vai parar.
EliminarUm beijinho