sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Deitar à cara

 

Não gosto desta expressão. Então, estarão a perguntar: por que razão ficou no título? 

E têm razão. De facto, acho esta expressão fria, justiceira e cega por parte de quem a usa e põe em prática.

Tantas vezes tantos de nós se calam porque sabem que, mais tarde, palavras ditas sobre o assunto serão atiradas de mansinho ou em desdenhosa acusação. E, muitas vezes, quem as vai buscar e as atira como pedras esquece que se abriga em telhados de vidro muito fino.

Outra coisa que me custa ouvir é: 'sou frontal, digo o que penso'. E o pior é que quem o diz muitas vezes se ofende com as palavras dos outros, sejam elas cor de rosa ou cinzentas ou de outra cor qualquer.

Sem falsidade, ingenuidade ou hipocrisia, podíamos e devíamos ser mais justos e compreensivos uns com os outros. E aqui também me incluo, é claro. Há tanta coisa (que tenho) a aprender.

Se fôssemos olhando uns para os outros como gostamos de ser olhados, dava um certo jeito e, pelo menos, o nosso mund(inh)o passava a ser melhor e mais feliz. E o mundo maior podia melhorar também. 

E, se assim fosse, ao ver caras também se viam corações. 

 

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Carminho - Lágrimas do Céu - ao vivo

 
Nesta manhã de chuva, visitei o blogue Bem-vindo ao Paraíso e vi este fado cantado por Carminho.
Também o partilho agora. Obrigada, Isaura.
 
 

terça-feira, 17 de outubro de 2023

O copianço

 

Talvez por medo de ser apanhada em flagrante, não me lembro de ter copiado,  quando era estudante. Sempre achei que isso é incorreto, apesar de todas as influências a que ninguém é alheio.

No entanto - porque sou mais pecadora do que santa - lembro-me de num exame de francês ter levado  alguns verbos escritos a lápis muito fininho no dicionário que podíamos consultar. Seria uma pequena ajuda em caso de necessidade, porque sempre gostei da língua francesa e os resultados eram bons.

Antes do exame, os dicionários eram todos abertos e revistados pela professora vigilante. O meu coração ficou em suspenso no momento em que a professora o tomou nas mãos. Que alívio quando mo devolveu. O coração voltaria  a bater mais forte às lentas passagens  da professora por entre as mesas dos examinandos. 

Não me lembro de ter precisado de consultar ou copiar os tais verbos, e, naquele contexto, acho até que nem seria capaz de o fazer com medo de ser descoberta e chamada à atenção.

Outras táticas de copianço havia - e algumas bem engraçadas. Muitas já devem ter mudado, e outras introduzidas. Recordo-me de um aluno que levava gravata sempre que tinha testes ou exames, com copianço da parte de trás; de outro aluno, de braço engessado, com muitas assinaturas dos amigos e cábulas bem disfarçadas lá pelo meio, etc.

Para não falar dos irritantes textos - já como professora - que eram meras cópias tiradas da internet e entregues como se fossem um trabalho original.

Vem isto a propósito do caso recente, pelos vistos muito divulgado  nas redes sociais, de um diretor de escola/agrupamento que copiou e divulgou um documento de outro diretor também de escola/agrupamento, como se fosse ele o autor.

Quantos outros casos haverá nas mais diferentes instituições? Se alguém repara e acusa, quem copia ou plagia é apontado e desacreditado; se ninguém se apercebe, a prática mentirosa continua. Muita cópia se faz e muito plágio se pratica em textos que são assinados por alguém e, afinal, foram escritos por um alguém bem diferente.

Esta prática enganadora existe em muitos países e em Universidades bem conhecidas.

E o pior é que muitos dos adultos, quando são confrontados com isto, nem ficam atrapalhados como alguns adolescentes com receio de serem descobertos pelas cábulas, umas mais inocentes, outras mais descaradas. 

Mas, com estes exemplos de adultos com muitas responsabilidades, digo como dizia a minha avó paterna perante uma situação que lhe parecia de difícil resolução: É o caso!

 

domingo, 15 de outubro de 2023

Como vai ser o Natal este ano?

 

Hoje estive a terminar um conto de Natal para a habitual coletânea da Editora Lugar da Palavra. Também ando a fazer uns saquinhos em croché para uns presentinhos de Natal. 

Embora faltem uns dois meses, às vezes penso: Como vai ser o Natal este ano? 

E estou a falar em sentido restrito, próximo e familiar.

A minha família é grande e já foi necessária uma grande mesa para a consoada.

A mesa continua grande, mas os lugares à mesa foram diminuindo, pela lei da vida, pelo desconcerto da lei da vida; pelas novas famílias que também têm o direito de ver os seus à sua mesa, etc.

Fazer projetos de futuro, para muitos de nós que vivem em paz, ainda é natural,  embora das fragilidades humanas e inseguranças atuais ninguém escape.

Que sentido fará para muitos povos da Palestina, da Ucrânia, de Israel e de tantos outros países  falar-se de um evento daqui a dois meses? Seria até ultrajante, em muitos casos, quando no momento presente nem água há para beber.

Muita gente inocente nem saberá o que acontece uns segundos depois, quanto mais daqui a dois meses. 

A televisão, que tenho sem som, vai mostrando pessoas de todas as idades em fuga, muitos feridos, muitas explosões, etc

Os comentadores vão falando. Não oiço o que dizem. Fico pelas imagens e nem todas quero ver, sobretudo de crianças tristes a chorar ou em sofrimento.

Será que, daqui a dois meses, ainda vamos poder desejar um bom Natal?

 

sábado, 14 de outubro de 2023

PAZ! Tão desejada e tão necessária PAZ!

 

Vídeo enviado por uma amiga.

Obrigada, Ci.

 

E Lisboa não tão perto

 

Para avós que moram junto ao Porto, muitas vezes Lisboa fica longe. Muito longe.  Trezentos km para lá, outros tantos para cá, demora tempo e de correrias está o passado cheio.

Pois bem, três avós amigas foram a Lisboa dois dias. Uma boa escapadinha da rotina diária onde também cabe a cozinha.

De Campanhã ao Oriente, logo de manhã muito cedinho, no calmo comboio intercidades,  houve tempo para pôr em dia muito do nosso dia a dia. 

À chegada, que bom tomar um café num bonito Café do Vasco da Gama. E o pousar das malas no hotel e o entrar no programa já pensado: Palácio da Ajuda, MAAT e um concerto. Nem tudo cumprido, o que não é mau, quando o tempo passa com luz boa e boa disposição.

E houve também conversas imprevistas no táxi, conduzido por jovens brasileiros; no pequeno restaurante de Belém, cujo empregado lisboeta tinha a tatuagem de um dragão; o saborear do pastel - a que pouca gente resiste - num dos bancos à beira Tejo; as selfies sorridentes - não estivéssemos nós perto do Palácio Cor de Rosa!

Quanto ao Palácio da Ajuda, merece uma visita e não só as belas Joias da Coroa. É pena não haver táxis nem autocarros ali por perto. No largo (que poderia estar mais bem tratado) em frente ao belíssimo palácio, havia roupa a secar numa corda levantada por um simples pau, num toque curioso de aldeia.

Um pormenor da sala do trono no Palácio da Ajuda

E o descer até Belém, com o largo rio ao fundo, ajuda a ver  muito do trabalho que muita gente faz para que também muita gente se sinta mais feliz.

 

O anel de noivado de Joana Vasconcelos, no exterior do MAAT


 

Partilho um bocadinho do espetáculo de Hauser. Cantou-se, dançou-se, saiu-se de lá a sorrir, o que em tempo de tantas guerras também é importante.

Lince de Bordalo 2

E, depois de uma caminhada matinal, entrada na linha 5 na estação do Oriente (os painéis das linhas e horários estavam avariados e foi difícil obter informação!) para regresso ao Porto. É bem certo o lugar comum: cansadas mas felizes.

E foi também muito bom ler em mensagem de partilha de fotos: Mãe, tens de fazer isto mais vezes. 

Sim, o bom conselho vai ser seguido.

 

Daí a umas três horas, víamos o rio Douro e a belíssima imagem do casario que já avistámos milhares de vezes e que achámos sempre bela.

E o Porto (de novo) aqui tão perto.


 

terça-feira, 10 de outubro de 2023

Não, não voltaria lá!

 

Há mais de uma ou duas dezenas de anos, fiz algumas viagens longas e, felizmente, conheci alguns países em diferentes continentes. Nesse tempo, visitei Moscovo, na Rússia. Dessa cidade, ficaram-me na memória estações de comboio com tetos e candeeiros como se de belas e estimadas salas de palácio se tratasse. 

Também tenho bem presente a pressa das pessoas de rosto triste e fechado a subir as escadas rolantes dessas estações. Toda a gente se encostava à direita para que a esquerda ficasse livre e ninguém impedisse ninguém de as subir como queria ou precisava. As vozes e sorrisos que se ouviam eram sobretudo dos turistas em contraponto com o silêncio fechado dos locais.

Numa dessas estações, travámos conhecimento com um homem de meia idade, que se aproximou educadamente de nós. De barbas e estatura à José Milhazes, falava inglês e deu-nos informações úteis sobre o local, tal como procurávamos. Nesse tempo, ainda não dispúnhamos do telemóvel com o sr Google sempre com a resposta na ponta da página. O diálogo durou apenas alguns minutos e, no final, com o mesmo ar sério, triste e sem rodeios, pediu-nos dinheiro. Agradecemos a ajuda e demos-lhe uma gratificação. Concluímos que era a sua forma de ganhar a vida, porque os ordenados eram baixíssimos.

Hoje não iria a esse país de modo algum, tal como muita gente, julgo eu, pela instabilidade e tirania de quem o governa.

De facto, o mundo mudou tanto nos últimos anos que há destinos que eram um bom sonho e que agora são um mau pesadelo. Tal como acontece com Israel - aonde nunca fui - que se tornou cenário de terror. Indicar as razões cabe aos analistas, mas, a mim, mera espectadora de algumas notícias, choca-me ver tanta gente inocente morta ou em sofrimento, ou sentir o tormento de quem vive com insegurança e muito medo, como acontece em Israel e ainda mais na Palestina.

Tantas reuniões se fazem ao 'mais alto nível', tantas resoluções se tomam, tantos documentos se aprovam, e as guerras vão destruindo e matando sem dó nem piedade.

Neste cenário atual, não poder escolher alguns destinos para viajar não é nada  - mesmo nada - face à imensidão do terror de quem vive nos países em guerra e/ou onde não se respeitam os direitos humanos.


sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Um senhor arrogante tinha um restaurante...

 

Terminei assim o último post:

'Porém, nem tudo o que lá se passa (rua da Alegria) dá alegria, mas deixo isso para outra viagem'.

Então aqui vai o que hoje me surgiu. A viagem foi só pelas palavras para falar de uma peripécia que, por acaso, aconteceu e agora surgiu em verso.

 

Um senhor arrogante Tinha um restaurante E como se sentia mais e mais Ser arrogante Não lhe bastava

Por isso também era vaidoso Já que tinha muito e muito lhe sobrava Ele tinha uma preferência Pelas pessoas de referência Ou por quem aparecia Nos jornais ou televisão Ainda que dos primeiros Só costumasse ler os títulos E frente à outra adormecia No sofá bonacheirão A sua preferência recaía

Sobre executivos como clientes Famílias só as suas conhecidas E mesas só de mulheres Faziam-no ranger os dentes Acha que pouco sabem E nem um vinho caro escolhem Do que gosta e lhe dá lucro É mesma a mesa de homem E como se habituou À conversa masculina Mesmo a mais corriqueira Vendo um dia uma mesa no feminino Comentou com altivez Que é classe cabeleireira Pensando não ser ouvido

Sempre altivo e convencido Eis que uma das comensais Ouve o fraco comentário Do tal arrogante sujeito Que pensa ser o mais forte Até mesmo do que a morte 

Fugindo com o rabo à seringa Ele cala-se que nem petinga E fixa quem lá dentro o ajuda Com uma fúria confusa De quem não respeita os demais

  Mostrando que é um pequeno sinal menos

Mesmo que ele pense que é um grande sinal mais!

 

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

O táxi e o chocolate

 

Éramos três amigas a caminho de um almoço num restaurante um pouco afastado da estação de Campanhã, no Porto, onde nos encontrávamos.

Estava calor e resolvemos apanhar um táxi.

Duas de nós sentaram-se atrás e a mais divertida sentou-se à frente, ao lado do motorista que - disse-nos depois - mora nas Fontaínhas (onde se festeja o S. João - lembrou-nos, embora o soubéssemos bem).

Então, a amiga mais divertida logo travou conversa com o senhor que nos conduzia e que já conduzia na cidade há mais de quarenta anos. E foi quando, entre sorrisos,  veio à baila o anúncio e a frase chic da senhora chic: 'Ambrósio, apetecia-me tomar algo'.

O senhor do táxi, simpático, educado e comunicativo, abriu a tampa ao seu lado e tirou de lá um chocolate. Que lhe sabe bem um bocadinho de vez em quando. E que se mantém fresco, como gosta, pelo ar condicionado.

Com boa disposição pela partilha destes pequenos prazeres e boas palavras, chegámos ao destino, desejando-lhe também um bom almoço. 

Seria em casa, como sempre, onde a mulher o esperava. E ainda houve tempo para o ouvirmos dizer que em jovem havia sido estafeta na cidade e que nesse tempo passava as notas a ferro para guardar o dinheiro direitinho. 

O momento havia sido doce e alegre. E, por coincidência, estávamos na rua da Alegria. 

(Porém, nem tudo o que lá se passa dá alegria, mas deixo isso para outra viagem).

 

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Campainha

 

Quando eu era miúda, a minha mãe dizia-nos, a mim e aos meus irmãos, muitas vezes: não é para tocar à campainha. A advertência vinha a propósito de alguma coisa nova que se comprava, alguma notícia que era sobretudo nossa, etc. qualquer coisa que ela entendia não ser para contar a ninguém.

Não sei se foi por isso, mas tenho alguns pruridos em falar de mim num círculo mais alargado, ainda que a minha vida seja comum e anónima.

No entanto, aprecio muitas vezes a coragem de quem fala sobre si com inteireza, verdade e confiança, não para se vangloriar nem prejudicar seja quem for, mas porque o quer dizer, consciente de que o que diz não é motivo para se arrepender mais tarde nem é desabafo inocente que não interessa a ninguém e que apenas introduz ruído.

Com certas coisas que oiço dos outros também procuro ser cuidadosa, não reproduzindo muito do que ouvi, se o assunto é delicado, mesmo que não me tenham pedido segredo. Tenho medo de ouvir: foste dizer... contaste... não era para se saber ...

Fico atrapalhadíssima só de o pensar porque já me aconteceu uma vez ou outra e o que senti foi horrível. Devem ser resquícios do conselho que tantas vezes ouvi na minha infância, sentindo que não estive à altura de o cumprir: não é para tocar à campainha!

Por falar nisso, desculpem, estão a tocar à campainha.

 

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

'Nunca te cales, filha'!

 
 
Hoje, quando acordei, liguei a televisão e fui parar à Sic Mulher. Não sei que programa era, mas a conversa que ouvi fez-me logo abraçar o dia. Muito bom quando é assim. 
A entrevistadora era discreta, fazia perguntas curtas, certeiras e a entrevistada - Celina da Piedade - enchia o ecrã. E não era pelo seu corpo volumoso, mas pela simpatia, pelo gosto de viver, pelas coisas, aparentemente simples mas belas, que dizia e contava.
Retive algumas: reconhecimento pelo apoio dos pais. E recordou - com o bonito sorriso no rosto também bonito - o conselho que o pai lhe dava repetidamente: Nunca te cales, filha!
E falou da música e da vontade mais antiga de fazer carreira internacional mas que deu lugar ao querer viver e trabalhar num mundo mais limitado onde se sente muito bem e sabe que é precisa: para cantar, para tocar, para ajudar os outros que lhe estão próximos, etc.
E lamentou uma coisa que acontece com muita frequência: encontrar um amigo e dizer ou ouvir dizer que temos de combinar um café, não passando de promessa, porque muitas pessoas estão cada vez mais separadas.
E como gostei de a ouvir dizer que trabalha muito mas que também é preguiçosa, que gosta muito de ler e de fazer tricot ou crochet. 
Obrigada, Celina, por teres aberto uma bonita e útil janela logo pela manhã. 
Não sei se lá fora voam andorinhas, mas basta ouvir-te para as encontrar.
 

 

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Feliz

 

 

O apelido era Feliz, mas, se bem me lembro, raramente a vi feliz. Tinha muitos filhos - pelas minhas contas, eram sete - e as infelicidades caíam-lhes em cima com frequência. Pelas mãos ossudas e magras da mãe. 

O que valia era a rua onde passavam muito tempo e podiam correr o arco, jogar ao pião, lançar papagaios de papel, saltar à corda, etc. Aí, sim, eram felizes e ninguém lhes batia. Também que ninguém se atrevesse, a menos que quisesse ser retribuído da mesma ou pior forma.

Quando chegavam a casa é que era pior. Vinham sujos e esfomeados da brincadeira e a mãe enfurecia-se porque tinha esfregado o chão, de joelhos e com mais esmero do que sabão amarelo, e eles vinham estragar tudo. E o apelido lá se ia pela água abaixo.

Não é que não gostasse dos filhos e que não zelasse pela saúde deles, mas que sujassem a casa e tirassem as coisas do lugar enervava-a e trazia-lhe à cabeça o caos que vinha da sua infância. E tenho eu a alcunha de Feliz, raisparta - dizia para si própria!

A casa está agora em ruínas. Amontoadas, tal qual foram caindo, pedras, bocados de cimento ou cacos variados contam bocados das histórias por lá vividas. Restos da casa em que cada um gostaria de ter sido mais feliz e não apenas de nome. 

 

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Mimo também é quando a pessoa quiser!

 

MIMOS DE JUNHO foi o último livro da coleção MIMOS DE..., da Mimos e Livros. É uma coletânea que vai contemplando todos os meses e em que sempre tenho participado.

Desta vez, o tema era junho e dediquei o texto à minha irmã. Possa ela sorrir.

 



A minha irmã

 

Nasceu quando junho se abria.

Costumávamos trocar presentes nos aniversários, frequentemente livros. Oferecia-me quase sempre um de que tinha gostado, receando, porém, que eu não apreciasse -  parda e persistente presença do fantasma do desamor.

Lia muito. Alimentava por si boa cultura literária, com alicerces nas estantes romanescas do nosso pai.

Como então era comum, o destino da maioria das raparigas seria tratar do marido, da casa e dos filhos. Contudo, livros, filmes, media que, ao longo da vida, selecionava criteriosamente, revelavam outras dimensões da vida.

O que mais a desassossegava era o medo de perder ou ver sofrer as pessoas que mais amava.

A leitura e a arte eram refúgio para muitas inquietações. E as poucas viagens possíveis. Paris representava, ainda que breves, a felicidade e a perfeição.

Também bordava sobre o linho, com cores e linhas sempre organizadas, como toda a casa.

Recordo-lhe a voz frágil e o cabelo encaracolado - grisalho, quando já muito doente, retendo brilho e beleza.

A minha irmã faz-me falta. Pela proximidade de idades e de visão do mundo.

Como lamento não termos trocado mais felizes e confiantes abraços - a que não fomos habituadas. O tempo não semeava afetos. Nem a coragem de os cultivar.

Junho floresce e quero sorrir, naturalmente, de irmã para irmã. Estou certa de que vai ver e sorrir também.

Como se nos oferecêssemos um livro bom e houvesse futuro.

 

Ainda vem longe o Natal, mas...



Enquanto vejo ou oiço programas de que gosto, vou tecendo pequenos presentes.

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Sozinha em casa

 

Há uns tempos a esta parte, tento despojar-me de algumas coisas que não utilizo nunca e que podem ter utilidade para outras pessoas. Vejo o meu guarda-fatos e chego à conclusão que tenho bastante que vestir podendo variar. Portanto, para quê comprar e acumular, se não há necessidade?

Embora espere e deseje continuar a viver, vou pensando em situações de pessoas que morrem e deixam imensas e variadas coisas que não usavam e que vão dar muito trabalho a quem as tem de arrumar ou distribuir.

Pois bem, mas isto não condiz com o título que escolhi, embora tenha um bocadinho, sobretudo quando tenho o dia por minha conta. E como gosto de ter o dia por minha conta! Sem programa. Sem obrigações. Sem cumprimento de horários. Será egoísmo ou culpabilidade que se entranha e deixa marcas para sempre?

Quando estou sozinha em casa, arrumo umas coisas, outras ficam para depois (embora me pareça sempre ouvir a minha mãe dizer que sabemos como se sai, mas nunca como se entra!). E tenho tempo para olhar com mais atenção para as coisas, encontrando algumas sem qualquer história nem utilidade. Nesse caso, arranjo-lhes um destino mais útil. Também reutilizo outras, dando-lhes mais vida e visibilidade.

E que bom que é o silêncio da casa por umas poucas ou longas horas, ainda que muita coisa que também faça, tal como muita gente, sobretudo mulheres, seja a pensar nos que amamos e que vão chegar, que nos esperam, que nos chamaram, que precisam de nós, etc.

Por falar nisso, vou arranjar dióspiros, uns para congelar, outros para a sobremesa, mas, por enquanto, estou sozinha em casa, escrevo (-vos), oiço um carro de vez em quando a passar na rua, olho o canário que era da minha mãe no pequeno baloiço, vejo a mesa do pequeno almoço ainda por arrumar, o bilhete com as coisas que vou comprar no supermercado, bebo um pouco de café... Tudo tão simples e tão bom. 

Estou a ser egoísta, mas sabe bem sê-lo quando se está sozinha ou sozinho em casa por vontade ou gosto próprios. E não por tanta e frequente solidão imposta. 

 

domingo, 17 de setembro de 2023

A menina que quer ser professora

 

Há muito tempo, havia bastantes jovens - sobretudo raparigas - que diziam querer ser professores. E diziam-no com um brilhozinho nos olhos. Algumas vezes tive a alegria de o ouvir e ainda mais quando tiravam o curso e começavam a dar aulas (fui colega de alguns ex-alunos!).

Essa vontade de ser professor foi diminuindo ao longo do tempo - julgo eu. Será que ainda se vai a tempo de a recuperar? Oxalá que sim.

Há pouco, soube que uma estudante do último ano do secundário quer ingressar na Escola Superior de Educação e ser professora no futuro. Quando a avó fala do assunto, vê-se que a alegria e o orgulho são grandes. A jovem é uma rapariga aberta a este tempo globalizado, boa aluna, gosta de ler, vai a eventos culturais, desfruta com respeito dos bens da natureza, etc. 

Que bom, diz quem ouve, a Escola precisa tanto de jovens, porque o envelhecimento da classe docente é notório. 

Sei de alunos que dizem que os professores da turma são todos velhos, embora em muitos casos se tenha de relativizar porque, quando se é muito novo, toda a gente que tem mais uns vinte ou trinta anos já é considerado velho.

Mas todos vemos, ouvimos e sabemos que muitos professores estão à beira da reforma e que não há outros docentes em número suficiente para os substituir. Oxalá que exemplos, como o da menina que quer ser professora, possam motivar mais jovens para a carreira docente.

No entanto, não defendo que só os jovens têm a força, o saber e o entusiasmo necessários ao trabalho educativo. Muitos professores mostram-no no dia a dia, apesar da idade mais avançada, de todos os cansaços e problemas atuais - tantas vezes já antigos.

O ideal - ainda se pode falar em ideal? - será que mais jovens e menos jovens trabalhem em comum e juntem, com verdade e confiante serenidade, saberes necessários às crianças e jovens em idade escolar.

Parabéns e felicidades, M., menina que quer ser professora. 

 

sábado, 16 de setembro de 2023

Pessimista versus otimista

 

Não me lembro de ouvir falar tanto de Educação como agora, mas, quase sempre, por más, embora pertinentes razões: falta de professores, anos de trabalho que o Estado não pagou, etc. Os Sindicatos, como é atribuição sua, fazem-se ouvir, barafustam, criticam, apresentam propostas, etc. E, atualmente, perante o que dizem ser teimosia do governo, decretam greves - demasiado frequentes, na minha opinião.

Os rostos que mais aparecem nos media - pelo menos os que vejo mais, embora existam outros como o da Fne - são os de Mário Nogueira, da Fenprof, e de André Pestana, do Stop. Quanto ao primeiro, acho que está há demasiados anos - desde 2007 - à frente desse Sindicato; quanto ao segundo, acho-o demasiado efervescente para a função.

Existem outros problemas nas escolas - e um deles é a burocracia - mas  são pouco referidos. Por outro lado, há boas práticas que nunca são relevadas, porque o que é evidenciado são sobretudo os problemas, nomeadamente o não pagamento de serviço prestado. E este é o principal motivo para a convocação das frequentes greves. Também sou de opinião que quem trabalha deve ser remunerado, mas o ruído às vezes é tanto que já cansa muitas pessoas - incluindo bastantes professores - e os motivos das greves às vezes nem são ouvidos por quem não é professor. E muitos docentes não as fazem porque o ordenado não é grande e assim ainda é menor.

Quanto a esses dois dirigentes bastante mediáticos, André Pestana parece ter surgido a correr e de forma súbita com a sua mochila de papéis tantas vezes desarrumados e nervosos; Mário Nogueira, por sua vez, está no cargo desde 2007 e teria trabalhado como docente uma dezena de anos. Muito tempo à frente de um Sindicato. Demasiado tempo. O desgaste pelo tempo não perdoa.

A experiência acumulada pode ter vantagens, mas traz uma habituação que não é vantajosa para o grupo a defender. Podem até ser justos muitos dos seus argumentos, mas vão deixando de ser ouvidos, para além do cansaço que a imagem provoca.

Discordo cada vez mais do prolongamento em demasia em quaisquer cargos públicos de chefia, como se detivessem para si esse ónus a que se habituaram, muitas vezes para manutenção do poder e de regalias, embora não ponha em causa muito do trabalho realizado.

Será que os professores vão ser ressarcidos do tempo de serviço não pago e as greves vão abrandar? Neste contexto, não creio.

Será que outros problemas das escolas vão sendo resolvidos? Neste caso, sou um pouco mais otimista. Pode ser que a Educação ganhe mais relevância, como será necessário.

 

terça-feira, 12 de setembro de 2023

'Hoje é o primeiro dia...'

 


Hoje, não há televisão, rádio ou jornal que não fale do regresso às aulas. Da alegria de muitas crianças e jovens, da preocupação dos pais, do aumento de preço do material escolar, das novas greves prometidas pelos sindicatos de professores, dos apelos do ministro da Educação, etc.

Desde que deixei a escola - pública -, contacto com frequência com colegas e amigos com quem trabalhei, prolongando-se, felizmente, boas e grandes amizades. Assim, vou sentindo o pulsar da escola, onde cabem muitas alegrias, algumas esperanças mas também desilusões e frequentes cansaços.

É impossível não me recordar de tantos recomeços do ano letivo, em que a sala de aula se enchia de adolescentes; uns, felizes e curiosos pelas novas matérias que iam aprender e quase todos pelo reencontro com os colegas. 

Os comportamentos também eram diferentes. Alguns - sobretudo raparigas - sentavam-se nas filas da frente, outros quase corriam para as filas de trás. E, de repente, a sala enchia-se. E vinham as boas-vindas e algum receio, mais ou menos disfarçado, de não conseguir corresponder aos sonhos daqueles jovens: uns mais seguros do que outros, porque as suas histórias de vida também eram todas diferentes. As reuniões com os pais confirmavam-no.

Quando se sentavam, logo as mesas se enchiam de mochilas - um bom truque para esconder o telemóvel. E, com palavras mais ou menos doces, as mochilas lá desocupavam as mesas.

Muitas vezes dou comigo a pensar em momentos felizes na escola em que entre mim e os alunos se criava a empatia necessária para que o crescimento humano e de saberes acontecesse. Porém, casos houve em que poderia ter agido com mais segurança e descontração. 

Às vezes, perguntam-me se tenho saudades da escola e nem sei bem o que responder e começo por dizer que não sinto falta nenhuma  das crescentes burocracias, mas, sim, às vezes sinto falta dos alunos na sala de aula, da aberta alegria das visitas de estudo, do entusiasmo de alguns projetos, da ajuda competente nas novas tecnologias, do olá dentro e fora da escola, etc

Se fosse agora, tentava fazer melhor em muitas coisas. Se conseguisse, muito bem; se não pudesse, viesse, pelo menos, a confiante serenidade de dizer: 'Hoje é o primeiro dia...'


quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Quem não se lembra dos primeiros dias de aulas?

 

 

Enviado pelo Clube das histórias

Desculpem, mas setembro chegou.

 

Bom dia!

Há muito tempo que não abro esta minha janela, embora os dias fossem correndo com bastante normalidade.

Também não tenho aberto os outros blogues onde encontro sempre coisas de que gosto.

Não é que vos tenha feito falta, com certeza, nem nada parou por causa da minha ausência aqui e durante este tempo. Seja como for, para mim, é muito importante sentir este ar fresco e bom que me vem de saber que vou ao encontro de pessoas amigas, embora nunca nos tenhamos sentado à mesma mesa.

Agora que setembro chegou, que as regas e afazeres familiares abrandaram um bocadinho, espero ser mais assídua.

Que o setembro traga para todos algum descanso, que as notícias sejam menos tenebrosas, que as crises climáticas não matem pessoas e natureza, que o calor humano cresça em vez das temperaturas, etc.

Ah, e tenho um propósito: caminhar um pouco todos os dias para conservar a saúde. Vou procurar cumprir.

Assim se cumpram outras e muito mais importantes prioridades do nosso país.

Um abraço.