Não
sabem como me custa passar à nossa antiga escola secundária e não reconhecer
nenhum rosto de alunos. Porém, muitos
dos vossos continuam na minha memória e quero estimá-los sempre. Como um
retrato que não perde a cor nem a beleza. Por isso, vos escrevo esta carta, esta
carta de amor, sem medo de parecer ridícula.
Todos
os anos, muitos de vocês chegavam e também partiam. Porque a vida não para
nunca. Tal como os sonhos.
Os vossos
primeiros passos eram quase sempre tímidos e inseguros por desconhecerem as
salas, a reprografia, a cantina... Os rostos dos colegas, dos professores, dos
funcionários também não eram familiares.
Depois,
com o tempo, tudo se clarificava, embora algumas matérias continuassem muitas
vezes obscuras. Nós, os professores, dizíamos que era por falta de estudo;
vocês encontravam outras razões, não menos válidas.
E
como eu gostava de ouvir a tirar dúvidas aos colegas, nos intervalos. O prazer era infinito perante incontáveis
talentos: para escrever, para dizer poesia, para representar, para aprofundar a
ciência...
Vocês
eram uma forte razão para a minha felicidade.
Quando
cochichavam durante as aulas, bastava o meu olhar sério para interromper as
conversas, mas só por alguns minutos. Eu imaginava que o assunto era importante, com certeza, mas eu queria que
o programa fosse cumprido e assimilado. Que todos estivessem atentos, como se
fosse possível falar de um coletivo em tempo de legítima singularidade.
Nessas
ocasiões, eu era a professora e a pessoa que sou em conflito entre o dever e a
liberdade. E reparava na rigidez imposta
pelo espaço porque o vosso corpo não parava de crescer e as mesas mantinham-se
quietas e baixas.
Como
eu gostava de vocês, embora nem sempre tivesse a arte de arranjar tempo para
vo-lo dizer tantas vezes como mereciam.
Vocês
eram o meu público que eu não escolhia, mas que era o resultado de acasos
felizes. Nem sempre as palavras estavam
em sintonia com os nossos desejos e atitudes. Como as fortes marés que, só com
o passar do rio, se vão apaziguando.
Como
eram radiosos os dias em que os laços humanos se ligavam, em que os interesses
pelos saberes convergiam, em momentos de quase êxtase pelo valor da educação que
dava mais sentido às nossas vidas.
Talvez
fosse melhor tê-lo dito mais cedo, mas, antes que seja demasiado tarde, quero
fazer-vos esta declaração:
Continuo
a amar-vos, queridos ex-alunos. Não o sinto apenas quando passo à nossa antiga escola
e vocês já lá não estão.
Vocês
ensinaram-me a olhar a torrente da vida, aprendendo a navegá-la.
Um abraço de uma
professora que gostaria de vos ver felizes e abraçados pela vida.
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