quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Carta de amor aos meus ex-alunos


Não sabem como me custa passar à nossa antiga escola secundária e não reconhecer nenhum rosto de alunos.  Porém, muitos dos vossos continuam na minha memória e quero estimá-los sempre. Como um retrato que não perde a cor nem a beleza. Por isso, vos escrevo esta carta, esta carta de amor, sem medo de parecer ridícula.
Todos os anos, muitos de vocês chegavam e também partiam. Porque a vida não para nunca. Tal como os sonhos.
Os vossos primeiros passos eram quase sempre tímidos e inseguros por desconhecerem as salas, a reprografia, a cantina... Os rostos dos colegas, dos professores, dos funcionários também não eram familiares.
Depois, com o tempo, tudo se clarificava, embora algumas matérias continuassem muitas vezes obscuras. Nós, os professores, dizíamos que era por falta de estudo; vocês encontravam outras razões, não menos válidas.
E como eu gostava de ouvir a tirar dúvidas aos colegas, nos intervalos.  O prazer era infinito perante incontáveis talentos: para escrever, para dizer poesia, para representar, para aprofundar a ciência...
Vocês eram uma forte razão para a minha felicidade.
Quando cochichavam durante as aulas, bastava o meu olhar sério para interromper as conversas, mas só por alguns minutos. Eu imaginava que o assunto  era importante, com certeza, mas eu queria que o programa fosse cumprido e assimilado. Que todos estivessem atentos, como se fosse possível falar de um coletivo em tempo de legítima singularidade.
Nessas ocasiões, eu era a professora e a pessoa que sou em conflito entre o dever e a liberdade.  E reparava na rigidez imposta pelo espaço porque o vosso corpo não parava de crescer e as mesas mantinham-se quietas e baixas.
Como eu gostava de vocês, embora nem sempre tivesse a arte de arranjar tempo para vo-lo dizer tantas vezes como mereciam.
Vocês eram o meu público que eu não escolhia, mas que era o resultado de acasos felizes.  Nem sempre as palavras estavam em sintonia com os nossos desejos e atitudes. Como as fortes marés que, só com o passar do rio, se vão apaziguando.
Como eram radiosos os dias em que os laços humanos se ligavam, em que os interesses pelos saberes convergiam, em momentos de quase êxtase pelo valor da educação que dava mais sentido às nossas vidas.
Talvez fosse melhor tê-lo dito mais cedo, mas, antes que seja demasiado tarde, quero fazer-vos esta declaração:
Continuo a amar-vos, queridos ex-alunos. Não o sinto apenas quando passo à nossa antiga escola e vocês já lá não estão.
Vocês ensinaram-me a olhar a torrente da vida, aprendendo a navegá-la.

Um abraço de uma professora que gostaria de vos ver felizes e abraçados pela vida.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Presente


A música do jardim
vem das magnólias
e dos teus olhos.

Os nossos passos
afligem a terra
poeirenta.

Gaivotas saltam do rio
procurando lugares
onde nos sentamos
e que também ao céu
pertencem.

Ervas vivem deitadas
de tão percorridas
pelo amor que nelas pousa
ou que delas foge.

Abraça-me ao sol
da nossa alegria
sem passado.

Apenas o presente
do teu rosto
ao sol
ouvindo os sons do jardim
e do rio
que  não perturbam o silêncio
das magnólias
nem o ainda calor das nossas mãos.

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Conversa sem investigação

- Ele é fantástico no trabalho de investigação.
- Também és muito boa no trabalho que fazes.
- Não tem comparação. Ele é dos melhores cientistas nesta área.
- Não duvido, mas duvido que tenha de fazer tudo o que tu fazes!




sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Árvores floridas - cá e lá

Numa avenida de Rio Tinto - Gondomar (Obrigada, Dulce).
Numa rua, em West Hampstead, há dias e com muito sol.

Os pássaros de Brighton

Estive com a família em Brighton este fim de semana. Não conhecia esta cidade, junto ao mar, a sul de Londres.
Há poucos anos, uma ex-aluna escolheu-a para frequentar um curso de Matemática. As Universidades são conhecidas pelo bom trabalho que desenvolvem.
Os belos edifícios da marginal, muitos deles hotéis ou restaurantes, fazem lembrar um passado de prazer e de luxo.


Gostei de ver a praia de pequenas pedras - fazendo-me lembrar o filme  'Na praia de Chesil', baseado num livro de Ian McEwan - as esplanadas com mesas toscas de madeira, os passeios largos junto ao mar, as abundantes diversões para as crianças, o cheiro quente a crepes de chocolate, as pessoas descontraídas a caminhar (aparentemente) felizes...


E fascinaram-me sobremaneira os bandos coesos de andorinhas a dançar sobre o mar ao fim da tarde.


Havia muitos observadores que, perante o canto em rápido e circular movimento de tantas aves, esqueciam o frio, o vento e, tal qual como eu, não esqueceriam os pássaros de Brighton.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

CNL em Gondomar, uma homenagem a Agustina Bessa-Luís



Ontem, dia 28 de janeiro, realizou-se, no Auditório Municipal de Gondomar, a fase concelhia do Concurso Nacional de Leitura, destinada a alunos do 1º ciclo ao Secundário. O trabalho foi organizado pelo Pelouro da Educação da Câmara Municipal de Gondomar, pelos responsáveis das Bibliotecas Escolares e por muitos professores dos diferentes ciclos que motivaram e acompanharam os alunos. 
Também foi bonito ver encarregados de educação com os filhos. De facto, se a Autarquia e a Escola são muito importantes na promoção do gosto pela leitura, o estímulo em casa é fundamental. 
Este ano, a escritora Agustina Bessa-Luís foi a homenageada e alguns dos seus livros foram escolhidos para serem lidos pelos alunos.
1º ciclo - O Dourado
2º ciclo - Colar de Flores Bravias
3º ciclo - Vento, Areia e Amoras Bravas
Secundário - As Estações da Vida 


A partir de cada um destes livros - alguns cedidos pela filha da escritora - , os alunos responderam a questões por escrito (da parte da manhã); leram e interpretaram (da parte da tarde) a obra literária que lhes coube. Todos ficaram, com certeza, a aprender mais, apostando mais ainda, tanto nos pontos fortes como nos pontos mais fracos.
Ver crianças e jovens  a participarem num concurso de leitura, com entusiasmo, leva a acreditar ainda mais nas gerações mais novas. 
Porém, as coisas não acontecem por acaso e quando são envolvidas dezenas de alunos tem de haver uma organização ao pormenor, como foi o caso.


E o retrato de Agustina Bessa-Luís, em grandes dimensões,  estava no palco do Auditório, ao lado das cinco cadeiras ocupadas pelos alunos de cada ciclo e selecionados para a prova oral.
A pintura é da artista plástica Maria do Carmo Vieira que se tem dedicado ao retrato de escritores, para além de pintores e músicos. A pintora tem trabalhos que podem ser vistos em vários locais do país, como, por exemplo, um retrato de Miguel Torga, em S. Martinho de Anta.

E como o diálogo entre gerações é muito importante, a Universidade Senior de Gondomar esteve representada por duas professoras apresentadoras que também leram com muita força expressiva excertos de duas obras de Agustina - A Sibila e Joia de Família, acompanhadas à viola e ao violino por dois músicos da mesma instituição.

Foi, portanto, um dia de trabalho estimulante que, como muitos que acontecem e tantas vezes se desconhecem, vão (re)construindo o mundo que todos desejamos.


segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Paul Eluard : J'écris ton nom...

Didier Blin

“Liberté” - Paul Eluard

Sur mes cahiers d’écolier
Sur mon pupitre et les arbres
Sur le sable sur la neige
J’écris ton nom

Sur toutes les pages lues
Sur toutes les pages blanches
Pierre sang papier ou cendre
J’écris ton nom

Sur les images dorées
Sur les armes des guerriers
Sur la couronne des rois
J’écris ton nom

Sur la jungle et le désert
Sur les nids sur les genêts
Sur l’écho de mon enfance
J’écris ton nom

Sur les merveilles des nuits
Sur le pain blanc des journées
Sur les saisons fiancées
J’écris ton nom

Sur tous mes chiffons d’azur
Sur l’étang soleil moisi
Sur le lac lune vivante
J’écris ton nom

Sur les champs sur l’horizon
Sur les ailes des oiseaux
Et sur le moulin des ombres
J’écris ton nom

Sur chaque bouffée d’aurore
Sur la mer sur les bateaux
Sur la montagne démente
J’écris ton nom

Sur la mousse des nuages
Sur les sueurs de l’orage
Sur la pluie épaisse et fade
J’écris ton nom

Sur les formes scintillantes
Sur les cloches des couleurs
Sur la vérité physique
J’écris ton nom

Sur les sentiers éveillés
Sur les routes déployées
Sur les places qui débordent
J’écris ton nom

Sur la lampe qui s’allume
Sur la lampe qui s’éteint
Sur mes maisons réunies
J’écris ton nom

Sur le fruit coupé en deux
Du miroir et de ma chambre
Sur mon lit coquille vide
J’écris ton nom

Sur mon chien gourmand et tendre
Sur ses oreilles dressées
Sur sa patte maladroite
J’écris ton nom

Sur le tremplin de ma porte
Sur les objets familiers
Sur le flot du feu béni
J’écris ton nom

Sur toute chair accordée
Sur le front de mes amis
Sur chaque main qui se tend
J’écris ton nom

Sur la vitre des surprises
Sur les lèvres attentives
Bien au-dessus du silence
J’écris ton nom

Sur mes refuges détruits
Sur mes phares écroulés
Sur les murs de mon ennui
J’écris ton nom

Sur l’absence sans désir
Sur la solitude nue
Sur les marches de la mort
J’écris ton nom

Sur la santé revenue
Sur le risque disparu
Sur l’espoir sans souvenir
J’écris ton nom

Et par le pouvoir d’un mot
Je recommence ma vie
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer
Liberté

domingo, 26 de janeiro de 2020

Paisagens com céus e luzes dentro!

Obrigada, A.C., pelas belas fotos.





quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Os leitores e o cantor

Como de costume, chegaram as duas ao hospital. Na carteira, iam as fotocópias dos textos que levavam para partilhar com as pessoas internadas nos serviços continuados.
Um poema de J.P. Messeder sobre janeiro, uns provérbios também sobre este mês, umas quadras e a letra de 'Vamos cantar as janeiras', se o tempo desse e alguém pedisse para cantar.
Quem quer ler? A esta pergunta, como sempre, houve as mesmas respostas: gostava mas estou sem voz, não trouxe os óculos, não sei ler, não estou com disposição...
Mas também: 
Posso tentar, consigo ler sem óculos, sempre gostei de ler, quero ler porque é bonito...
Depois das leituras, lá estava ele a olhá-las com ternura. Por trás dele, via-se o sol e o céu porque a janela era larga.
Quer cantar? Gostávamos de o ouvir.
Sim, pode ser um fado de Coimbra.
E começou a cantar com a voz timbrada e macia, pronunciando muito bem as palavras.
No fim, houve aplausos e todos, mesmo os que não cantaram nem leram, ficaram com a cantiga e com as palavras a dar pequenos mimos à memória.


segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Para a sra Isabel dos Santos


Cinco quadras de António Aleixo

Acho uma moral ruim
trazer o vulgo enganado:
mandarem fazer assim
e eles fazerem assado.

Sou um dos membros malditos
dessa falsa sociedade
que, baseada nos mitos,
pode roubar à vontade.

Esses por quem não te interessas
produzem quanto consomes:
vivem das tuas promessas
ganhando o pão que tu comes.

Não me deem mais desgostos
porque sei raciocinar...
Só os burros estão dispostos
a sofrer sem protestar!

Esta mascarada enorme
com que o mundo nos aldraba,
dura enquanto o povo dorme,
Quando ele acordar, acaba.

domingo, 19 de janeiro de 2020

sábado, 18 de janeiro de 2020

Conversa com ou sem paisagem

- Vamos tomar um café?
- Onde sugeres?
- Há uma confeitaria bonita perto da estação.
- Não conheço, mas concordo. E fica perto.
- Não tem é paisagem.
- Não é preciso.
- Temos a das palavras e a nossa!



Não sou original, mas voto nas coisas simples e boas

Obrigada, Dulce, por esta foto do parque oriental da cidade do Porto.
Cada vez me convenço mais que pequenos pormenores agradam aos olhos e à alma.
E fazem-lhes tão bem.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

A menina grande

Andava no oitavo ano pela terceira vez. Mesmo ouvindo as matérias várias vezes, o rendimento era negativo. Ou melhor, nem sempre as ouvia porque faltava vezes sem conta. O corpo crescia e as ausências também. Quando vinha às aulas alguns dias seguidos, os professores e os colegas estranhavam. Como era maior do que todos os alunos da turma, chamavam-lhe a grande. 
A grande parece que encarreirou.
Vamos lá ver se ganha juízo.
Até quando virá à escola?
Mas não, não demorou muito a voltar a faltar. Porém, uns dias antes de uma sessão do Parlamento Jovem, pediu à professora dinamizadora que a deixasse assistir. Vinha uma deputada da Assembleia da República e o tema era a violência doméstica.
A professora disse-lhe que, para assistir, teria de estar inscrita e que, como andava a faltar, não o tinha feito. 
Ó setora, deixe-me vir. É muito importante. Nem durmo de noite a pensar nisso. Ó setora, preciso mesmo de vir.
Perante tanta insistência, a professora acabou por aceitar o pedido. E ia pensando por que razão queria ela participar se nada na escola lhe interessava. Seria pelo facto de a deputada ser muito conhecida? Se calhar. Só esperava era que não viesse para estar na conversa e perturbar a sessão. Talvez quisesse recolher imagens para o instagram...
No dia do debate, com tudo a postos e algumas câmaras de televisão no exterior do anfiteatro da escola, lá estava a grande, mais concentrada do que habitualmente, e sentada numa ponta para não tapar as vistas a quem estava atrás.
Depois da apresentação de argumentos dos diferentes grupos participantes, foi a vez de o público intervir. E foi quando a menina se levantou para dar o seu testemunho. Houve um sururu na sala. O que iria a grande dizer?
Com calma e seriedade, contou que vivia com os avós e tinha assistido muitas vezes a cenas de violência doméstica. Um dia, o avô deu facadas na avó e as marcas ficaram-lhe para sempre. Apesar das queixas e do tempo que a avó passou no hospital, nada tinha acontecido ao avô.
A sala ouvia-a atentamente. Com um discurso bem articulado, nem parecia a grande que faltava tantas vezes às aulas e parecia não levar nada a sério. E a mensagem dela foi tão clara e sentida que foi saudada com carinho por todos, incluindo a deputada.
A menina grande era, afinal, uma grande menina. 
Não sei se deixou de faltar à escola, mas a escola, afinal, tinha-lhe permitido dizer presente quando quem de direito muitas vezes se afastara.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Conversa (s)em sala de professores

- Sabias que os professores de línguas vão poder dar aulas de português?
- Não sabia, mas como vivemos numa aldeia global...
- Se calhar, é por isso que sei contar até 100 em alemão!
- Ainda te vão chamar para ensinares essa língua!!!!


Por falar em idade...

Obrigada, Manuel Maria, pela partilha deste vídeo - que faz lembrar os bailes de garagem, os gira-discos, os vinis...

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Finos recortes


Conversa com muita idade

- Que idade é que ela tem?
- Noventa e três anos.
- Já é uma idade bonita.
- Apesar de ela sentir que aumentam as dificuldades. Sobretudo físicas.
- Mas que é uma bonita idade, lá isso é.
- Também acho. Só é pena a vida ir impedindo de ver como a vida é bonita.



terça-feira, 14 de janeiro de 2020

'To love. To be loved'

“To love. To be loved. To never forget your own insignificance. To never get used to the unspeakable violence and the vulgar disparity of life around you. To seek joy in the saddest places. To pursue beauty to its lair. To never simplify what is complicated or complicate what is simple. To respect strength, never power. Above all, to watch. To try and understand. To never look away. And never, never to forget.”


 Arundhati Roy, The Cost of Living 

 

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Tiempo y silencio - Cesaria Evora & Pedro Guerra

Procurava uma outra música e encontrei esta de que gostei e que agora partilho. Também o título é inspirador.
Boa semana!

Conversa com teoria e prática

- Não conhecias esta tesoura de poda?
- Só teoricamente.
- Trabalhas na terra e nunca a usaste?
- Não, só a conhecia teoricamente.
- Achas que estes ramos ainda cabem no trator?
- Teoricamente, acho que sim.
- Então, vai levando estes mais grossos.
- Teoricamente, acho que cabe tudo.
- O pior é se o trator vira, o que não é nada prático!


sábado, 11 de janeiro de 2020

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Janvier

Postal enviado pelo Clube das Histórias


Frédéric Chopin - The Nocturnes [Maria João Pires]

Noturnos - perfeitos

A noite estava fria. Entrou em casa e sentiu um brando calor que a fez tirar o casaco. Contrariamente ao habitual, hoje ia deitar-se mais tarde. O clube dela ia jogar e também queria ver o Governo Sombra. Até lá, aproveitaria para ler. Parecia ouvir: mãe, quem gosta de escrever tem de ler muito. 
A partir de hoje, iria disciplinar-se mais e encharcar-se menos do ruído da televisão. Seria até um bom propósito de ano novo. Não podia consentir que Contos Escolhidos de Guy de Maupassant ou Berta Isla de Javier Marías continuassem no monte dos livros à espera de serem lidos. E a releitura da Sibila de Agustina ou de O Ano da Morte de Ricardo Reis. Para quando?
Pôs a girar os Noturnos de Chopin, tocados por Maria João Pires e ia sentar-se no sofá. O ambiente era quase perfeito para a leitura. E mais ainda seria com um cálice de Porto ao lado, mas a garrafa, infelizmente, tinha-se esvaziado à mesa de vários serões natalícios em família.
Afinal, faltava alguma coisa. Reduziu a luz e releu algumas páginas de O Ano da Morte de Ricardo Reis, enquanto o dia ia morrendo nos suaves braços Noturnos. Esses, sim, perfeitos.



O perfume

A casa tinha pó e a roupa das camas precisava de ser mudada. 
A empregada tinha chegado à idade da reforma e estava cansada e queria acompanhar mais o marido que sozinho entristecia com os dias tristes de inverno e queria ter mais mais tempo para si e não queria ter de cumprir tantos horários...
Mas tinha pena e se a senhora precisar, já sabe, venho de vez em quando, mas não todas as semanas e, muito menos, vários dias seguidos.
Sim, claro, não esquecia que sempre foram seus amigos e que a respeitavam, mas o trabalho era muito, porque a casa tinha quintal e jardim e uma cadela que espalhava o pelo por onde passava e sobretudo onde dormia.
Pressentia que a casa tinha pó e que a roupa das camas precisava de ser mudada, mas a decisão tinha sido partilhada e aceite.
Até sugeriu uma pessoa para a substituir. Muito séria. Nunca faltava. Muito trabalhadeira. E com menos idade e mais força.
Agora, tinha direito a descansar, a fazer mais longas caminhadas durante o dia e não apenas à noite, a ler alguns livros que lhe foram oferecidos.
Tinha saudades sobretudo da juventude, do vigor antigo, das pernas sem doer, mesmo que subisse ou descesse as escadas vezes sem fim, e da família que tinha visto crescer e da casa que aumentara e das pessoas que partiram... 
Hoje era o dia da primeira visita depois do adeus à casa onde tinha trabalhado várias décadas.
Tocou à campainha, trocou beijinhos, sentou-se no sofá como visita que era e já não a empregada que não queria deixar as coisas por fazer.
Com ela, raramente a casa tinha pó ou a roupa das camas demorava a ser mudada.
Quando saiu, olhou para o marido e pensou que estavam velhos, por isso abriria o perfume oferecido logo que chegasse a casa.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Como um rebuçado doce

Quando lhe estava a ser atribuído um grande prémio, um grande escritor leu o seu discurso que foi aromatizando com boas memórias do seu quotidiano também de menino.
E uma delas foi a comparação do prémio aos rebuçados doces que a avó lhe oferecia na infância. Vinham sempre embrulhados em papel de prata colorido e com uma fitinha a condizer.
Perante o sorriso empático do público, o grande escritor assumiu uma doce inocência, apesar de a idade e a obra serem bem maduras.
Esta peripécia fez-me pensar como, apesar da fama e reconhecimento de toda uma obra, o ser humano mantém as mesmas necessidades que outras pessoas a quem ninguém atribui vitórias. Todos têm necessidade de amor, traduzido em pequenos gestos, como receber chocolates com um sorriso carinhoso.
Também nesta história sucinta está a importância da presença de um avô ou de uma avó. Pessoalmente, não tenho grandes recordações porque os meus avós maternos morreram cedo e eu não os conheci. Dos meus avós paternos, recordo sobretudo os olhos marotos do meu avô que contava aventuras na travessia do rio Douro em dias de cheias ou tempestades. Também nos tranquilizava quando havia fortes trovoadas. Olhava o céu, fazia as suas previsões de acalmia e nós confiávamos nas suas palavras de bonança que ia chegar.
Da minha avó, lembro-me do chá escuro que ela fazia todas as tardes e que era bebido durante o folhetim da rádio, a que chamávamos Tide.
Não me lembro se púnhamos açúcar, mas sabia bem como um rebuçado doce.

domingo, 5 de janeiro de 2020

Provérbios de janeiro


  • A água de janeiro traz azeite ao olival, vinho ao lagar e palha ao palheiro.
  • A chuva de janeiro enche o celeiro.
  • A madeira para tua casa corta-se em janeiro.
  • Calças brancas em janeiro, sinal de pouco dinheiro.
  • Da flor de janeiro, ninguém enche o celeiro.
  • Em janeiro, saltinho de carneiro.
  • Em janeiro, sobe ao outeiro; se vires verdejar, põe-te a chorar, se vires nevar, põe-te a cantar.
  • Janeiro fora, cresce uma hora.
  • Janeiro geoso e fevereiro chuvoso fazem o ano formoso.
  • Janeiro molhado, se não cria o pão, cria o gado.
  • Janeiro quente traz o diabo no ventre.
  • Não há luar como o de janeiro nem amor como o primeiro.
  • O mês de agosto será gaiteiro, se for bonito o 1º de janeiro.
  • Pintainho de janeiro vai com a mãe ao poleiro.