sábado, 10 de dezembro de 2011

Na hora de pôr a mesa...


na hora de pôr a mesa, éramos cinco:

o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs

e eu. depois, a minha irmã mais velha

casou-se. depois, a minha irmã mais nova

casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,

na hora de pôr a mesa, somos cinco,

menos a minha irmã mais velha que está

na casa dela, menos a minha irmã mais

nova que está na casa dela, menos o meu

pai, menos a minha mãe viúva. cada um

deles é um lugar vazio nesta mesa onde

como sozinho. mas irão estar sempre aqui.

na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.

enquanto um de nós estiver vivo, seremos

sempre cinco.

José Luís Peixoto, in "A Criança em Ruínas"

Postais

Fiquei motivada a realizá-los pela 
participação no Ateliê de Artes da ESG

Presépio iluminado

Vi-o em casa amiga.
As figuras, o musgo, os carreirinhos ... 
 lembraram-me presépios da minha infância.


quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Depois do adeus


Em busca da luz


Ilusão de ótica


Moeda


S/Cem palavras

Ela passou junto de um sem-abrigo numa zona turística do Porto. Era velho, desdentado, cabelo grisalho. Ele fitou-a com olhos esbugalhados, sorriso de quem não está habituado a pedir esmola, dizendo:
- Uma moeda porque hoje é o dia da Mãe.
Ela olhou-o e sorriu. Podia ser filha dele!
Tirou o porta-moedas e deu-lhe uma moeda.
Ele agradeceu e desejou-lhe um bom dia. Para ela que devia ser mãe. Ele não, não tinha filhos. Para quê? Tinha tido vinte e um irmãos. Pena era ter de viver só.
Guardou a moeda. Tinha vinte. Faltava uma para se levantar dali.

Mãe

Vem ouvir a minha cabeça contar histórias ricas que ainda não viajei! Traz tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue verdadeiro, encarnado!

Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça!

Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.

Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me ao teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.

Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero ter um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.


Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!

Poema e pintura de Almada Negreiros (1893-1970)

Ontem...

..., ao fim da tarde, num ateliê de escrita, em Serralves, falou-se e escreveu-se sobre o outro eu que há em nós.
De facto, às vezes, admiramo-nos com as nossas próprias reações: de coragem, de fraqueza, de agressividade, de compaixão...
Por isso, tive vontade de procurar e partilhar alguns poemas sobre o tema.


À noite, vi o último filme de Almodóvar: "A pele que habito" - com António Bandeiras.
Neste  filme, de grande violência, surge um tema que julgo ser recorrente na obra deste cineasta: a mãe.


E, durante muitos anos, no dia 8 de dezembro, era comemorado o Dia da Mãe.
Recorri, de novo, às palavras sábias de um poeta - que consolam/desconsolam por lembrarem que nem sempre temos tempo para nos abeirarmos da voz da nossa mãe. 
Apesar de estar sempre em nós.


Estou além

Não consigo dominar
Este estado de ansiedade
A pressa de chegar
P'ra não chegar tarde
Não sei de que é que eu fujo
Será desta solidão
Mas porque é que eu recuso
Quem quer dar-me a mão
Vou continuar a procurar a quem eu me quero dar
Porque até aqui eu só
Quero quem
Quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem não conheci
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem não conheci
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca vi
Esta insatisfação
Não consigo compreender
Sempre esta sensação
Que estou a perder
Tenho pressa de sair
Quero sentir ao chegar
Vontade de partir
P'ra outro lugar
Vou continuar a procurar o meu mundo, o meu lugar
Porque até aqui eu só
Estou bem
Aonde não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou
Porque eu só quero ir
Aonde eu não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou


António Variações


Identidade

 Preciso ser um outro
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem inseto

Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço


Mia Couto, in Raiz de Orvalho e Outros Poemas

Viagem

  É o vento que me leva.
O vento lusitano.
É este sopro humano
Universal
Que enfuna a inquietação de Portugal.
É esta fúria de loucura mansa
Que tudo alcança
Sem alcançar.
Que vai de céu em céu,
De mar em mar,
Até nunca chegar.
E esta tentação de me encontrar
Mais rico de amargura
Nas pausas da ventura
De me procurar...

Miguel Torga, in 'Diário XII'

"Eu não sou eu nem sou o outro"


"Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro."


Mário de Sá-Carneiro

Outono

Trabalho de Catarina Rocha (aluna da ESG)

Distância


Aproximação


Beleza azeda


Feições da natureza


domingo, 4 de dezembro de 2011

Bom domingo!

Hoje, logo pela manhã, abri a janela e vi o cinzento das nuvens e o molhado do chão. Nada mau para quem está a pensar ficar em casa (que me desculpe quem tem de sair e preferia um sol radioso).

E resolvi pôr música para ir ouvindo na casa. Numa manhã assim, Chopin, tocado ao piano por Maria João Pires, vinha mesmo a calhar.

E assim foi. Apetece-me dizer: coisas simples e boas.

Bom domingo!


sábado, 3 de dezembro de 2011

Quase círculo


quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

5 ideias/ 5 gostos/ 5 textos?

Coisas a partir das quais podemos escrever:

A - Ações simples do quotidiano

B - Elementos da nossa casa a que damos algum realce

Algumas das minhas escolhas:

A – Ações simples do quotidiano:

- Ler um jornal, com tempo, ao sábado.
- Escrever textos para o meu blog.
- Ler, se possível, à luz do sol.
- Ter a casa arrumada.
- Guardar os trabalhos corrigidos na pasta, sentindo a mesa e a mente mais
organizadas.


B - Elementos da nossa casa a que damos algum realce:

- Ter flores na janela e zelar para que não morram.
- Sentir (ainda) a presença do nosso velho cão labrador – o Dunas.
- Ter livros à espera de serem lidos.
- Chegar a casa, ter sopa feita e a mesa posta.
- Não ter muitas flores frescas nas jarras.

É simples, é barato e pode dar... felicidade

É simples, é barato e pode dar… felicidade
pensar em
- coisas simples de que gostamos
- coisas simples de que não gostamos

Depois, escrever um pequeno texto/uma pequena história com alguns desses elementos.

Escolhi:

Gosto de…
- oferecer uma pequena história a uma criança e ver que gostou
- caminhar ao fim da tarde à beira-mar

Não gosto de…
- palavras destrutivas
- recordações de dias maus

(Este texto tem a ver com uma situação que conheci, o que pode ser um ponto de partida para a escrita)

UMA HISTÓRIA SEM NATAL

Numa aula de adultos, depois de algum diálogo, o professor pediu para os alunos escreverem uma história de Natal. Poderia ser ilustrada e um bonito presente de Natal em tempo de crise.
Olhando aqueles homens e mulheres, o professor viu que um deles revelava tristeza num olhar carregado em rosto fechado. Aproximou-se dele e apercebeu-se que o aluno estava assim porque não gostava do Natal. Ainda assim, reconhecia a vantagem de trabalhar a escrita e poder oferecer uma história bonita à filha mais pequenina, pressentindo já alegria nos seus olhos.
Com algum esforço, abriu o caderno, pegou na caneta que a companheira lhe dera e começou a pensar no que podia escrever. Sentia os nervos à flor da pela. Queria que saíssem palavras e tinha de conter as lágrimas. Lembrou-se do que ouvira já muitas vezes: um homem não chora. Sabia que não era assim. Melhor tivesse ido caminhar ao fim da tarde à beira-mar. Só lhe vinham à cabeça perdas de familiares e de amigos. Ouvia também palavras destrutivas da infância que o tinham marcado, deixando recordações de dias maus e de muitas dificuldades. Em dias gélidos de repetidos natais.
Depois de ter riscado várias vezes o que tinha escrito, pousou a caneta e fechou o caderno. O professor abeirou-se dele de novo e viram outras hipóteses de escrita. Surgiram várias: situações: umas vividas, outras imaginadas.
Na despedida, o aluno pediu desculpa ao professor e disse que até à próxima sessão escreveria a história, mas uma palavra não seria escrita: NATAL.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Afinal...

Afinal, não tive tempo para escrever o texto.
Entretanto, hoje, em Serralves, com Richard Zimler, registaram-se outros elementos que podem ser desenvolvidos pela escrita:
- 5 elementos/ações do nosso quotidiano;
- 5 aspetos ligados à nossa casa.

Amanhã, digo também o que escrevi.
Porei umas imagens que combinem e deem cor ao post - na minha opinião, é claro.

Boas palavras!

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Gosto...não gosto... sei...

Para um exercício de escrita, foi proposto pensar em:
a) cinco coisas de que gostamos
b) cinco coisas de que não gostamos
c) algo que se sabe fazer

Passei à prática e escolhi:
a. 1- Oferecer uma pequena história a uma criança e ver que gostou;
2 - Pôr os testes corrigidos na pasta, ficando a mesa e a mente mais arrumadas;
3 - Analisar trabalhos de alunos, realizados com empenhamento e criatividade;
4 – Caminhar ao fim da tarde à beira-mar;
5 – Ouvir a chuva cair nas tardes de domingo em que estou em casa.

b. Não gosto de
1 - palavras destrutivas;
2 – sentir os nervos à flor da pele;
3 – noites de trovoada;
4 – recordações de dias maus;
5 - andar longas horas de avião.

c) plantar flores


Logo, se puder, passarei à escrita.

domingo, 27 de novembro de 2011

Fado português

O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

Ai, que lindeza tamanha,
meu chão , meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.

Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada,
que beija o ar, e mais nada.

Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.

Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro velero
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.


José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo'

sábado, 26 de novembro de 2011

A perda de telemóvel pode tocar (n)o coração?

J. Borsky

Será isto literatura?

Poema metonímico a um mote alheio


Martha

perdi o teu telemóvel


Martha

perdi o teu telemóvel

vasculhei bem fundo a minha alma

virei-a do avesso

descosi costuras

abri bainhas

cotão e pó

camadas da tua ausência

foi tudo o que eu encontrei

nem sombra do teu 9 qualquer coisa

tanta coisa...

Martha

perdi-me na busca do teu telemóvel

arranquei botões

desalojei-os

desalojei-me

num grito rasgado

na minha procura de mim

Martha

perdi

me

na perda do teu telemóvel.

Martha

If you please call me

agora

não

não te guardes para um qualquer postal

de Natal

Martha!

IA, ESG, novembro de 2011

(N)a Língua que Somos

Para escrever é preciso ser/estar triste?

Picasso
S/cem palavras

Um escritor, Manuel António Araújo, foi a uma escola, ESG, falar sobre Literatura numa ação de formação para professores. A páginas tantas, afirmou que os escritores têm um traço comum: são tristes. Muitos discordaram, mas o autor manteve a sua convicção.

Passados alguns dias, na mesma sala, uma aluna dizia à professora que não conseguia escrever um conto de Natal, como havia sido pedido:

- Ó professora, ainda não fiz o trabalho. Só consigo escrever quando estou triste.

A professora, surpreendida, contou-lhe o que ouvira dias antes. A adolescente rematou: ele tem razão, professora.