sexta-feira, 26 de abril de 2013

Abrir asas e voar



 
Tal como com outras raparigas, a minha autoconfiança à medida que ia crescendo praticamente não existia. Duvidava das minhas capacidades, tinha pouca fé no meu potencial e questionava o meu valor pessoal. Se tinha boas notas, acreditava que era apenas por sorte. Embora fizesse amigos com facilidade, preocupava-me que, uma vez que as pessoas me conhecessem, as amizades não perdurassem. E se as coisas corriam bem, pensava apenas que estava no sítio certo no momento certo. Rejeitava mesmo elogios e cumprimentos.

As escolhas que fiz refletiam a imagem que tinha de mim própria. Ainda adolescente, senti-me atraída por um homem com a mesma baixa estima. Apesar do seu temperamento violento e de um relacionamento extremamente complicado durante o namoro, decidi casar com ele. Ainda me lembro do meu pai a sussurrar-me ao ouvido antes de me acompanhar ao altar “Ainda não é tarde demais, Sue. Podes mudar de ideias. ” A minha família sabia o erro terrível que eu estava a cometer. Umas semanas depois, também eu.

A violência física durou vários meses. Sobrevivi a ferimentos graves, estava coberta de pisaduras a maior parte de tempo e tive que ser hospitalizada em inúmeras ocasiões. A minha vida tornou-se uma mancha obscura de sirenes da polícia, relatórios médicos e presenças da família nos tribunais. No entanto, eu voltava sempre para aquela relação, na esperança de que as coisas pudessem melhorar.

Depois das nossas duas meninas terem nascido, houve alturas em que tudo o que me ajudava a superar mais aquela noite era ter aqueles bracinhos rechonchudos à volta do meu pescoço, as bochechas gorduchas esmagadas contra as minhas e aquelas deliciosas vozinhas infantis a dizer “Está tudo bem, Mamã. Tudo vai ficar bem.” Mas eu sabia que não ia ficar bem. Tinha mudanças a fazer – se não por mim, pelo menos para proteger as minhas filhas.

Então algo aconteceu que me deu coragem para mudar. Consegui, no âmbito do meu trabalho, participar numa série de seminários sobre desenvolvimento profissional. Num deles,

uma oradora falou sobre “tornar os sonhos realidade”. O que era muito difícil para mim – até mesmo sonhar com um futuro melhor! Mas algo naquela mensagem me tocou.

Ela pediu-nos que tivéssemos em conta duas questões importantes: “Se pudessem ser, fazer, ou possuir algo, fosse ele o que fosse, sabendo à partida que seria impossível falhar, o que escolheriam? E se pudessem construir a vossa vida ideal, o que teriam a coragem de sonhar?” Naquele momento, a minha vida começou a mudar. Comecei a sonhar.

Imaginei-me a ter coragem de mudar com as crianças para um apartamento só nosso. Começar de novo! Visualizei uma vida melhor para as minhas filhas e para mim. Sonhei em ser uma oradora motivacional para poder inspirar as pessoas do mesmo modo que a orientadora do seminário me tinha inspirado. Vi-me a escrever a minha própria história para dar coragem a outros. Assim sendo, continuei a construir a imagem visual do meu novo sucesso. Visualizei-me a usar um fato muito profissional de cor vermelha, uma pasta de couro na mão e a apanhar um avião. E nisto já extrapolava bastante, uma vez que nessa altura não tinha sequer dinheiro para o fato…

No entanto, eu sabia que era importante preencher o meu sonho com detalhes alusivos aos meus cinco sentidos. Por isso, fui a uma loja de artigos em couro e pus-me ao espelho com uma pasta na mão. Como é que aquilo ficaria, como é que eu me sentiria? Qual seria o cheiro do couro? Experimentei alguns fatos vermelhos e até encontrei a imagem de uma mulher com um, transportando uma pasta e entrando num avião. Pendurei a imagem num sítio onde a pudesse ver todos os dias. Ajudava-me a manter o sonho vivo.

E rapidamente as mudanças chegaram.

Mudei-me com as crianças para um pequeno apartamento. Com apenas 77€ por semana, comíamos muita manteiga de amendoim e deslocávamo-nos num velho carro. Mas, pela primeira vez na vida, sentíamo-nos livres e em segurança. Eu empenhava-me ao máximo na minha carreira de vendedora, sempre concentrada no meu “sonho impossível.”

Então, um dia, atendi o telefone, e a voz do outro lado pediu-me que falasse na conferência anual da companhia a realizar em breve. Aceitei e o meu discurso foi um sucesso. Isto levou-me a uma série de promoções, e acabei coordenadora de vendas a nível nacional. Atualmente, promovo a minha própria equipa de oradores motivacionais e viajo por imensos países à volta do mundo. O meu “sonho impossível” tornou-se realidade!

Acredito que todo o sucesso começa quando abres as tuas ASAS – quando acreditas no teu valor, confias no teu íntimo, cuidas de ti, tens um objetivo e delineias uma estratégia pessoal. E, nesse momento, os sonhos impossíveis tornam-se realidade.



Sue Augustine

J. Canfield, M. V. Hansen, J. R. Hawthorne, M. Shimoff

Chicken Soup for the Woman’s Soul

Health Communications, 1996

(Tradução e adaptação)


quinta-feira, 25 de abril de 2013

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Saí à rua, claro!



Imagem da net 

 

Hoje, na despedida de uma aula, disse mais ou menos isto: meninos, um bom feriado e festejem a liberdade que o 25 de Abril nos trouxe. Nem imaginam o bem que é viver em liberdade. 
Um aluno perguntou então: a professora saiu à rua no primeiro 25 de abril? Respondi que sim, claro.

Saíram  todos da sala de aula e, enquanto punha os livros na pasta, ia recordando esse dia de abril de 1974.

Logo pela manhã, fui para as aulas na Faculdade de Letras do Porto. O curso de Românicas funcionava onde é atualmente o ICBAS. Viam-se muito poucas pessoas na rua e algumas ouviam o rádio portátil com muita atenção, tentando compreender todas as palavras. O Porto estava estranhamente varrido de movimento.

Uma revolta estava a acontecer em Lisboa e a queda do Governo estava para breve, ia-se dizendo de boca em boca.  
Depois de quase cinco décadas de fascismo, os mais velhos não sabiam se haviam de rir ou de chorar. Não estavam habituados à liberdade e tudo era religiosa incerteza. Os mais novos participavam da surpresa assustada.

Voltei para casa porque não haveria aulas. O sobressalto era enorme e aumentava a cada minuto.

À tarde, tu e eu atravessámos a ponte Luís I e fomos festejar numa rua de Gaia onde alguém falava da alegria que era a conquista da liberdade. Não me lembro do orador, mas era, com certeza, uma das poucas pessoas politizadas da época.

Ao fim da tarde, já havia muita gente nas ruas. Tinham-se aberto muitas portas à Liberdade, desabando muros negros de medo.  
Felizmente há Dias assim! 


terça-feira, 23 de abril de 2013

A VERDADE HISTÓRICA



                                                                                                                  (Apontamento - meu: 
                                                                                                                  Um belo poema 
                                                                                                             para ler devagar e ao sol! 
                                                                                                                  Pode ser na cozinha)
 
A minha filha partiu uma tigela

na cozinha.

E eu que me apetecia escrever

sobre o evento,

tive que pôr de lado inspiração e lápis,

pegar numa vassoura e varrer

a cozinha.


A cozinha varrida de tigela

ficou diferente da cozinha

de tigela intacta:

local propício a escavação e estudo,

curto mapa arqueológico

num futuro remoto.


Uma tigela de louça branca

com flores,

restos de cereais tratados

em embalagem estanque

espalhados pelo chão.


Não eram grãos de trigo de Pompeia,

mas eram respeitosos cereais

de qualquer forma.

E a tigela, mesmo não sendo da dinastia Ming,

mas das Caldas,

daqui a cinco ou dez mil anos

devia ter estatuto admirativo.


Mas a hecatombe

deu-se.

E escorregada de pequeninas mãos,

ficou esquecida de famas e proveitos,

varrida de vassouras e memorias.


Por mísero e cruel balde de lixo

azul

em plástico moderno

(indestrutível)



ANA LUÍSA AMARAL,

"Minha Senhora de Quê", Quetzal Editores, Lisboa, 1999

domingo, 21 de abril de 2013

O grito da mãe e a gaivota comilona



Para a Inês

Era uma manhã de sábado. Inês foi com a mãe e o pai ao jardim do Palácio de Cristal. A mãe de Inês ia encontrar-se com uma amiga que também viria com a mãe.
No Palácio de Cristal, havia umas barraquinhas com petiscos muito bons, caldo verde, docinhos variados e deliciosos. Tudo tinha sido feito pelas pessoas que estavam a vender com muita simpatia.
Pois bem, as pessoas compravam o que queriam comer e pousavam os pratinhos em cima de uma mesa muito comprida com uma toalha aos quadradinhos. O dia estava tão bonito que as pessoas iam chegando sempre e já não havia mesas livres.
Foi então que os pais da Inês e as amigas foram pondo os pratinhos em cima de um banco do grande jardim do Palácio. Enquanto uns escolhiam e pagavam os alimentos, os outros iam guardando o almoço que estava nos pratinhos.
Como cheirava muito bem, junto das pessoas havia gaivotas e uns patinhos também passaram, mas iam muito apressados para irem tomar banho nos lagos. Aconchegadinho a um ramo de uma árvore, estava um pavão com uma cauda muito comprida e bem esticadinha. Um bocadinho mais longe, havia outro pavão muito vaidoso. Abria as penas em leque para todos verem como era jeitoso e colorido.
As gaivotas eram muito bonitas mas um bocadinho indiscretas, porque aproximavam-se das pessoas e eram preciso dizer xô xô várias vezes  para que se afastassem. Parecia mesmo que o bico se aproximava dos alimentos para os levar num abrir e fechar de olhos.
E uma gaivota mais teimosa não se deixava convencer pelo xô xô e ia ficando sempre, andando de um lado para o outro, conforme lhe cheirasse melhor. Essa gaivota, que era muito comilona, e que podia ter o nome de gaivota-do bico-comprido, tinha deixado uma gaivotinha do outro lado do rio porque ainda mal sabia voar e a mãe tinha medo que ela se afogasse.
A gaivota começou a olhar a comida que estava sobre o banco, mas não lhe podia chegar porque ouvia sempre xô xô e uma mão a fazer o movimento de quem a mandava afastar.
De repente, o pai de Inês viu que havia um bocadinho da mesa livre e assim todos se podiam sentar, tendo onde pôr o prato sem segurar tudo na mão. Foram, então, buscar tudo ao banco do jardim onde tinham posto os pratinhos.
Todos transportaram os alimentos para a mesa. Quando a mãe da Inês vinha com os pratinhos nas duas mãos, a gaivota levantou as asas, aproximou-se do prato e zás que se faz tarde, deu uma bicada num rissol, prendeu-o bem e levantou alto voo a alta velocidade.
A mãe de Inês deu um grito, porque a gaivota não se tinha aproximado dela sozinha. Duas amigas tinham feito companhia à gaivota comilona, sobrevoando também o pratinho dos rissóis para que fosse mais fácil a missão.
Quando se sentaram à mesa, já sem o rissol, todos falaram da aventura. Bem no alto, no céu azul, passou uma gaivota e outra mais pequenina a voar mais devagarinho. 
A gaivota mais pequenina tinha atravessado o rio com a mãe para ver Inês a fazer passos de balet na beirinha de um lago, perto de muitas florzinhas brancas.
A gaivota comilona olhou para baixo e disse à filha gaivotinha: 

Vamos continuar a voar
porque o céu é muito bonito
Não quero voltar a assustar
A mãe de Inês que deu um grito!