O documentário que vi tem por título Pára-me
de repente o pensamento, do documentarista Jorge Pelicano. O título foi colhido de um poema de Ângelo de Lima,
poeta com textos publicados na revista ORPHEU - introdutora do Modernismo em Portugal (1915).
Ângelo de
Lima, poeta e pintor, esteve internado no hospital psiquiátrico de Conde Ferreira, no Porto,
onde o filme foi realizado.
Ao longo de uma hora e meia, ouvimos as conversas de alguns pacientes, enquanto passeiam na alameda do hospital. Uns riem, outros
esmiúçam o que sentem, o que pensam, o que veem, o
que aconselham...
Quase todos fumam, bebem café,
falam de si com a verdade atormentada da doença mas não loucura, como alguns fazem questão de lembrar.
Há diálogos de
pureza quase hilariante; outros que geram silêncios, outros que atingem as
profundezas da alma humana, seja ela considerada normal ou não.
E, neste contexto, surge um ator
- Miguel Borges . que se instala, por umas semanas, no hospital para preparar uma representação, com a colaboração dos pacientes daquela comunidade de saúde mental. Também fuma, também bebe café e sobretudo ouve muito mais do
que fala. E criam-se laços e empatias. O ator - o Miguel - ouve muitas histórias,
enquanto a chuva cai com grossa intensidade.
Era inverno. Estava frio e as camélias
aguentavam as fortes chuvadas.
Quando passar na VCI, ao lado do Centro Hospitalar Conde Ferreira (criado em 1883), lembrar-me-ei dos doentes que vi no filme, que vive(ra)m no edifício, que se apaixonam (como Rosa que está sempre ao lado do namorado, ainda que silenciosa), que sentem alegrias e tristezas, embora lhes "pare muitas vezes o pensamento", tal como referiu Ângelo de Lima no poema que é ensaiado nos pátios do hospital quando o céu abranda, o dia clareia e o ator acelera o movimento:
Pára-me de Repente o Pensamento
Pára-me de repente o pensamento
Como que de repente refreado
Na doida correria em que levado
Ia em busca da paz, do esquecimento...
Pára surpreso, escrutador, atento,
Como pára um cavalo alucinado
Ante um abismo súbito rasgado...
Pára e fica e demora-se um momento.
Pára e fica na doida correria...
Pára à beira do abismo e se demora
E mergulha na noite escura e fria
Um olhar de aço que essa noite explora...
Mas a espora da dor seu flanco estria
E ele galga e prossegue sob a espora.
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