Andava no oitavo ano pela terceira vez. Mesmo ouvindo as matérias várias vezes, o rendimento era negativo. Ou melhor, nem sempre as ouvia porque faltava vezes sem conta. O corpo crescia e as ausências também. Quando vinha às aulas alguns dias seguidos, os professores e os colegas estranhavam. Como era maior do que todos os alunos da turma, chamavam-lhe a grande.
A grande parece que encarreirou.
Vamos lá ver se ganha juízo.
Até quando virá à escola?
Mas não, não demorou muito a voltar a faltar. Porém, uns dias antes de uma sessão do Parlamento Jovem, pediu à professora dinamizadora que a deixasse assistir. Vinha uma deputada da Assembleia da República e o tema era a violência doméstica.
A professora disse-lhe que, para assistir, teria de estar inscrita e que, como andava a faltar, não o tinha feito.
Ó setora, deixe-me vir. É muito importante. Nem durmo de noite a pensar nisso. Ó setora, preciso mesmo de vir.
Perante tanta insistência, a professora acabou por aceitar o pedido. E ia pensando por que razão queria ela participar se nada na escola lhe interessava. Seria pelo facto de a deputada ser muito conhecida? Se calhar. Só esperava era que não viesse para estar na conversa e perturbar a sessão. Talvez quisesse recolher imagens para o instagram...
No dia do debate, com tudo a postos e algumas câmaras de televisão no exterior do anfiteatro da escola, lá estava a grande, mais concentrada do que habitualmente, e sentada numa ponta para não tapar as vistas a quem estava atrás.
Depois da apresentação de argumentos dos diferentes grupos participantes, foi a vez de o público intervir. E foi quando a menina se levantou para dar o seu testemunho. Houve um sururu na sala. O que iria a grande dizer?
Com calma e seriedade, contou que vivia com os avós e tinha assistido muitas vezes a cenas de violência doméstica. Um dia, o avô deu facadas na avó e as marcas ficaram-lhe para sempre. Apesar das queixas e do tempo que a avó passou no hospital, nada tinha acontecido ao avô.
A sala ouvia-a atentamente. Com um discurso bem articulado, nem parecia a grande que faltava tantas vezes às aulas e parecia não levar nada a sério. E a mensagem dela foi tão clara e sentida que foi saudada com carinho por todos, incluindo a deputada.
A menina grande era, afinal, uma grande menina.
Não sei se deixou de faltar à escola, mas a escola, afinal, tinha-lhe permitido dizer presente quando quem de direito muitas vezes se afastara.
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