O dia está chuvoso, para além do vento, da trovoada... Amanhã, pelas previsões, não será muito diferente.
A leitura um pouco mais prolongada talvez venha a calhar.
E por que não Homens imprudentemente poéticos de Valter Hugo Mãe?
Poéticos são os ambientes, as
personagens, os diálogos, os temas que emergem, sem ruído, de um Japão mágico e
mítico que é o pano de fundo da obra. Temas como o amor, a morte, a perda, a
miséria, a procura, a natureza, o medo, a esperança, a culpabilidade, a ternura
irrompem de espaços e de tempos ancestrais que as palavras do narrador-autor
põem amorosamente a nu, diante dos nossos olhos incautos e curiosos.
Há cenários de cerejeiras,
pássaros e violetas, onde vejo seres inocentemente belos e humanos (como Matsu,
a rapariga cega; a senhora Kame, "a mãe perto") a convocar candura, inocência, delicadeza.
Mas também os homens os transmitem, como os vizinhos inimigos: Itaro, que faz
leques com as canas de bambu que recolhe e Saburo que molda taças de barro.
Existe uma beleza onde coabita a
delicadeza e a rudeza.
Registei algumas frases que me tocaram
pelo seu sentido poético:
"A beleza carece de nenhum motivo,
p.77; "(...) a menina dizia: para os cegos as flores são ainda coisas de
ver. Mapeava-os pelos perfumes". p. 90; "As taças eram terra
adulta.", p.107; "A memória
era o resto da realidade", p. 141.
Na descrição dos ambientes, surgem casos
de amálgama com laivos de Mia Couto: "Alguns peixes barulhavam na
água" - p.79.
O
não uso da dupla negação também é notório:
"Viu nada", p.113; "Tinha nenhum recipiente", p.141.
A ausência do ponto de interrogação também ocorre quando
o contexto o dispensa, tal como foi prática de
José Saramago; "O artesão gritou: quem é.", p.117.
No tempo em que VHM não usava
maiúsculas, mesmo no seu nome, ouvi-o dizer a um auditório constituído por
alunos e professores que, para se aplicarem outras regras, era
necessário conhecer bem as que são convencionais. Repeti-o
várias vezes nas minhas aulas, lembrando-me das palavras prudentes do autor desta obra Homens imprudentemente poéticos.
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