terça-feira, 3 de maio de 2022

Ser velho nem sempre é ser velhinho!

 

Julgo que aqui já falei disto. Num dos últimos anos de vida do meu pai, acompanhei-o ao Centro de Saúde para uma consulta de rotina. A médica de família, enquanto lhe fazia os exames também de rotina, voltou-se para mim e disse:

- Gosto muito do seu pai. É um velhinho muito simpático.

Ele nada disse, mas ouvia o que nunca gostava de ouvir. Era velho, de facto, com a simpatia que lhe vinha do amor pela vida, mas 'velhinho simpático' não lhe assentava nada bem. Imaginou, por certo, tal como eu imaginei, um homem curvado, de bengala, sem autonomia, sentado sem ter nada que fazer, etc, o que não era nada o caso, porque ainda tinha bastante atividade, apesar das doenças que se lhe tinham entranhado ao longo da vida e que ele ia ajudando a mandar embora com a força que podia arranjar. E o diminutivo ainda mais o apoucava. Quando chegámos ao carro, ele vinha tristonho e não se falou do assunto. 

A médica, ao pretender ser também simpática, tinha acentuado uma realidade que custava enfrentar ao meu pai - a vida que tanto amava estava a dizer-lhe adeus. Ele sabia-o e lembrá-lo, fosse com que palavras fosse, só o acentuava também.

Numa outra situação, ouvi um diálogo entre duas mulheres, uma de uns setenta anos e outra com menos de cinquenta. A mais nova falava de uma viagem já marcada. A mais velha, com humor, disse-lhe:

- Que sortuda, eu também gostava.

E logo a resposta da mais nova:

-Você já está velha, não precisa de viajar.

Se no primeiro caso foi apenas falta de um bocadinho de chá,  a este último faltava tudo, sobrando até má educação e falta de conhecimento do mundo.

Também expressões como: Já não tens idade para isso, estás velho, etc. em nada contribuem para a felicidade de quem as ouve. Nem de quem as diz, acho eu. Mas só serão compreendidas quando sentidas.


4 comentários:

  1. Boa tarde
    Disse me um dia um velhinho
    Com voz cheia de carinho
    Nunca maltrates ninguém
    Que a vida é cruel e vá
    E de hoje para amanhã
    Tu és velhinho também

    JR

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    1. É bem verdade o que diz, embora o esqueçamos quando se é bem mais jovem do que o outro e se pensa que a juventude é eterna.
      Um bom fim de tarde.

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  2. Por vezes, e até sem maldade, as pessoas ferem um bocadinho os que são velhos. Mas é bom que nos habituemos à idade. Por muita razão.

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  3. Se calhar, também já utilizei expressões que agora poria logo de lado. Quanto à idade, também entendo que deve ser encarada naturalmente. Sem dramas, mesmo que as pernas não subam as escadas como subiam. Não é nada agradável, acho eu, é lembrá-lo às outras pessoas, a não ser que essas pessoas o esqueçam de forma atabalhoada.

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