quarta-feira, 17 de junho de 2020

Gosto de cidades assim

Pequenas, acolhedoras, com gente que se cruza na rua e se conhece.
Com esplanadas, com lojas antigas, outras mais modernas, mas todas higienizadas.
Com livrarias como nas grandes cidades.
Com mar ao fundo, como não se encontra em qualquer cidade.
Com pedacinhos de cor e bom humor...


Tudo isto vi hoje em Espinho.

Não falo das obras que me fizeram andar às voltas.
Possam, quando estiveram prontas, fazer com que se diga:
- Gosto de cidades assim. 

 

Árvore(s) com maresia

Espinho - hoje

terça-feira, 16 de junho de 2020

A máquina de escrever


Há dias, ouvi na rádio uns jovens
a louvar as virtudes do uso da máquina de escrever.
Achei estranho porque dispõem, com certeza, de outras ferramentas bem mais expeditas.
Estavam interessados noutras competências da máquina de escrever,
como a dimensão lúdica.


Lembrei-me então da minha velhinha máquina de escrever e revisitei-a.
Limpei-lhe o pó e pu-la numa prateleira onde não estorvasse, mas onde também não se estragasse. Gosto de preservar certos objetos que fazem parte da minha memória.
Contudo, não tenho nenhuma vontade de a reutilizar, apesar de nela ter feito muitas fichas de trabalho, testes, relatórios e ter escrito alguns pequenos textos (nesse tempo, escrevia-os sobretudo à mão e também guardo os caderninhos).

Ao escrever na máquina, era muito difícil corrigir os erros ou fazer alterações. A borracha, azul, dura e redonda, era uma boa ajuda, mas desastrada pelas manchas que deixava e pelos estragos que causava no papel.
Muitas folhas se estragavam quando havia enganos e, quantas vezes, o trabalho tinha de ser todo reescrito.
O tempo que se perdia, os nervos que se ganhavam.
Bendito computador para, perante o texto, poder avançar, retroceder, apagar, gravar, mudar, retomar, retocar, corrigir...

Por isso, velha máquina de escrever,
gosto de te saber elogiada,
mas repousa na prateleira 
sossegadamente!
Porque, confesso, não me deixam saudades
esses tempos de antigamente!

Prefiro o computador
que ajuda em tantas ações!
Até para os sonetos de amor,
se ele o conhecesse,
seria a opção de Camões!


segunda-feira, 15 de junho de 2020

Mudam-se os tempos, persistem incompreensões!





'Não podemos olhar para o lado...'

Postal enviado pelo Clube de Histórias

domingo, 14 de junho de 2020

Conversa na rua com carinho a rimar

- Então, como vão os seus doentes?
- Vão indo, obrigada. Tanto o meu marido como o meu filho têm apetite e é o que lhes vale.
- Que bom!
- O médico diz que assim aguentam melhor os tratamentos.
- Pois, com certeza.
- E sabes que só querem a minha comida?
- Pois, comidinha boa e caseira sabe sempre bem.
- Vou fazer 84 anos e graças a Deus ainda posso fazer o comerzinho como eles gostam.
- As melhoras e muita saúde para si.
- Bem preciso. Pelo menos para continuar a fazer o comerzinho!
Ao menos o comerzinho como eles gostam.


sábado, 13 de junho de 2020

O solitário da rua e Variações


Não sou muito de arraiais, mas este ano tinha pensado ir dar um pezinho de dança. E beber uns copos. E viver uns momentos descontraídos. A vida são dois dias, carago! Sei de amigos que também queriam ir.

Tive vontade de ir este ano às festas dos santos populares, logo quando não há arraiais por causa da pandemia. Se calhar, sou como o Variações: 'só estou bem onde não estou'.

Ontem à noite, estive quase para sair na mesma e passar por sítios onde nestas datas costuma haver música pimba, dança, fogareiros com sardinha assada a fumegar, bandeirinhas coloridas quase a tocar as nossas cabeças já um pouco à roda, etc.

Não, não teria piada nenhuma o passeio e pra mais a chuva veio ajudar à festa, ou melhor, à falta dela.
Seria um passeio de solitário ainda mais solitário.

Decidi ficar em casa. Havia bola, embora não fosse o meu clube a jogar. Mas sempre era bola e houve muito tempo de jejum de ver o esférico a rolar, como diziam alguns comentadores mais pomposos.
Quando me sentei para ver o jogo, comecei a ouvir música alta na casa ao lado. E, coincidência, era o Variações.

Tal como acontecia comigo, o clube do vizinho não era mesmo nenhum dos que entravam em campo.

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Ó meu rico Santo António!


Comprei uma saia de roda
Para ir ao arraial
Mas tudo foi cancelado
Pela distância social
 
Ai que triste pandemia
Como chuva ou orvalhada
Levou o fogo e as brasas
Da bela sardinha assada

As bandeiras e os balões
Alegram-me o pensamento
Não o tapa esta máscara
Do nosso confinamento

Ó meu rico santo António
Vê se encontras maneira
De eu poder rir e chorar
Sem ter na cara a viseira


Já usei sabão e gel
Pra tudo desinfetar
Fica então sossegadinho
Sem sair do teu altar

Mas para o ano que vem
Vou pôr a saia rodada
Pode ser que a vacina
Já tenha sido inventada!



quinta-feira, 11 de junho de 2020

O vídeo com histórias dentro


 Fazia voluntariado num hospital. Os destinatários eram idosos em cuidados continuados.
Veio a pandemia que fechou muitas portas e abriu algumas janelas.
Um vídeo substituiria as presenças mensais.
E nele entraram poemas, provérbios... 
Textos curtos com um pouco de verão. 
E também duas pequenas histórias. Também sem esquecer que há verão.

A árvore de todos
Era uma vez uma janela por onde entrava a luz do dia logo que o sol se levantava. Perto da janela, costumava sentar-se uma senhora sempre que podia. Via tantas coisas bonitas lá fora. Via árvores, a rua, as pessoas a passar, às vezes devagar outras vezes a correr... Era muito divertido.
Um dia, reparou que a árvore mais próxima tinha muitos pássaros que não paravam de cantar. E começou a recordar o tempo em que era menina e as andorinhas faziam ninhos nos beirais.
Como era verão, a árvore tinha os ramos muito verdes e muitos abundantes. Para se lembrar da árvore assim bonita, resolveu fazer um desenho e os amigos ajudaram com entusiasmo, porque também gostavam de desenhar. A árvore passou então a ser a árvore de todos e a  parede da sala de convívio ficou ainda mais bonita.
Ao ver o resultado, um dos senhores sugeriu que desenhassem a janela. Felizmente, os dias de verão eram mais longos.

A senhora que gostava de ler para os outros
Era uma vez uma senhora que tinha um sorriso muito bonito e uns olhos que brilhavam com alegria de viver. Aproveitava sempre os bons momentos para partilhar o gosto por ler histórias, poemas, textos pequeninos mas bonitos.
Um dia, chegou-lhe às mãos uma pequena cartolina com a história da cigarra e da formiga. Ficou muito contente porque já tinha contado muitas vezes aquela história de que gostava muito e onde sempre encontrava coisas diferentes.
E começou a lembrar-se de algumas situações felizes em que tinha ouvido ou contado a história.
Antes de adormecer, como a noite era de verão, começou a ouvir cantar as cigarras. Que coincidência tão boa. E adormeceu mais tranquila.

terça-feira, 9 de junho de 2020

Tanta coisa que arde sem se ver

Andava com aquela ideia na cabeça há muito tempo. Ia-se tornando obsessão. Tinha de arrumar armários, gavetas e desfazer-se de algumas coisas porque não queria dar trabalho aos filhos quando morresse. Muito que fazer já tinham eles. Como tinham casa montada, quase de certeza que não queriam aqueles móveis. E muito menos o recheio. Por eles, até podia ser, mas elas, as noras, tinham gostos bem diferentes e já lhes adivinhava a reação.
Um dia, quis dar-lhes umas toalhas e colchas de renda que tinha feito em muitos muitos serões e muitas tardes mais livres. Elas disseram logo que as toalhas aceitavam, mas que as colchas nem pensar. Eram pesadas e frias.
Lembrou-se que poderia oferecê-las quando houvesse festas ou feiras da paróquia. Não, o melhor seria não esperar tanto tempo, porque o teimoso vírus anda por aí e por isso não haverá festas tão cedo. 
Se calhar, o melhor era não ter feito tanta coisa e ter feito outras coisas, concluía agora.
Se caísse numa cama, seria logo criticada pela acumulação de coisas. E pela  desarrumação, o que tornaria também mais difícil a venda da casa no futuro.
Ninguém lhe tirava aquela ideia da cabeça, embora não a comunicasse a ninguém.
Tinha de pôr mãos à obra quanto antes. 
Começou pelo armário da sala. Tirou tudo lá de dentro e encontrou, lá no fundo, a vela vermelha que guardava há muitos anos. 
E se a acendesse? Tinha tão boas recordações daquela vela que iluminara vários jantarinhos sossegados e íntimos. Voltou a pô-la em cima da mesa e acendeu-a com os fósforos que foi buscar à cozinha, antes de a vizinha a ter chamado.
E foi a vizinha que, de repente, sentiu o cheiro a queimado. 
A vela tinha tombado e chegado o fogo aos panos e toalhas de renda saídos do armário.
Ela, inconsolável, só dizia, enquanto despejava nervosamente a água sobre a mesa: se ao menos fossem as colchas!

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Às vezes ri, às vezes chora...

Elas eram três. Três irmãs. Tinham tido muitos irmãos. Que se foram ausentando. Que se foram aproximando. Que foram morrendo. 
A velha casa, onde todos nasceram e cresceram, foi enfraquecendo como qualquer ser humano que vai precisando de ajuda.
Por isso, a casa foi sendo cuidada e reparada e protegida...
E ainda mais quando só ficaram as três irmãs. Muito mais novas do que a casa, mas que na casa foram envelhecendo.
E como a vida na terra não é eterna, ficaram duas. E pelo mesmo motivo, ficou só uma. A que era mais forte, apesar do corpo frágil. E que passou a não ter força para se pôr de pé sozinha. E que passou a precisar de ajuda quando era ela que sempre ajudava. Para que nada faltasse à casa e a quem nela vivia.
A cama, junto a uma janela, conserva a mesma cortina de linho. Da janela vê o céu. E os campos. E as outras casas antigas da aldeia que foi ficando cada vez mais só, triste e abandonada. E as casas altas da vila lá ao longe.
Não se queixa de nada, dizem que é resiliente ou que tem momentos de demência.
Âs vezes, levanta a cabeça que o corpo não ajuda a segurar. Às vezes ri, às vezes chora...
Ainda tem tanta coisa para recordar!

sábado, 6 de junho de 2020

Afinal, havia outra coisa!

Hoje levantei-me cedo. Como já tenho dito, vamo-nos tornando como as nossas mães. A minha sempre se levantava cedo e muitas vezes era para fazer o que quero fazer agora de manhã e pela fresca (gosto muito desta expressão): regar as plantas.
Pois, as plantas precisam de água. Tal como nós quando temos sede.
Abri a janela. Senti o ar frio. Gosto do ar frio logo pela manhã.
Posso regar um bocadinho mais tarde, pensei.
Bem perto, estava o tablet. Vou só escrever umas notas. Breves.
E aqui estou.
Na rua, passa um carro só de vez em quando. E quem passa a pé deve passar sozinho porque não oiço vozes.
E sabe-me bem o momento.
Bem, tenho de ir regar as plantas.
Ao meu lado, está um livro de contos que ando a ler.
E se lesse apenas um?
Não, fica para depois. As plantas estão à espera.
No seu silêncio, como o desta hora da manhã.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Boas maresias!

Postal enviado pelo Clube das Histórias

'Todo jardim...'

Postal enviado pelo Clube das Histórias

'Todo jardim começa com uma história de amor, antes que qualquer árvore seja plantada ou um lago construído é preciso que eles tenham nascido dentro da alma. Quem não planta jardim por dentro não planta jardins por fora e nem passeia por eles…'

Ruben Alves

quinta-feira, 4 de junho de 2020

'Lágrima da Preta'

Manuel Freire:

'Lágrima de preta'

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

               António Gedeão

Precisamos todos de respirar

Os Estados Unidos estão a ferro e fogo. A pandemia abriu uma crise social imensa. A morte de George Floyd, sufocado pelo joelho de um polícia, desencadeou um mar de protestos e de violência que foi alastrando a diferentes cidades. O presidente do país, por sua vez, não faz mais que dividir para reinar.
Chovem os apelos, incluindo do Papa Francisco, contra o racismo  Este existe  nos Estados Unidos mas também na Europa e Portugal  não é exceção.
O discurso prepotente e de ódio vai-se instalando em muitos países e em muitos dirigentes políticos. E em muitas outras áreas.
O poder político e económico pode ser muito, mas, apesar disso, cada homem e cada mulher são mortais. E ao ver pessoas, como Trump, sem qualquer empatia face aos problemas dos outros, e com a arrogante e obsessiva ganância do poder, parece que o direito a respirar só a alguns pertence.
'Não posso respirar' repetia George Floyd durante os minutos em que o joelho do polícia carregava sobre o seu pescoço.
George Floyd era negro e o polícia era branco. E os polícias presentes, também brancos, também nada fizeram para que o homem, negro, pudesse respirar. Em poucos minutos, Floyd morreu sufocado, porque, se não puder respirar, qualquer pessoa morre. 
E muitos mais casos idênticos parece já ter havido.
Desta vez, o crime foi filmado.

quarta-feira, 3 de junho de 2020

Lugares comuns

Comecei a arrumar os livros da estante. Tantos que ainda não li! Ainda os lerei? É difícil saber mas que gostava gostava. Vou pô-los de maneira a olhar para eles com mais frequência. 
Como a estante tem duas filas, atrás vou pôr os que já li ou que não tenho vontade de ler.
Os livros são objetos que não dispenso, embora não os guarde todos. Uma casa sem livros é como uma despensa vazia. Ou um jardim sem flores nem verdura. Mas os livros por si só não chegam. Têm de assistir a boas histórias quotidianas e não só guardá-las nas suas páginas.

Quando faço arrumações, apetece-me sempre despachar coisas. Gosto cada vez mais de ver espaços onde se possa estar e circular. Umas coisas ofereço, outras reutilizo ou ponho-as para reciclar.
Por que é que, ao longo da nossa vida, juntamos tantas coisas que não fazem falta?

Há muito muito tempo, conheci um casal que tinha inúmeros pequenos adornos em casa. Não havia móvel algum que não estivesse repleto. Todos os objetos tinham uma história que contavam com grande apego e ternura.
Ao longo de muitos anos, foram acumulando bibelôs, e, à falta de espaço, muitos estavam guardados em caixas.
Não sei se as caixas ainda lá estarão. O mais certo é não haver tempo para tantas histórias nem espaço para tanto adorno. Para não falar da impossibilidade de limpar tanto pó.

terça-feira, 2 de junho de 2020

A mesma flor para diferentes cores e nomes

Podemos chamar-lhes hidrângeas, hortênsias, hidranjas...





A escolha dos nomes


 
Que bom não nos chamarmos Procópia! 

Havia um pai que era amante de poesia com rimas. Antes do nascimento da terceira filha foi pensando no nome que rimasse com o das irmãs. Como tinha de rimar, pensou em Rosa, mas era muito curto e, confrontado com o das manas, podia parecer demasiado breve e gerador de conflitos ou ciúmes.
Na Maternidade, logo que a menina nasceu, o pai foi com as duas filhas – Generosa e Formosa – visitá-la e à mãe que já não sabia o que fazer porque a bebé chorava, chorava com a boquinha muito aberta e as maçãzinhas do rosto muito vermelhas. As meninas estavam muito caladas, sem saberem o que fazer ou dizer. Foi então que Generosa se aproximou da irmã, esfregando o dedinho indicador no polegar, como sempre fazia antes de tocar na pele macia e delicada de um bebé. Disse-lhe a mãe: “Podes fazer festas à maninha, querida. Pode ser que deixe até de chorar tanto”. E a pequena Generosa assim fez. Não sei se por cansaço ou pelo carinho acrescido, a recém-nascida sossegou. E foi então que Formosa, que gostava de imitar as palavras da mãe, exclamou: “Que mimosa!”. E logo o pai disse: “Encontrei o nome!” E Mimosa  ficou porque rimava com o das irmãs.
Mas a menina mais velha chamar-se Generosa também tem a sua história.
A madrinha chamava-se Procópia e queria à viva força que a afilhada tivesse o seu nome.
Os pais pediram muita desculpa, mas não podiam aceitar. Gostavam muito de D. Procópia, mas tinha de compreender que não era nome de bebé.
 “Pronto, tudo bem, a menina não se chama Procópia como eu, mas, então, tem de se chamar Generosa, porque é o que sou ao aceitar que não fique com o meu nome". E assim a menina ficou Generosa, nome pronunciado bem alto pela robusta madrinha junto da pia do batismo.
A segunda menina, até nascer, não tinha nome. Na tarde em que a menina viu a luz do dia, a médica obstetra pegou nela, voltou-a para a claridade da janela e exclamou: “Que formosa que ela é”. Pronto, estava encontrado o nome: Formosa. E rimava com o da irmã.
E que mais posso dizer eu? Apenas que as meninas cresceram generosas, formosas e mimosas. 
Todos os professores diziam que eram atentas, simpáticas e gostavam de aprender. Porém, as três manifestavam uma reação estranha: recusavam-se a decorar rimas e esquemas rimáticos!!!