Não cheguei a conhecer os meus avós maternos, porque não tiveram uma vida longa, mas pude viver muitos anos perto dos meus avós paternos.
O pai do meu pai era alto, forte e tinha uns risonhos olhos azuis. A minha avó era pequenina e redondinha. Sempre me lembro de lhe ver o cabelo grisalho. Porém, nas fotografias enquanto jovem, o cabelo era preto e de perfeitos caracóis.
Ela gostava muito de ouvir rádio, enquanto fazia os trabalhos domésticos, e de contar histórias românticas que lhe tinham agradado.
Já as histórias do meu avô eram quase sempre vividas por ele. Nem sempre era o herói, mas com notada presença, também do seu lado aventureiro e alegre. Começava sempre as narrativas da mesma maneira: Uma ocasião...
Quando era jovem, ele vivia de um lado do rio e a minha avó, a sua namorada, morava na outra margem.
Como havia muito menos pontes do que atualmente, a maior parte das pessoas atravessava o rio em barcos pequeninos de madeira, a remos. Tal como o meu avô.
O barqueiro remava de pé com grande habilidade e conhecimento das marés, mas, quando o rio andava muito cheio e com correntes muito fortes, as águas ganhavam velocidade e empurravam o barco, podendo até causar alguma tragédia.
Numa dessas tardes de domingo em que o meu avô ia namorar, o barco esteve quase a afundar-se por causa de um remoinho das águas. Os passageiros começaram a gritar com medo.
O meu avô, que já estava mais habituado àquelas travessias difíceis, começou a rir-se e as pessoas, assustadas e aflitas, ficaram tão zangadas com ele que até o barqueiro teve de pedir silêncio porque, se assim continuassem, podiam ir todos para o mar.
Eu acho que não era mar que o meu avô queria dizer, mas como a minha mãe podia ouvir, ele fazia adaptações.
De uma outra vez, também numa tarde de domingo, o único passageiro que havia para atravessar o rio era o meu avô.
O barqueiro estava com gripe e, quando já tinham iniciado a travessia do rio, começou a chover tanto, tanto, tanto, que o homem pôs-se a tremer de tal maneira de frio que nem segurava bem os remos. Tossia e espirrava quase sem parar. Foi então que o meu avô lhe disse para se sentar e que ele próprio levava o barco, embora a sua prática de remar fosse menos que pouca.
O barqueiro ficou receoso, mas como estava muito aflito, acabou por aceitar.
A chuva não parava de cair. O barco pouco avançava. O meu avô remava, remava, esforçando-se para não perder o rumo, mas as águas barrentas tinham mais força do que ele.
No entanto, chegaram sãos e salvos à outra margem, embora ficassem a um quilómetro do pequeno cais.
Às vezes, o meu avô dizia 500 metros, outras já eram dois quilómetros, mas eu e os meus irmãos estávamos tão habituados a essas variações nas histórias repetidas que até achávamos piada. Queríamos era que ele continuasse a contá-las e a estar connosco.
E então quando havia trovoada, era mesmo bom tê-lo por perto. A sua presença aliviava o medo.
Quando os relâmpagos afogueavam o céu e os estrondos tremendos dos trovões rebentavam, a minha mãe reunia-nos e pedia, fervorosa, à Santa Bárbara que aliviasse a tormenta, mas o ambiente pesava e enegrecia.
Nesses momentos, eu olhava para o meu avô e ele dizia:
- Vai começar a chover e a trovoada já passa.
E passava mesmo. Parecia magia.
Eu achava que ele adivinhava o tempo, porque não tinha experiência para saber o que a experiência ensina.
Era mesmo querido o meu avô.
Por estes dias, tem trovejado por estas bandas.
Como o meu avô já cá não está, pelo sim, pelo não, hoje vou pedir à minha mãe que me ensine a oração a Santa Bárbara.
Bom dia
ResponderEliminarinfelizmente não conheci nenhum dos meus avós, nem paternos nem maternos.
Mas de tantas vezes rezar a oração de Santa Barbara , com a minha mãe , ainda a sei , mas já não vale muito a pena , pois o meu neto não quer saber dessas coisas .
JR
Bom dia, Joaquim.
ResponderEliminarOs avós fazem sempre falta, mas a vida é mesmo assim.
Na minha infância, também repeti, com a minha mãe, essa oração, mas nunca a aprendi de cor.
Sabe que as gerações mais novas não acham muita piada a estas coisas. Têm tantas outras para as substituírem. 'O mundo é composto de mudança' e às vezes é para melhor.
Um dia feliz e descansado, Joaquim.
Conheci os meus avós maternos. Conheci também a minha avó paterna. Todos faleceram antes de eu chegar aos 15/16 anos de idade. Lembro-me muito bem deles. Os antigos eram pessoas iletradas (a grande maioria delas) mas com uma inteligência superior. Eram sem dúvida pessoas sábias. Também me recorda da minha avó e minha mãe (também já falecida ) rezarem a Santa Bárbara quando trovejava. Acreditavam que ajudava.
ResponderEliminar.
Feliz fim de semana
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Sim, concordo consigo. A minha avó paterna, por exemplo, era analfabeta, mas fazia muito bem contas de cabeça.
ResponderEliminarPorém, o meu avô materno, diz a minha mãe, lia muitas vezes o jornal, o que era muito bom.
Era um tempo em que, infelizmente, a educação e instrução pouco interessavam a quem deviam interessar.
Um dia feliz, Ricardo.
Infelizmente, não tenho essas gratas referências para contar.
ResponderEliminarSó conheci o meu avô materno, pessoa austera e muito calado, a quem eu pedia a bênção e beijava a mão direita que ele me estendia, após eu ter proferido as solenes palavras: "Sua bênção, avô".
Partiu quando eu tinha somente doze anos de idade.
Gostei tanto do seu Avô...
Beijinhos e obrigada por estes momentos.
Gostei tanto, Janita, que tivesse dito que gostou do meu avô. Deixou-nos muitas saudades e quando falámos dele, vêm sempre à baila as histórias engraçadas que ele contava.
EliminarQuanto a familiares austeros, também os tive, ai não. E também de pedir a benção sem nada de confianças.
O meu avô paterno deu para contrabalançar um pouco.
Um beijinho e um domingo feliz, Janita.
Gostei bastante de ler as estórias do seu Pai. Antigamente haviam muito mais que contar do que actualmente. Outros tempos.
ResponderEliminarTambém o ditado" Só se lembram de Santa Barbata quanto troveja" :) Verdade!
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Coisas de uma Vida
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Bom fim de semana!
Beijos
As histórias foram vividas e contadas pelo meu avô, Cidália, e não pelo meu pai.
EliminarSim, também há ditados engraçados em que entra a trovoada e a santa Bárbara.
Um dia destes, vou procurar alguns.
Um beijinho e bom domingo.
Minha avó paterna, Piedade, morreu quando eu tinha seis anos. Vivia connosco e eu adorava-a. Engraçado que sendo tão pequenina me lembro dela, como se ela estivesse agora na minha frente. O corpo redondo envolto em roupas pretas, com uma pequena bolsa de pano que usava à cintura entre a saia rodada preta e a alva camisa de baixo com ela chamava. Os meus avós maternos só vi uma vez quando vieram do norte passar o Natal com os filhos e depois dos 14 anos, quando minha avó morreu de cancro na garganta e tive de cuidar do meu avó que sofrera um AVC que lhe afetara o cérebro e que me chamava sempre Ana por julgar que eu era uma filha que tinha morrido. Meus pais trabalhavam, e ele não podia estar sozinho. Assim era eu como neta mais velha que cuidava dele.
ResponderEliminarAbraço, saúde e bom fim de semana
Que bom, Elvira, ter essas boas recordações da sua avó. Gostava mesmo dela para se lembrar tão bem, já que era tão pequena.
EliminarA figura da sua avó materna faz-me lembrar várias mulheres que me habituei a ver em pequena. A bolsa de pano à cintura era outra marca comum.
Então, foi cuidadora bem cedo do seu avô. E não deve ter sido nada fácil, também pela doença dele.
Um beijinho, Elvira, e um domingo bem descansado e feliz.
Não se garantem resultados mas saber a oração também não prejudica. É património cultural, aposto que é antiga. Se a aprender, escreva-a aqui para nós copiarmos, ok? Acho as orações antigas um mimo.
ResponderEliminarAs histórias do seu avô deviam ser interessantes. Decerto teve muitas ocasiões:).
Ontem, ia com o propósito de escrever a oração a Santa Bárbara. Porém, o fim de tarde não foi propício. Nem puxei o assunto. Filha, tenho mesmo de me deitar. Dói-me a cabeça.
ResponderEliminarFicará para um destes dias.
Tenho uma amiga que escreveu muitas orações, ditadas pela mãe. Também já registei versos - quase sempre religiosos - que a minha mãe escreveu ou sabe de cor.
Concordo que, quanto aos resultados, não se sabe, mas que são património a preservar, acho que sim.
Bom domingo, Bea, com mimos bons a saber a domingo.
Os domingos, em geral, sabem-me a nada:). Mas é de há muito. Talvez os dias de nada também façam falta, não é Maria.
ResponderEliminarBoa tarde.
Às vezes, sabe-me muito bem saber que não tenho programa. Ontem também foi um dia assim. Como estava calor, ainda melhor me soube. Hoje, já não será assim, penso eu. Só espero é que o possa cumprir sem correrias.
EliminarUm dia a saber bem, Bea.
Boa tarde minha querida amiga Maria. Sou grato a Deus pois eu tive a oportunidade de conhecer os meus avós maternos e paternos. Impossível não lembrar do carinho de todos eles.
ResponderEliminarQue bom, Luiz. Nem toda a gente tem essa dádiva. E para mais deixaram boas recordações.
ResponderEliminarUm abraço, amigo Luiz.
Tão bom ter raízes, tão bom ter tido um avó a contar-nos histórias, tão bom ter boas recordações de infância...
ResponderEliminarObrigada, Justine.
ResponderEliminarSim, também acho, embora haja outras menos boas, é claro.
Um dia bom com bons momentos.
As histórias dos avós são sempre encantadoras...
ResponderEliminarBom resto de semana, amiga Maria Dolores.
Beijo.
Nem sempre, Jaime, mas, felizmente, também as há cheias de encanto.
ResponderEliminarAbraço e bom fim de tarde.
A minha mãe também rezava a Santa Bárbara.
ResponderEliminarTambém gostava muito dos meus avós paternos, mas vivia longe deles. Dos maternos, apenas tenho uma ligeira lembrança da minha avó. O meu avô não conheci. Morreu muito novo.
Gostei das histórias.
Beijinhos:))