sábado, 17 de agosto de 2013

“Meu querido mês de agosto”




Cada vez me convenço mais de uma coisa simples: muitos prazeres estão nas coisas simples e, sem eles, a vida perderia muito do seu encanto.  O mês de agosto (quando se pode ter férias, é claro!) pode ser um tempo luminoso: estar mais disponível para ouvir e falar; fazer caminhadas na areia molhada; saborear um arroz de peixe ou sardinhas na brasa; ler um livro, captando melhor os pormenores da história e dos afetos; olhar a natureza com mais atenção; partilhar energias e vontade de ser e fazer cada vez melhor…


Há dias, vi uma senhora numa esplanada. Já a conheço há bastantes anos. É umas das presenças frequentes do (meu) verão à beira-mar. Ela gosta muito de falar. De um ano para o outro, vão-se contando as novidades. Sentada à mesa da esplanada, apenas sorria a quem passava – para que a pessoa com quem ela estava pudesse continuar a ler o livro. Não sei se estou a ser demasiado crente, mas vi no gesto uma prova de amor (se calhar, estou influenciada por um livro que ando a ler de Valter Hugo-Mãe).

Observar muito do que se passa à nossa volta também dá cor aos dias, tornando-os ainda mais visíveis.


Não acredito que se possa ser constantemente feliz, mas que bom é viver momentos felizes. Em agosto (quando é possível ter férias, volto eu a dizer), se tal acontece, apetece mesmo dizer: “Meu querido mês de agosto”!







 

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Cores de (um) fim de tarde




quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Sete versus dezassete



Hoje, fui à escola para ver os resultados dos meus alunos do 12º ano que fizeram o exame da 2ª fase.

Fiquei contente, porque quase todos subiram a nota a Português. Digo “quase todos” porque um pequeno grupo não o conseguiu, apesar de dele fazerem parte alunos exemplares pelo estudo, pela atenção na aula, pela participação, pela atenção constante aos trabalhos escolares…

Quando assim é, temos pena, claro que temos pena e, em muitos casos, pode afirmar-se: ele/ela sabia para mais. No entanto, esse desabafo de pouco vale e o que conta mesmo é a nota que consta da pauta.

Também me prendeu a atenção o caso de um aluno que tinha tirado sete valores na primeira fase e, no exame de julho, obteve dezassete valores. Voltei a olhar. Acompanhei a linha com a ponta do dedo para confirmar que não havia engano.

Ocorreram-me, então, algumas questões:
- O que testam os exames?
- O que faz com que um aluno consiga subir dez valores de uma prova para outra, se se reitera que o grau de dificuldade das provas é idêntico?
- Na classificação das provas, interfere também o trabalho do corretor?

A prova da primeira fase continha, pelo menos, duas questões cuja formulação era ambígua. Na segunda fase, tal não ocorreu, de facto, mas continuou-se com a prática de o exame abordar apenas dois conteúdos literários quando são lecionados, ao longo do ano, mais do triplo.
O tema da composição, nesta segunda fase, era a “Fraternidade no mundo atual”. Embora pertinente, e também do ponto de vista formativo, é um tema que, apresentado deste modo, leva/levou, facilmente, à redação de textos de notória superficialidade.

Como professora, fiquei contente com algumas classificações e, neste caso, com o dezassete. Mas, se o aluno teve agora dezassete valores, por que razão só conseguiu sete na primeira fase, realizada no período de mais ou menos um mês?
Oxalá tenha sido porque houve mais estudo - sem a interferência da sorte ou do azar.


quarta-feira, 31 de julho de 2013

Afixação improvável


Histórias de verão - A Suzaninha





A Suzaninha vinha com a mãe, todos os verões, há muitos muitos anos, para a mesma praia do Norte e ocupavam sempre a mesma barraca. Logo de manhã, o banheiro trazia um grande saco, onde havia uma manta, para a Suzaninha e a mãe se estenderem ao sol ou se aconchegarem dentro da barraca, um pequeno cobertor para a Suzaninha se cobrir nas manhãs de nevoeiro, duas cadeiras de dobrar, um saco com os brinquedos de Suzaninha: baldinhos, forminhas, pazinhas, duas bonecas para se entreter quando a areia estivesse muito fria ou muito quente. A Suzaninha também queria trazer um livro de histórias, mas a mãe de Suzaninha dizia que era melhor não, porque ela, a mãe de Suzaninha, tinha de descansar a cabeça e acabar a colcha de crochet. É que a Suzaninha gostava que a mãe lhe lesse histórias.

Na praia, havia muitos meninos  e, como eram meninos, brincavam despreocupadamente. Suzaninha, sempre que podia, aproximava-se, mas nenhum dos meninos a chamava porque sabiam que ouviriam logo a mãe de Suzaninha:

- Suzaninha, anda buscar o chapéu. Suzaninha, anda pôr creme. Suzaninha, sai do sol. Suzaninha, não corras tanto. Suzaninha, anda mudar o maillô que esse está molhado e constipas. Suzaninha, olha que ele é mau…

Mas a Suzaninha queria brincar porque a Suzaninha era, como os outros meninos, uma criança. A mãe de Suzaninha preferia vê-la por perto, porque assim estava mais descansada e podia acabar mais uma roseta para a colcha de crochet.

Ora, a Suzaninha punha-se a olhar os meninos a brincar e era como se estivesse no meio deles. Fazia “ai!” quando algum caía, ria-se quando achava graça à brincadeira, batia palmas ao vencedor do jogo das pedrinhas ou do prego…

E isto acontecia quase todos os dias ao longo de um longo mês.

Uma manhã, a Suzaninha chegou à praia com a mãe e estendeu-se o ritual: desdobrar a manta, abrir as cadeiras,  desatar o saco dos brinquedos; pegar na agulha e no novelo;  destapar a lancheira: Suzaninha, come uma banana; Suzaninha, queres a bola de Berlim? Suzaninha, bebe o sumo…

A mãe já sentada com o seu crochet no regaço, Suzaninha bem perto e segura, os meninos retomavam a sua brincadeira, fazendo um círculo na areia. Montavam um castelo com areia molhada. Suzaninha ia seguindo a construção. Pegou numa pá de plástico azul, como se lá estivesse, para poder participar.

Suzaninha, para ver melhor, pôs-se de pé, atrás da mãe, apoiando as mãozitas nos seus ombros.  De repente, o castelo desmoronou-se e Suzaninha, com a emoção e talvez como reação ou repentino reflexo, deu com a pá no ombro da mãe.

A mãe de Suzaninha disse: ó Suzaninha, sabes o que fizeste? Venho para a praia por tua causa, para teres saúde durante o ano, e dás-me com a pá?

Suzaninha nem sabia o que dizer e só queria olhar a construção.

Suzaninha passou o resto da manhã, de castigo, dentro da barraca. Adormeceu no cobertor e sonhou que subiu, livremente, a um castelo, com os outros meninos.




terça-feira, 30 de julho de 2013

Histórias de verão - O bikini de uma só peça


Corriam os anos sessenta. Nas praias da Foz, no Porto, só as jovens mais ousadas usavam fato de banho. O bikini nem vê-lo, porque era proibido. Se houvesse tal ousadia, surgiria logo o Cabo do Mar, com a sua farda branca e azul, a repor a ordem e os bons costumes.

 Nunca era dito, porque o tempo era de pouca folgação, mas o Cabo do Mar não deveria desgostar da função, porque, enquanto mostrava as leis por a mais bê, o seu olhar também se comprazia.

Ora, um dia, uma jovem cheia de vida, que gostava de enfrentar as ondas e muitas marés, apareceu na praia com um bikini preto. Quase logo, apareceu, compenetrado, o Cabo do Mar que dela se abeirou. Como uma cena de um filme a preto e branco, ela saiu da praia acompanhada pelo zeloso Cabo do Mar e durante a tarde não foi vista na praia.

No dia seguinte, chegou logo de manhã. Trazia o mesmo bikini, mas com uma rede, que ela própria tinha tecido, a unir as duas peças. Tal como num filme, mas desta vez bem sonoro, atirou-se à água para não perder a boa onda.

domingo, 28 de julho de 2013

Abrandamento


Já marcou as férias, professora?
No Natal e na Páscoa, o termo é outro: interrupção das atividades letivas (apesar de muitas pessoas acharem que os professoras têm muitas férias durante o ano).
Mas deixemos isso, porque o tempo é de abrandamento.
É tempo, portanto,
De ter de andar mais a pé.
De ter de ler os livros que comprei e que não li.
De ter de acabar de ler os artigos que ficaram amontoados.
De ter de ler mais sobre os autores dos programas.
De ter de falar mais vezes com os meus familiares idosos e doentes.
De ter de telefonar à vizinha que teve um acidente e que deve ter pensado que a ignorei.
De ter de ter tempo para olhar a Natureza.
De ter de escrever mais, sem a culpabilidade de estar a “roubar” tempo a outras tarefas.
….
Falo eu de abrandamento e só me ocorreu a pressão do ter de. Assim, em vez de abrandamento poderá é haver descarrilamento, o que não quero de forma alguma!

Não, eu quero mesmo que haja abrandamento. Pôr em prática uma expressão antiga e deliciosa: andar do meu vagar.
Depois de um ano letivo com o stress acrescido de ter anos de exame a nível nacional; de ter turmas com alunos que são verdadeiros heróis e outros tantos que, pelas mais variadas razões, não aprenderam a vontade de o ser; de trabalhar numa escola “refundada”, mas sem internet em muitas salas; dos toques inexoráveis (ia dizendo irrevogáveis, o que até seria bom – com o novo sentido da palavra) das campainhas; de ver o ano terminar com greves que achei justas; de corrigir quase uma centena de provas de exame, querendo fazer bem o trabalho mas sem certas certezas; olhar a pauta com os resultados dos meus alunos e sentir (quase) o que se sente quando se recebe um resultado médico;…

Sim, vou substituir o “ter de” pelo verbo “ poder” ou “tentar”, mas sempre do meu vagar.
     Porque tenho de saber que o o tempo pode ser de abrandamento!


sexta-feira, 26 de julho de 2013

Rio D(e)ouro




terça-feira, 23 de julho de 2013

Fraternidade(s)



12h - Uma professora dirige-se a uma mesa onde estão quatro colegas a corrigir exames. Partilha com elas bolachas de canela.

16 h - Entro numa perfumaria. A funcionária dá a cheirar diferentes perfumes a uma cliente. Espero pela minha vez. No ar misturam-se aromas. A cliente continua em busca do perfume perfeito. Dois adolescentes, que brincavam no exterior, aproximam-se. Ela dá-lhes a cheirar o branco papelinho perfumado. Os miúdos ficam indiferentes e saem de novo.

Começo a olhar à minha volta em busca de algum produto que me chame a atenção. Sem nada comprar, a cliente sai, levando atrás de si os adolescentes,

A funcionária pergunta-me: "em que posso ajudar".

Queria um perfume para homem, respondo eu. Pergunta até quanto quero gastar, se tenho preferência por alguma marca, que idade tem o destinatário. Respondo às perguntas. Ela estica o braço e pega em duas caixas. Pousa-as no balcão e diz, como se tivesse mesmo de o dizer: "olhe que lhe mostrei uns quinze perfumes. E, no fim, disse-me apenas que tinha ficado com uma ideia. Realmente, muitas pessoas só pensam nelas próprias!” 

17 h - Visito a minha mãe. Está no quintal e as galinhas estão à solta. Trago-lhe o perfume que me pediu para o aniversário do meu pai. Diz-me, apontando um banco: filha, senta-te aqui, não te vás já embora. Fico. Chega o meu pai. Senta-se também. Reparo que, sem querermos, formamos um triângulo.

19 h – Vou ao supermercado. Uma cliente tem muitos sacos. Tem de os levar todos nas mãos. A cliente seguinte ajuda-a a pôr na mão as asas de alguns sacos. Presenciando o ato, pensei que, apesar da simplicidade, o gesto devia ter sabido tão bem como as bolachas com canela ou o tempo sentado no quintal de família.


domingo, 21 de julho de 2013

Fraternidade

Amadeu Sousa Cardozo
Não me dói nada meu particular.
Peno cilícios da comunidade.
Água dum rio doce, entrei no mar
E salguei-me no sal da imensidade.

Dei o sossego às ondas
Da multidão.
E agora tenho chagas
No coração
E uma angústia secreta.

Mas não podia, lírico poeta,
Ficar, de avena, a exercitar o ouvido,
Longe do mundo e longe do ruído.

Miguel Torga, in 'Cântico do Homem'